Pack Man
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Costumo dizer, em tom de brincadeira, que existem três carreiras em que o pacto com o tinhoso é comum: advocacia, jornalismo e publicidade. Elas não são ruins em si; há bons profissionais em todas as áreas e essas três não são diferentes. Elas não são ruins nas essências, mas nos pressupostos. Elas não são a causa de nada, são sintomas. Mas todo sintoma deixa no ar aquela dúvida comum: pode-se dizer que a pessoa continua doente se os sintomas desapareceram?
Lembro ao leitor que reconheço o valor dos profissionais dessas três áreas. Há nelas bons profissionais e maus profissionais; picaretas e homens justos; crápulas e santos. Que a carapuça seja usada apenas por aqueles a quem ela servir.
Advocacia
Recorrer a ela é dar provas da própria incompetência para lidar com outra pessoa num conflito qualquer — a.k.a. litígio. Por exemplo, a traseira de seu carro estacionado pode ter sido atingida por um motorista bêbado que não dá sinais de que vai pagar pelo prejuízo — e que o ameaçará se você insistir nisso. Como dialogar com quem não se dispõe ao diálogo? Recorre-se a um advogado para que ele seja nosso porta-voz diante de um tribunal e, eventualmente, dialogue com nosso opositor. Eu ficaria triplamente envergonhado com isso: além de atestar minha incapacidade para lidar com imbecis eu estaria certificando minha condição de zé-mané diante do Estado e, logicamente, reafirmando a idéia nauseante de que eles (advogados, juízes, tribunais, códigos etc.) sabem algo que eu jamais vou saber. A partir daí você é o “cliente do dr. fulano” e o adevogado vai referir-se a você como “meu cliente”. E, é claro, prepare-se para juntar-se àquelas pilhas de pastas que aparecem nas reportagens sobre a lerdeza do Judiciário.
Você pode ganhar a causa, mas a esta altura já terá perdido todo o restante.
Publicidade
Funciona assim: você quer vender algo e dispõe de dinheiro; em vez de usar esse dinheiro no aprimoramento de seu produto ou serviço, você o entrega a alguém que dirá às pessoas como é maravilhoso ter aquele produto ou dispor daquele serviço.
Entendo que as coisas não são tão simples hoje que possam dispensar o trabalho de um publicitário. Não basta ter um excelente produto e clientes fiéis dispostos a fazer uma divulgação direta, pelo simples motivo de estarem satisfeitos (como eu faço com o
Opera, por exemplo). Consegue-se prestígio desta forma, mas não dinheiro. É necessário vender em quantidade, é necessário aporrinhar a paciência do cliente e transformá-lo em espectador e consumidor.
Mas de repente você vê a megalomania de certas campanhas publicitárias, desliga a TV e agradece emocionado a existência dos profissionais simples e capazes dos pequenos estabelecimentos, como alfaiates, marceneiros e açougueiros. Sem eles eu realmente acreditaria que imagem é tudo.
(Por razões higiênicas não vou falar do marketing político)
Jornalismo
Abra um jornal, qualquer jornal. Ele transmite uma mensagem muito clara: “Isto é importante para você”. Você não lê o mundo através do jornal, o jornal lê o mundo para você — o que é bem diferente. “Imparcialidade” é apenas o nome de fantasia do time para o qual o editor-chefe torce. Ele é quem sabe o que é importante para você. É uma maluquice que não apenas não impede que os jornais existam como também garante a fidelidade de leitores e espectadores, o que atesta a incompetência das pessoas para definir as próprias prioridades. Afinal, elas não sabem o que fazem, o que querem, o que pensam.
Decerto nem tudo é imparcialidade num jornal. Deve ser difícil manipular o noticiário esportivo ou meteorológico (aquecimento global à parte, é claro). No que diz respeito ao noticiário político, cultural, econômico e mesmo o científico, as coisas são um tanto diferentes. Os números não mentem, mas as interpretações dos números ganham ares de verdade incontestável à proporção inversa de sua ligação com a realidade; entidades desconhecidas tornam-se templos de autoridade; idiotas pronunciam-se como se fossem profetas. O momento máximo da honestidade jornalística são as colunas sociais: lá você pode ter certeza de que todos estão mentindo.
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A capacidade de interagir com outras pessoas tornaria a advocacia desnecessária; se posso dialogar com quem me prejudicou, para quê um advogado? Se não posso, como não ver minha responsabilidade nessa incapacidade?
A capacidade de fazer um bom produto ou oferecer um bom serviço dispensaria o trabalho dos publicitários. Claro que publicitários vendem bons produtos também, mas tudo depende do que você quer: clientes ou consumidores. As diferenças são evidentes: para quem vende, para quem compra e para as pessoas ao redor, mesmo as que não têm nada com isso.
A capacidade de buscar por si aquilo que realmente lhe interessa poderia não dispensar o jornalismo, mas faria com que ele deixasse de ser aquilo que ele é para tornar-se aquilo que muitos dizem que ele será em breve. O Google News parece propor essa direção.
Não seria o fim do jornalismo, porque sempre há jornalistas de carne e osso atrás dos portais de notícias, mas seria o fim do jornalismo ideológico — uma das piores pragas modernas.
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Advocacia, publicidade e jornalismo são algumas das carreiras que se sustentam na idéia de que a sociedade é ruim, incompetente, ineficaz, estúpida e crédula. São os abutres da sociedade. A incapacidade mortiça das pessoas para as coisas mais elementares, para as coisas que definem a própria condição humana, é que origina essas carreiras. Você pode não saber fazer um sapato ou cultivar hortaliças, mas se você não sabe defender as próprias causas, os próprios produtos e a própria inteligência, que raio de pessoa você é?
Abraços