Releia os trechos destacados da sentença. Não há uma censura propriamente dita (na prática existe, já que ninguém repetiria a atitude da Globo sabendo que o Judiciária daria uma canetada dessas), mas a juíza está querendo dizer como a matéria deveria ter sido feita, papel que foge ao escopo da atuação do Judiciário.
Veja as considerações feitas sobre o STF a respeito de qual deve ser o papel da imprensa e de como não cabe ao Judiciário querer ditar o que (e, mais relevantemente para o caso, como) deve ser reportado:
RECLAMAÇÃO. ADPF Nº 130. LIBERDADES DE EXPRESSÃO E DE IMPRENSA. COMANDO DE ABSTENÇÃO DE TRANSMISSÃO, NO CANAL DA RECLAMANTE, DE QUALQUER CONTEÚDO QUE DESBORDE DO DIREITO À CRÍTICA E CONFIGURE PROPAGANDA ELEITORAL NEGATIVA POR MEIO DE DECISÃO LIMINAR NÃO EXAURIENTE DE MÉRITO. INCOMPATIBILIDADE SUBSTANTIVA. CENSURA PRÉVIA JUDICIAL. PRECEDENTES. JUÍZO DE PROCEDÊNCIA.
Vistos etc. 1.
(...)
13. Ora, o núcleo essencial e irredutível do direito fundamental à liberdade de expressão do pensamento compreende não apenas os direitos de informar e de ser informado, mas também os direitos de ter, de emitir opiniões e de fazer críticas. O confinamento da atividade da imprensa à mera divulgação de informações equivale à verdadeira capitis diminutio em relação ao papel social que se espera seja por ela desempenhado em uma sociedade democrática e livre – papel que a Constituição reconhece e protege. 14. Absolutamente incompatível com o regime do Estado Democrático de Direito instituído pela Carta de 1988 arrogar-se o Poder Judiciário, ou qualquer dos outros Poderes da República, à função de determinar a linha editorial a ser seguida por veículo de imprensa. Tal procedimento, diametralmente oposto às garantias fixadas no art. 220, §§ 2º e 6º, da CF, reintroduz na prática dos Tribunais o espírito autoritário da Lei nº 5.250/1967, de modo algum recepcionado pela nossa Lei Fundamental, conforme decidido ao julgamento da ADPF nº 130. 15. Em nada contribui para a dinâmica da sociedade democrática reduzir o papel social da imprensa a um asséptico aspecto informativo, pretensamente neutro e imparcial, ceifando-lhe previamente de notas essenciais, da opinião e da crítica. Não se compatibiliza com o regime constitucional das liberdades, nessa ordem de ideias, a interdição prévia do uso de expressões negativas ao autor de manifestação opinativa que pretenda expressar desaprovação pessoal por determinado fato, ainda que relacionado às eleições. 16. A imposição de objetividade e a vedação da opinião pejorativa e da crítica desfavorável aniquilam a proteção à liberdade de imprensa, na medida em que a golpeiam no seu núcleo essencial. Tais atitudes tentam reduzir a liberdade de imprensa a uma única dimensão: a liberdade de informar, sem considerar que essa em absoluto a esgota. 17. Liberdade de imprensa e objetividade compulsória são conceitos mutuamente excludentes. Não tem a imprensa livre, por definição, compromisso com uma suposta neutralidade, porque, no dia que eventualmente viesse a tê-lo, já não mais seria livre. Nas palavras de José Afonso da Silva, é na liberdade de expressão “ou através dela que se realiza o direito coletivo à informação, isto é, a liberdade de ser informado” (SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à Constituição. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 826). 18. De mais a mais, há particular interesse social prima facie em que seja assegurada a livre opinião relativamente ao exercício de função de interesse público e suas nuances, nelas incluída a atuação de mandatários do Poder Executivo bem como de candidatos a cargo eletivo, a garantir a participação da população na liberdade de informação e na vida política. 19. Rememoro a lição do catedrático da Universidade de Yale Owen Fiss, quanto à Primeira Emenda Estadunidense, quando realça a missão democrática da imprensa ao considerar que a sociedade depende dos meios midiáticos para obter informação sobre o posicionamento dos candidatos a cargos governamentais, bem como para aquilatar suas políticas e práticas. Defende, o renomado professor, que “para cumprir essas responsabilidades democráticas, a imprensa necessita de um certo grau de autonomia em relação ao Estado” (FISS, Owen M. Tradução e prefácio de Gustavo Binenbojm e Caio Mário da Silva Pereira Neto. A Ironia da liberdade de expressão - estado, regulação e diversidade na esfera pública. Renovar, 2005, p. 99).
(...)
(STF - Rcl: 44590 PR 0107618-17.2020.1.00.0000, Relator: ROSA WEBER, Data de Julgamento: 24/02/2021, Data de Publicação: 02/03/2021)
Novamente: entraram no mérito dos crimes cometidos especificamente pelas pessoas retratadas? Apresentaram as estatísticas dos crimes cometidos por trans presas, já que o intento da matéria era realmente sensibilizar o telespectador, sem falar mentiras sobre as condenadas que estavam presas. Não é obrigação da imprensa ser neutra ou imparcial.