Bom, como o que posso dizer pode ser polêmico pra alguns, é bom que eu coloque antes que Ayrton Senna é o meu maior ídolo no esporte brasileiro, foi o meu grande herói na infância e pré-adolescência, tanto que tenho o box comemorativo do filme Senna, mas nunca o assisti e nunca irei porque o fim dessa história me deixa particularmente muito triste até hoje. A morte de Senna é algo que desafia até meu ceticismo.
Dito isso, fatos:
De uma certa perspectiva, Ayrton Senna é o nosso Diego Maradona: são adorados religiosamente pelo povo de seus países e suas qualidades são elevadas acima da lógica. Porque não há nada factível que credencie Maradona a ser o melhor de todos os tempos. Maradona tem poucos títulos, não fez tantos gols assim, sumia em campo em uma porrada de jogos decisivos e teve uma reta final de carreira muito irregular muito mais privilegiada por seu nome de que por produtividade.
E com isso não estou tentando diminuir a importância nem o tamanho do mito ou do personagem Maradona. De forma alguma. Apenas afirmo que os critérios para colocar Maradona como melhor de todos os tempos são completamente subjetivos: o fato de ter liderado a Argentina a uma Copa do Mundo (um papel que poderia ser comparável, por exemplo, ao de Romário em 1994) e o Napoli a dois campeonatos italianos (tem tanta coisa equiparável a esse grande feito que nem dá pra listar aqui) e, talvez o motivo principal, a habilidade, o domínio de bola e a visão de jogo que ele tinha. Que o levava a fazer gols como os contra Inglaterra e Bélgica e tantos outros pelo Napoli. Além de sua personalidade, que talvez seja o fator principal: o cara era vibrante, era fanático pela Argentina, queria vencer a todo custo, ficava revoltado quando perdia, chorava, se enrolava na bandeira, causava empatia no torcedor e tinha lá aquela coisa de se esforçar, de acreditar até o último minuto, de esperar um milagre, de superar dificuldades e adversários mais difíceis, tinha até o lado espiritual e religioso dele. Ele dizia que falava com Deus, porra!
Só que isso é completamente subjetivo. E esporte não é tão subjetivo assim, esporte tem resultado final, tem números, tem estatísticas, tem altos e baixos, prós e contras e custo-benefício. Se a gente fosse comparar aqui quem foi a melhor banda de todos os tempos, Beatles ou Nirvana, ia dar meses de discussão e não ia haver consenso porque, por mais que haja critérios técnicos, não ia estar baseado em resultados, mas sim em gosto pessoal.
Então o fanatismo por Maradona e as opiniões de que ele foi o melhor são muito mais baseadas no fascínio e no impacto que ele causou sobre quem o assistiu ou jogou com ele ou contra ele de que com o produto final, que é objetivo e se baseia em um índice.
Porra, ninguém duvida que Maradona foi um jogador espetacular, um dos maiores de todos os tempos, um personagem fascinante. Mas na prática teve muito cara bom, alguns até menos habilidosos, que o superou nos objetivos e é isso que conta afinal.
Da mesma forma que o nosso fanatismo por Senna (e como torcedor, eu me incluo nele) é muito mais baseado na subjetividade.
Porra, Senna era um piloto foda. "Um dos melhores", como disse o Flavio Gomes que seguiu praticamente toda a carreira dele de perto, mas sempre é confrontado por não ser um torcedor fanático. Ninguém duvida disso. Só que em termos de resultado final, tem gente que supera Senna e muito. E isso não diminui o Senna. Mas aumenta outros caras que acabam o superando. E a gente fica fazendo inúmeros contorcionismos lógicos pra insistir que Senna é o melhor.
Senna não é mais recordistas de vitórias, de poles (que era sua grande virtude, chegar no limite da velocidade nos treinos) e nunca foi recordista de volta mais rápida ou de campeonatos. Então não há nada que o credencie a melhor de todos os tempos a não ser a subjetividade, o fascínio que ele exercia na gente, alguns feitos espetaculares que conseguia e parecia que ninguém repetiria e a personalidade dele. Porra, Senna fez volta mais rápida com a Toleman. Senna ganhava corridas com a Lotus (que era um bom carro, longe de seus anos de glória, mas ainda assim um bom carro), Senna ganhava corridas milagrosas (vitória contra Mansell na Espanha em 86 com uma Lotus bem inferior à Williams dele, vitória no Brasil em 1991 apenas com a sexta marcha e pista fodida, que, aliás, acabou ajudando, porque a prova foi cancelada, ou o Patrese o passaria), Senna fazia voltas mágicas (Donnington Park, 1993), Senna acreditava até o final, corria até o limite, queria vencer a todo custo, se enrolava na bandeira, chorava, representava o torcedor e até contato imediato com Deus dizia ter feito.
Isso tudo é foda, é lindo, credencia o cara a ser um herói do esporte nacional, mas infelizmente, tecnicamente, teve gente que foi melhor pilotanto, tanto antes quanto depois dele.
Aliás, outra coisa que aproxima muito Senna de Maradona é o calor humano e isso também gera mais empatia e fascínio no povo. Schumacher (assim como o Messi, mas de formas diferentes) era frio pra c***lho. Se fosse um cara mais vibrante nas lentes, talvez gerasse mais empatia também. Porque podia não parecer, mas Schumacher era gente também, c***lho.
Numa entrevista ao Lance!, ele disse que um ano depois da morte do Senna, veio ao Brasil com Corinna visitar o túmulo dele e não conseguia parar de chorar. Só que ele fez isso anonimamente. Se tivesse chamado a imprensa para acompanhá-lo e no final tivesse dado uma coletiva de imprensa falando do Senna, capaz do público brasileiro ter outra imagem dele. Tem até um papo de que quando saiu do carro em Imola e soube que o Ayrton morreu, correu pro box chorando dizendo que era culpa dele, porque ele estava logo atrás do Senna fazendo pressão etc. Não queria ir pro pódio, essas merdas. Mas daí o convenceram. Claro que isso é só uma fofoca de paddock. Mas já teve vez que o bicho se emocionou por causa do Senna em público, como quando igualou o número de vitórias de Senna.