O modo japonês de atender as demandas é bem diferente do ocidental.
No Ocidente (em especial nos EUA, Europa por vezes trabalha de maneira semelhante ao Japão) se você pede um café te perguntam: com ou sem açúcar? com torra clara, média ou forte? coado ou expresso?
No Japão simplesmente fazem o café e te entregam sem você ter a chance de pedir mais nada. Se você não quiser o café daquela maneira que lhe é entregue, então procure outra cafeteria.
Se Sekiro fosse um jogo ocidental teria easy mode, very easy mode e até mesmo um assist mode. Mas como é um game japonês tem nada disso.
Porque ocidentais querem vender um produto e não entregarem uma experiência. O cliente sempre tem razão em tudo. O cliente pode estar errado e os designers na maior parte das vezes sabem disso. Mas ainda assim eles abrem mão por receio de perderem os clientes. Então eles fazem o que o cliente pedem. Tipo, um cliente pede que o carro tenha rodas maiores. O designer se sente contrariado porque rodas maiores arruinariam todas as uniformidades entre as escolhas no desenho do carro, mas a concessionária atende a esses pedidos. Numa parte da Europa os designers não atendem demandas, é por isso que uma Ferrari não tem opcionais como rodas diferentes ou aerofólios, no máximo, versões diferenciadas que também tem nomes diferentes, como, por exemplo, 458 Italia e 458 Speciale.
E por que japoneses e alguns designers europeus agem assim? Porque se você procura um Giugiaro, um Pininfarina, é porque você acredita e confia na qualidade desses designers, nas competências deles e entende que eles sabem mais de design que você. Do contrário, por que então contratá-los?
As pessoas tendem a achar que elas não apenas são capazes de saberem do que gostam, e não há nada de errado nisso, como também de saberem porque gostam do que gostam ao ponto de saberem que são capazes de criarem produtos conforme os seus gostos e que, portanto, irão agradá-las. Do tipo, a pessoa acaba de ver um filme do Steve Spielberg, por exemplo, e ela sai do cinema sabendo exatamente porque gostou daquele filme: eu gostei por isso e aquilo etc e tal, logo, se eu fosse fazer um filme, eu colocaria isso e aquilo e tal que tinha no filme do Spielberg que eu gostei. Mas a realidade é que tão logo alguns filmes passam a fazer aquilo que os espectadores demandam, os resultados costumam ficar piores. Porque obviamente, nenhuma dessas pessoas é um Spielberg e não sabem exatamente o que o Spielberg fez para que elas gostassem do filme. E isso talvez até explique por filmes do Spielberg pioraram com o passar do tempo, porque sequências de filmes do Spielberg feitas por outros diretores nunca alcançaram o mesmo êxito de seus filmes. Uma pessoa assiste Tubarão 1 e acha o filme muito bom, mas alguém pergunta a ela, o que você gostaria de ver numa sequência, e ela diz: mais ação, mais pessoas sendo comidas por tubarões, mais vítimas, mais sangue, mais pânico, mais pessoas assustadas, mais tubarões, tubarões maiores, etc. O resultado é Tubarão 2 que é um filme aquém em relação ao primeiro.
É por isso que a Nintendo não abre mão de tomar as suas próprias decisões. Porque no que diz respeito a fazer games nenhuma outra empresa sabe mais do que eles mesmos.
Principalmente no caso de games, porque games são como frutas. Não tem como gostar de games sem antes experimentarmos. Temos a tendência de ficarmos na zona de conforto, nós queremos games que tenhamos apenas aquilo que sabemos fazer e nada de muito diferente. Quando estamos diante do diferente, recusamos. Se estamos habituados a jogar com espadas, não queremos mais experimentar lanças. Então começamos a pedir: queremos jogos com espada, se você fizer um jogo com lanças eu não comprarei! Quando um designer força o jogador a jogar com lança, o jogador começa a entender o que a lança tem a oferecer, como, por exemplo, o alcance maior. O jogador então passa a aprender a jogar com a lança e depois de um tempo ele até muda de opinião. Mas ele nunca mudaria se não tivesse experimentado.
É por isso que temos que dar muitas vezes aquilo que as pessoas a princípio acham que não gostam, mas que conforme nós a ensinemos a elas, elas podem passar a gostar. Quando games são feitos conforme as demandas, quando videogames são feitos conforme as demandas, o espaço para inovações reduz. As empresas passam a fazer apenas o que os consumidores querem, estes, preguiçosos, não pedem por inovações, mas mais do mesmo. Repare que o mercado ocidental, principalmente o americano, funciona dessa maneira. Você tem ondas e modas. Um novo produto surge, ganha atenção e várias outras pessoas simplesmente o copiam. Você tem um excesso do mesmo, até que as pessoas ficam enjoadas e aí o que surge? outra moda.
Se quer saber um dos motivos porque Microsoft falhou é justamente por isso. Confiou tanto que a fórmula Halo, Gears of War e Forza se manteria eternamente que começou a entregar mais do mesmo, que era o que os consumidores estavam pedindo, e na geração seguinte, os consumidores ficaram enjoados e resolveram partir para outras experiências. Mas isso obviamente não pára na Microsoft, vai se estender para várias outras empresas. O estrago será grande, porque é quando mais se tem confiança de que já se encontrou a fórmula que empresas aumentam os orçamentos e daí quebram.