Um dos livros mais desafiantes e cativantes que eu já li até hoje. Lembro-me de ter encarado ele pela primeira vez por volta de 2013, pouco depois de ter encerrado o Ensino Médio, mas desisti logo nos primeiros capítulos por não ter cabeça e nem conhecimento histórico suficiente para captar plenamente a essência da obra. Hoje, com uma mentalidade completamente diferente daquela época e menos ignorante, decidi que era hora de me defrontar novamente com Homero e esmiuçar cada detalhe da narrativa. Com efeito, após pouco mais de um mês de uma leitura extremamente minuciosa e inúmeras consultas ao dicionário, eis que completei uma das epopeias mais marcantes da literatura mundial.
Muito mais que um retrato cru do prélio funesto, a Ilíada é, sobretudo, uma narrativa do drama humano e do papel dos deuses no fado dos homens. Aquiles, filho de Peleu com a deusa Tétis, encarna a maestria na luta e a coragem; Heitor, filho do velho rei Príamo, encarna o patriotismo; Pátrocolo, amigo de Aquiles, a fidelidade inabalável; Agamênon, rei de Micenas e comandante supremo dos exércitos gregos, a arrogância e a vaidade; e assim por diante. As divindades, qual os heróis mortais, também demonstram vícios e virtudes humanas: Palas (Atena) e Juno (Hera), raivosas por terem perdido no
Julgamento de Páris (evento este que não aparece no livro), detestam profundamente a cidade de Príamo e, por isto, intervêm à favor dos gregos; d'outro lado, Vênus, vencedora da disputa e mãe de Enéias, e Apolo, patrono da cidade, intervêm à favor dos troianos. Outros heróis e divindades, tal como Zeus, Netuno, Hera, Marte, Hefesto, Ulisses, Diodemes e Ajax também têm seus momentos.
A história é cheia de passagens marcantes, por vezes até tocantes. Particularmente, achei o momento em que Heitor se encontra com sua mulher Andrômaca e seu filho Astíanax (ainda bebê) em uma torre após o combate bastante triste: Heitor tenta pegar seu filho no colo, mas este se assusta com a armadura e o elmo do pai e começa a gritar desesperadamente. O pai e a mãe riem da reação do bebê, e Heitor, após retirar seu elmo e sua armadura ensanguentada, o embala em seus braços e o beija meigamente pedindo para que os deuses o façam ainda mais forte que o pai - sem, no entanto, saber que nunca mais veria filho e esposa:
"Ó Júpiter, perora, ó deuses todos,
Como eu dai que este seja aos Teucros [troianos] honra;
Potente o cetro empunhe; ao vir do prélio [luta],
- Inda é que o pai mais forte -, alguém lhe exclame;
Morto o inimigo, no cruento espólio
Volte, e mãe leda folgue"
A passagem em que o velho rei Príamo se encontra com Aquiles para reaver o corpo de Heitor também é marcante.
[...] Por teu bom pai [Peleu], de um velho te apiades:
Mais infeliz do que ele, estou fazendo
O que nunca mortal fez sobre a terra:
Esta mão beijo que matou meus filhos."
De Peleu mais saudoso, o herói [Aquiles] suspira,
Pega-lhe a destra e brando afasta o velho:
Um de joelhos por Heitor pranteia;
Outro chora sei pai, chora a Patrocolo [morto por Heitor]:
De ambos a soluçar na tenda estruge.
Enfim, foi uma leitura extremamente interessante e edificante. Tenha Homero existido ou não, o fato é que Ilíada é um legado precioso nos dado pelo mundo helênico e faz jus a sua fama de clássico absoluto da literatura ocidental. Estou imensamente feliz por ter absorvido parte desse legado.
Pretendo, assim que sobrar algum tempo, prosseguir com a leitura da Odisseia e, talvez, da Eneida.