A Fórmula 1 precisa mais de Nasr do que ele dela
Já tinha anoitecido em Interlagos no último GP do Brasil quando fui ao hospitality da Sauber. Queria, com calma, felicitar Felipe Nasr por sua incrível performance na prova. “Foi tipo Silverstone 2009!”. Ele riu. “Lembrou aquela? Então foi bom!”
Silverstone 2009. O domingo amanheceu chuvoso, nada incomum ali. Mesmo assim, resolvi dar umas bandas pelas áreas comuns do autódromo depois de chegar no estacionamento da imprensa. Minha atenção logo foi roubada pelos gritos que vinham do alto-falante. “And here comes Nasr...he’s going for the outside...what a move!!! Nasr...unbelievable!!!” Era a preliminar da Fórmula BMW e eu sabia que ele tinha largado em último depois de encontrarem uma irregularidade besta no carro - uma asa meio centímetro fora do padrão, um assoalho gasto demais ou coisa que o valha. Em condições difíceis, Nasr estava alguns níveis acima de todo o grid e veio engolindo quem tivesse pela frente. No momento da narração, passou dois (ou três) carros por fora numa curva. Era surreal de tão incrível.
Hoje, segunda-feira 20 de fevereiro de 2017, a uma semana do início dos testes de pré-temporada, é improvável que ele esteja ligado a alguma equipe no papel de piloto reserva. A Williams confirmou hoje Paul Di Resta para a função - uma escolha política já posta em prática no ano passado: o papel no time é atrelado à sua função de comentarista na transmissão da F-1 na Inglaterra pela Sky Sports; e garante ao time diversas reportagens especiais ao longo do ano. Para pensarmos: uma equipe pode ter mais de um piloto de testes mas, dos dez times do grid, apenas três ainda não tem ninguém na função: Force Índia, Renault e Sauber. É cada vez mais difícil enxergar alguma organização onde ele possa se encaixar.
Fica a reflexão do que deu errado em sua trajetória na F-1. Afinal, o que Nasr fez na sua estreia em Melbourne em 2015 foi mais um sinal contundente do piloto talentoso que ele é. Num ambiente tumultuado pela confusão armada pelo contrato de Giedo Van der Garde, ele passou a semana indo num tribunal, não andou no primeiro treino livre de sexta e ainda assim se classificou em 11º no grid - faltou menos de um décimo de segundo para passar para o Q3. Na corrida, correu com a segurança de um veterano, engoliu o badalado Carlos Sainz no começo da prova como se o espanhol não estivesse ali e segurou os ataques de Daniel Ricciardo, que corria em casa pela Red Bull. Chegou em quinto lugar e parecia destinado a uma trajetória de sucesso.
Parte dos seus problemas começaram ali. Enquanto o próprio Nasr tentava apontar o óbvio (era início de temporada, outros times com mais recursos ainda tinham problemas mas inevitavelmente cresceriam, seu carro não teria tanta evolução, etc, etc, etc.), seu feito esportivo foi vendido no Brasil como uma garantia de esperança para os “sebastianistas” do automobilismo - aqueles que não entendem de corridas, mas acham que entendem e vivem aguardando o surgimento de um novo brasileiro que “vai lá e ganha com qualquer carro em quaisquer condições, correndo pela bandeira e nos dando alegrias aos domingos de manhã” (mais um parênteses: se você não sabe o que é “Sebastianismo”, procure na Internet e se informe, é interessante).
As expectativas elevadas levaram a um choque de realidade. A competitividade do equipamento caiu, a equipe cometeu seus erros e Nasr passou a alternar bons finais de semanas (China, Mônaco, Áustria, Hungria, Bélgica, Cingapura, Rússia, Estados Unidos) com outros mais apagados. Ainda assim, encerrou o ano com o triplo (!!!) de pontos do companheiro Marcus Ericsson e ficou na tabela à frente de Maldonado e Sainz, entre outros - a dupla da McLaren não conta porque foi um ano obviamente incomum para o time de Woking.
Mas foi no ano passado que a maionese desandou. Sem grana, a Sauber não desenvolveu um carro ruim, não pagou seus funcionários e o clima lá dentro ficou péssimo. Os patrocinadores suecos de Ericsson salvaram o time economicamente adiantando pagamentos e, posteriormente, assumindo o comando. Isso ocorreu num momento de frustração de Nasr e seu entorno pelos problemas esportivos. Olhando de perto, mas de fora e sem acesso aos detalhes, julgo que faltou a partir daquele momento uma presença mais constante do empresário de Nasr, Steve Robertson, no paddock. Era ele quem deveria administrar o ambiente interno, cuidando do time dar a mesma atenção para seu cliente e mediando os conflitos que foram aparecendo e que acabaram se multiplicando a cada resultado ruim, a cada erro cometido. Não acredito nas alegações surgidas de que o time sabotava de maneira premeditada o brasileiro, mas certamente sentia um interesse interno maior pelo sueco e um ambiente envenenado mesmo, com grupos distintos atuando dentro da mesma organização. Robertson, que eu me lembre, deu as caras em duas ou três corridas ao longo de todo o ano. Sua ausência custou muito ao piloto.
Precisou aparecer uma prova em condições especiais para que novamente o talento de Nasr se sobrepujasse. Sua participação em Interlagos foi mesmo como Silverstone 2009. E, preciso dar o crédito, o próprio piloto passou o ano repetindo a cada entrevista como um mantra que só pontuaria numa prova fora do comum. Ela veio no Brasil e ele agarrou a chance com as duas mãos. Ignorou as ordens (equivocadas) da equipe para colocar pneus intermediários, se manteve na pista, manteve um ótimo ritmo e pontuou com um carro praticamente incapaz de fazê-lo.
Mas era tarde demais. Sem clima na Sauber, perdendo o apoio financeiro do Banco do Brasil e sem chances de encontrar novas fontes numa economia no estado da nossa, as portas foram se fechando para ele. A F-1 chega em 2017 com um grid que estaria mais bem servido com a presença de Nasr. Sobra nele talento em relação a outros que tiveram mais oportunidades (Sainz, Kvyat, Magnussen, Palmer, Ericsson, etc.).
Mas não estar lá não é o fim do mundo, pelo contrário. Nasr já participou algumas vezes das 24 Horas de Daytona. Andou muito bem e adorou a experiência. Tem capacidade de sobra para viver como piloto profissional onde quiser: Endurance, DTM, Japão, Estados Unidos. Correndo em equipes de ponta, vencendo e recebendo bem por isso. Um privilégio no desolador cenário do automobilismo brasileiro de hoje, especialmente em termos de formação de pilotos.
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