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Entre tantos possiveis fatos desse presente ano de 2012 está a abertura da carta de Niels Bohr, a quel tem o objetivo de revelar o porque de o Físico César Lattes não ter recebido o Premio Nobel.
Abaixo texto da revista Época de 1998 com um pouco mais de informação, escrito antes da morte de Lattes que ocorreu em 2005.
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O Nobel extraviado
César Lattes comemora 50 anos da descoberta de partícula
Em algum fundo de gaveta da Dinamarca, há um envelope com esta inscrição do lado de fora: "Por que César Lattes não ganhou o Prêmio Nobel". Será aberto em 2012, após 50 anos da morte do autor do misterioso texto que está lá dentro. Seu nome é Niels Bohr (1885-1962), um dos gigantes da física no século 20. Além de ser, ele próprio, um vencedor do Nobel em 1922, influía decisivamente na escolha dos físicos laureados. Bohr prezava o trabalho do brasileiro Lattes. Convidou-o para dar seminários na Escandinávia. Tomaram cerveja juntos em Copenhague.
Pode ter havido trampolinagem no caminho. Em fins de 1949, os patrocinadores suecos do Nobel tentaram, sem êxito, contatar Lattes no Rio de Janeiro. A carta emperrou nos escaninhos da Universidade do Brasil (precursora da UFRJ) e só um ano depois chegou às mãos do suposto candidato ao prêmio. Era tarde demais. O Nobel já tinha ido para o inglês Cecil Frank Powell, chefe da equipe de quatro cientistas, entre os quais Lattes, que pesquisavam métodos fotográficos para estudar raios cósmicos e processos nucleares. Na equipe figurava também o italiano Giuseppe Occhialini, mais renomado que Powell mas também não contemplado.
O jovem Lattes dera contribuições fundamentais para essa empreitada. Em 1947, na Bolívia, a 20 quilômetros de La Paz, subiu no Monte Chacaltaya e ali conseguiu detectar sinais do méson p (lê-se "pi"), partícula subatômica com massa cerca de 300 vezes superior à do elétron. Em 1948, obteve-o artificialmente no poderoso acelerador de partículas da Universidade de Berkeley, Califórnia. A descoberta do méson p, associado à coesão do núcleo atômico, foi essencial para os rumos da física de alta energia. Na época, representou um passo importante para a compreensão da matéria, que atraía as grandes cabeças da física. Cesare Mansueto Giulio Lattes, ou apenas César Lattes, voltou ao Brasil como celebridade internacional. Nas asas da Panair.
O homem de 74 anos que hoje contempla o cinqüentenário de sua façanha no sossegado bairro de Barão Geraldo, em Campinas, não se mostra curioso com o que Bohr colocou no envelope. "Não gosto de prêmios, e o Nobel é uma coisa perigosa", explica. "Já pensou ganhá-lo com aquela idade, 24 anos, e depois ter de ficar escrevendo cartas de recomendação?" Ele assegura que o méson p nem foi sua maior emoção na vida, mas sim os nascimentos de suas quatro filhas. Todas se formaram e lhe deram ao todo nove netos, hoje com idades entre 11 e 19 anos.
Lattes sai pouco de casa. Nos últimos anos, teve de se haver com problemas cardíacos, hipertensão e diabetes. Nas fases de depressão, renuncia até mesmo a ouvir sua música predileta, que varia de Vivaldi a Luiz Gonzaga. E a insônia o maltrata. "Tem uns remedinhos aí que botam a gente para dormir, mas o acordar não é lá essas coisas. A vida está muito difícil, a gente se sente asfixiada pela globalização." Lattes se aflige com a indigência das universidades brasileiras e com a redução de sua própria aposentadoria. Não gosta do atual presidente, chamando-o de "Cardosinho", e censura sua vaidade. Essa não é sua única quebra de protocolo em relação ao mais alto mandatário da República. No tempo da ditadura, atreveu-se a usar o prenome de Costa e Silva para rebatizar um cachorro comprado do filho de um vigia. O perdigueiro Arthur deu muitas alegrias à garotada da rua, mas teve o nome revertido para Gaúcho depois que o general morreu. Não deve ter entendido nada. Lattes, porém, sabia o que estava fazendo. Foi proprietário até de um leão, recebido em pagamento de uma dívida do dono de um circo.
Embora tenha deixado o país no dia seguinte ao golpe militar de 1964 por precaução, Lattes não é vinculado a ideologias. "Não era opção política, minha opção foi pelo sossego", explica. No âmbito da física, entretanto, não hesitou em tomar o partido de Bohr no célebre confronto teórico com o pai da relatividade. "Não tenho apreço nem respeito por Einstein, um plagiário sem modéstia", sustenta Lattes. "Baseou-se em Lorentz e Poincaré, sem citá-los, e deu várias explicações furadas. Em vez de interrogar a natureza, preferia fazer suas deduções a partir de postulados, que são criações do espírito humano. Bohr não fazia teorias sobre coisas que não podiam ser observadas. Era muito humano, suave e seguro."
No mundo subatômico, Lattes conheceu situações intrigantes e transcendentais como a do fóton, que se desdobra para "sentir" previamente dois caminhos possíveis antes de "escolher" um deles e prosseguir, já unificado de novo. A secreta força que impele a partícula de luz a ir por aqui ou por ali, como se fosse um ser vivo dotado de livre-arbítrio, talvez seja a mesma que certo dia fez Lattes escapar da morte. Ao embarcar em Londres para o Brasil, desistiu do avião da British Airways em favor do Constellation, da Panair. Pela lógica da eficiência ou da segurança, uma pessoa de bom senso teria preferido voar com os ingleses, apesar dos horrores culinários. Seduzido pelo suculento filé mignon servido a bordo pela empresa brasileira, Lattes mudou a passagem que já tinha marcado previamente. Na escala no Senegal, encontrou os destroços do avião inglês espatifado na pista. Hoje, tantos anos depois, em Campinas, um Lattes ofegante, envolto na nuvem branca dos cigarros fumados em seqüência, admite: "Foi meu anjo da guarda".
Abaixo texto da revista Época de 1998 com um pouco mais de informação, escrito antes da morte de Lattes que ocorreu em 2005.
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O Nobel extraviado
César Lattes comemora 50 anos da descoberta de partícula
Em algum fundo de gaveta da Dinamarca, há um envelope com esta inscrição do lado de fora: "Por que César Lattes não ganhou o Prêmio Nobel". Será aberto em 2012, após 50 anos da morte do autor do misterioso texto que está lá dentro. Seu nome é Niels Bohr (1885-1962), um dos gigantes da física no século 20. Além de ser, ele próprio, um vencedor do Nobel em 1922, influía decisivamente na escolha dos físicos laureados. Bohr prezava o trabalho do brasileiro Lattes. Convidou-o para dar seminários na Escandinávia. Tomaram cerveja juntos em Copenhague.
Pode ter havido trampolinagem no caminho. Em fins de 1949, os patrocinadores suecos do Nobel tentaram, sem êxito, contatar Lattes no Rio de Janeiro. A carta emperrou nos escaninhos da Universidade do Brasil (precursora da UFRJ) e só um ano depois chegou às mãos do suposto candidato ao prêmio. Era tarde demais. O Nobel já tinha ido para o inglês Cecil Frank Powell, chefe da equipe de quatro cientistas, entre os quais Lattes, que pesquisavam métodos fotográficos para estudar raios cósmicos e processos nucleares. Na equipe figurava também o italiano Giuseppe Occhialini, mais renomado que Powell mas também não contemplado.
O jovem Lattes dera contribuições fundamentais para essa empreitada. Em 1947, na Bolívia, a 20 quilômetros de La Paz, subiu no Monte Chacaltaya e ali conseguiu detectar sinais do méson p (lê-se "pi"), partícula subatômica com massa cerca de 300 vezes superior à do elétron. Em 1948, obteve-o artificialmente no poderoso acelerador de partículas da Universidade de Berkeley, Califórnia. A descoberta do méson p, associado à coesão do núcleo atômico, foi essencial para os rumos da física de alta energia. Na época, representou um passo importante para a compreensão da matéria, que atraía as grandes cabeças da física. Cesare Mansueto Giulio Lattes, ou apenas César Lattes, voltou ao Brasil como celebridade internacional. Nas asas da Panair.
O homem de 74 anos que hoje contempla o cinqüentenário de sua façanha no sossegado bairro de Barão Geraldo, em Campinas, não se mostra curioso com o que Bohr colocou no envelope. "Não gosto de prêmios, e o Nobel é uma coisa perigosa", explica. "Já pensou ganhá-lo com aquela idade, 24 anos, e depois ter de ficar escrevendo cartas de recomendação?" Ele assegura que o méson p nem foi sua maior emoção na vida, mas sim os nascimentos de suas quatro filhas. Todas se formaram e lhe deram ao todo nove netos, hoje com idades entre 11 e 19 anos.
Lattes sai pouco de casa. Nos últimos anos, teve de se haver com problemas cardíacos, hipertensão e diabetes. Nas fases de depressão, renuncia até mesmo a ouvir sua música predileta, que varia de Vivaldi a Luiz Gonzaga. E a insônia o maltrata. "Tem uns remedinhos aí que botam a gente para dormir, mas o acordar não é lá essas coisas. A vida está muito difícil, a gente se sente asfixiada pela globalização." Lattes se aflige com a indigência das universidades brasileiras e com a redução de sua própria aposentadoria. Não gosta do atual presidente, chamando-o de "Cardosinho", e censura sua vaidade. Essa não é sua única quebra de protocolo em relação ao mais alto mandatário da República. No tempo da ditadura, atreveu-se a usar o prenome de Costa e Silva para rebatizar um cachorro comprado do filho de um vigia. O perdigueiro Arthur deu muitas alegrias à garotada da rua, mas teve o nome revertido para Gaúcho depois que o general morreu. Não deve ter entendido nada. Lattes, porém, sabia o que estava fazendo. Foi proprietário até de um leão, recebido em pagamento de uma dívida do dono de um circo.
Embora tenha deixado o país no dia seguinte ao golpe militar de 1964 por precaução, Lattes não é vinculado a ideologias. "Não era opção política, minha opção foi pelo sossego", explica. No âmbito da física, entretanto, não hesitou em tomar o partido de Bohr no célebre confronto teórico com o pai da relatividade. "Não tenho apreço nem respeito por Einstein, um plagiário sem modéstia", sustenta Lattes. "Baseou-se em Lorentz e Poincaré, sem citá-los, e deu várias explicações furadas. Em vez de interrogar a natureza, preferia fazer suas deduções a partir de postulados, que são criações do espírito humano. Bohr não fazia teorias sobre coisas que não podiam ser observadas. Era muito humano, suave e seguro."
No mundo subatômico, Lattes conheceu situações intrigantes e transcendentais como a do fóton, que se desdobra para "sentir" previamente dois caminhos possíveis antes de "escolher" um deles e prosseguir, já unificado de novo. A secreta força que impele a partícula de luz a ir por aqui ou por ali, como se fosse um ser vivo dotado de livre-arbítrio, talvez seja a mesma que certo dia fez Lattes escapar da morte. Ao embarcar em Londres para o Brasil, desistiu do avião da British Airways em favor do Constellation, da Panair. Pela lógica da eficiência ou da segurança, uma pessoa de bom senso teria preferido voar com os ingleses, apesar dos horrores culinários. Seduzido pelo suculento filé mignon servido a bordo pela empresa brasileira, Lattes mudou a passagem que já tinha marcado previamente. Na escala no Senegal, encontrou os destroços do avião inglês espatifado na pista. Hoje, tantos anos depois, em Campinas, um Lattes ofegante, envolto na nuvem branca dos cigarros fumados em seqüência, admite: "Foi meu anjo da guarda".