Como famosamente disse Freud, "somente a ansiedade nunca mente", pois em todos os outros sentimentos e emoções humanas há sempre (ainda que somente um mínimo de) narcisismo. Como assim? Ora, porque nossos sentimentos são sempre socialmente construídos (ou seja, eles sempre levam em consideração o que o Outro pensa de nós). Em nossos mais íntimos sentimentos, há sempre aquele reflexivo ínfimo instante onde "nos vemos sendo vistos pela sociedade".
Mesmo os nossos "mais autênticos" sentimentos são sempre mediados pelo o que a sociedade pensa; pelo o que a sociedade gostaria de nos ver fazendo, sentindo e experienciando - mas a ansiedade, não, "ela nunca mente", pois que vai mais à fundo em nós e nos toca em nosso inexprimível cerne, no que jaz "primordialmente reprimido", em nosso mais íntimo abismo (que é precisamente aquilo exterior). Tudo isto só para dizer que não é fácil se livrar da ansiedade - e iria até além: não é sequer algo desejável.
Se tem uma coisa que a humanidade consistentemente faz é constantemente auto-sabotar sua própria felicidade. Nós não queremos ser felizes (nós só achamos que nós queremos). Um sintoma indireto (e aparentemente inofensivo) disto podemos constatar no fato de que, com frequência, o filho mais trabalhoso é, ainda que só secretamente, também "o mais amado" (ainda que digamos que são apenas expressões diversas do mesmo enorme amor).
Nietzsche costumava dizer que "é preciso ter um caos dentro de si para dar luz a uma estrela cintilante" - ainda que só indiretamente, ele está nos dizendo que a "pulsão de morte" não só é inevitável como também eticamente "inabdicável" existencialmente. Noutras palavras, um certo grau de ansiedade é "para todo o sempre" intrínseco à "condição humana" (ou ao menos até onde a vista alcança).
No atual prospecto de uma trans-humana pós-humanidade, onde diretamente nos transformamos em gadgets infinitamente expansíveis e atualizáveis, o derradeiro sonho é que nós seremos "ainda os mesmos, ainda que radicalmente diferentes" (ou seja, virtualmente "infinitos", mas ainda "sujeitos" totalmente responsáveis, livres e também moralmente autônomos como sujeitos finitos). Isto dito, é possível, sim, "transformar" a ansiedade (plenamente abraçando-a em seu aspecto produtivo).
Depois de um certo tempo, já não mais sentiremos a ansiedade como um externo impedimento ameaçador do nosso harmonioso ser original, mas sim como uma constitutiva parte produtiva e existencial de nós mesmos. Em "hegelês", ela se torna "em-si-e-para-si", uma reapropriação (ou reconciliação) da nossa parte com aquilo que necessariamente sempre esteve lá. Mas é somente com empenho e uma disposição treinada e disciplinada que chegaremos lá. É preciso radicalmente abraçar o abismo da nossa liberdade antes disso.