Comunicação de Bolsonaro usa tática militar de ponta, diz especialista
Para antropólogo, não se trata de uma propaganda, mas sim um conjunto de informações dissonantes
Guilherme Seto
SÃO PAULO
Os recursos escassos, a estética do material de divulgação e as constantes contradições de Jair Bolsonaro (PSL) e seus aliados podem levar à impressão de que a estratégia de comunicação do candidato é amadora.
Contudo, segundo o antropólogo Piero Leirner, professor da Universidade Federal de São Carlos que estuda instituições militares há quase 30 anos, a
comunicação de Bolsonaro tem se valido de métodos e procedimentos bastante avançados de estratégias militares, manejados de maneira “muito inteligente, precisa, pensada”.
“Não se trata exatamente de uma
campanha de propaganda; é muito mais uma estratégia de criptografia e controle de categorias, através de um conjunto de informações dissonantes”, explica Leirner.
“É parte do que tem sido chamado de ‘guerra híbrida’: um conjunto de ataques informacionais que usa instrumentos não convencionais, como as redes sociais, para fabricar operações psicológicas com grande poder ofensivo, capazes de ‘dobrar a partir de baixo’ a assimetria existente em relação ao poder constituído”.
O candidato à Presidência Jair Bolsonaro (PSL) em entrevista após gravação de programa eleitoral, no Rio de Janeiro. - Erick Dau /Farpa /Folhapress
Nesse novo paradigma político descrito por Leirner, gestado em guerras “assimétricas” como a do Vietnã —nas quais os poderes e táticas militares são muito discrepantes entre os adversários— e colocado em prática nas “primaveras” do Oriente Médio, as redes sociais têm papel central, pois “descentralizam e multiplicam as bombas semióticas”.
A cúpula bolsonarista conta com a participação de diversos membros das Forças Armadas, que tiveram contato com essas doutrinas. Reportagem da
Folha mostrou que Bolsonaro é o candidato preferido da maioria dos 17 generais de quatro estrelas da corporação --o topo da hierarquia. Um dos protagonistas do grupo de Bolsonaro é o general quatro estrelas da reserva Augusto Heleno, que chegou a ser cotado como seu vice.
Há diversos recursos de “guerra híbrida” identificáveis na campanha bolsonarista com a participação de seus eleitores: a disseminação de “fake news” e as contradições (chamadas por Bolsonaro de “caneladas”) entre as figuras de proa da campanha são alguns deles.
As
divergências entre o presidenciável e o vice, general Hamilton Mourão (PRTB), sobre o 13º salário, e também entre ele e o economista Paulo Guedes sobre a criação de imposto aos moldes da CPMF, são ilustrativas desse vaivém que, ao fim, gera dividendos políticos para Bolsonaro.
“Esses movimentos criam um ambiente de dissonância cognitiva: as pessoas, as instituições e a imprensa ficam completamente desnorteados. Mas, no fim das contas, Bolsonaro reaparece como elemento de restauração da ordem, com discurso que apela a valores universais e etéreos: força, religião, família, hierarquia”, analisa Leirner.
Nesse ambiente de dissonância, a troca de informações passa a ser filtrada pelo critério da confiança. As pessoas confiam naqueles que elas conhecem. Nesse universo, então, as pessoas funcionam como “estações de repetição”: fazem circular as informações em diversas redes de pessoas conhecidas, liberando, assim, o próprio Bolsonaro de produzir conteúdo.
“Ele aparece só no momento seguinte, transportando seu carisma diretamente para as pessoas que realizaram o trabalho de repetição. As pessoas ficam com uma sensação de empoderamento, quebra-se a hierarquia. O resultado é a construção da ideia de um candidato humilde, que enfrenta os poderosos, que é ‘antissistema’”, diz o antropólogo.
Esses poderosos contra os quais se voltam Bolsonaro e seus seguidores são justamente os agentes que tradicionalmente transmitem as informações de maneira vertical, como políticos, imprensa, instituições, que são lançados ao descrédito.
Concorrentes como o tucano Geraldo Alckmin e o petista Fernando Haddad, então, sofrem para atingir o eleitorado com ferramentas clássicas de propaganda. Torna-se difícil estabelecer um laço com os eleitores, especialmente com aqueles que já participam da rede bolsonarista.
“O trabalho dos marqueteiros dos outros partidos ficou a anos luz de distância. A tática de Alckmin foi um incrível laboratório: quanto mais atacou, mas aumentou a resistência de Bolsonaro. E isso com ele lá no hospital. Os ataques ao Bolsonaro foram então encarados como ataques a essas ‘estações de repetição’, e sua mobilidade tornou eles inócuos”, afirma Leirner.
Se está claro que essas “fake news” geram desinformação e desorientação, o antropólogo acredita que ainda não se sabe exatamente o que se pode fazer para combatê-las. Nestas eleições, o Tribunal Superior Eleitoral tem sido pressionado para tomar alguma providência em relação a elas, mas tem tido dificuldades em fornecer respostas.
“Se uma fake news é punida, outras são geradas e estações novas entram na artilharia. No fim o que vai se fazer? Punir todas as redes? Prender milhões de pessoas? O que a gente vai ver é se as instituições vão continuar assistindo sua própria implosão.”
Para Leirner, por fim, a proliferação de notícias falsas colabora para o deslocamento de poder dentro de instituições centrais à democracia, como a Justiça e as Forças Armadas.
“Hoje vemos setores do Estado, especialmente do judiciário, entrando em modo invasivo, cada um se autorizando a tentar estabelecer uma espécie de hegemonia própria”, diz.
O time de Bolsonaro (PSL)
General da reserva Augusto Heleno é um dos responsáveis pelo plano de governo do capitão reformado. Ex-Alto Comando, é indicado ministro da Defesa em um eventual governo Bolsonaro
O economista Paulo Guedes é responsável pelo plano econômico da campanha. Indicado para assumir o Ministério da Fazenda em um eventual governo Bolsonaro
Advogada e professora Janaina Paschoal faz parte do time político, foi autora do processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff. Foi eleita a deputada estadual mais votada da história
General Hamilton Mourão (PRTB) é o vice na chapa de Bolsonaro, faz parte do time político
Major Olímpio (PSL) é do núcleo político, um dos principais articuladores em São Paulo da campanha, foi eleito senador pelo partido.
O deputado reeleito Onyx Lorenzoni (DEM-RS) faz parte da articulação política do candidato, é o indicado para assumir a Casa Civil.
Formado em direito, o presidente interino do PSL, GUstavo Bebianno, é o porta-voz da campanha e articulador político. É o mais cotado para o Ministério da Justiça em um eventual governo Bolsonaro.
A mulher de Jair Bolsonaro, Michelle de Paula Bolsonaro, é conselheira e faz parte do grupo político do candidato.
O filho Flávio Bolsonaro faz parte do núcleo político do candidato, ele foi eleito senador pelo Rio.
Eduardo Bolsonaro faz parte do núcleo político do candidato, ele foi eleito o deputado mais votado.
Para ele, a especificidade da instituição militar, aquela que tem um poder que no limite só ela mesmo controla, deveria motivar reflexões sobre o perigo de misturá-la à política.
“O que me pergunto é se o pessoal da ativa está preparado para perceber que um pedaço desse ‘caos’ está saindo de uma força política que se juntou com alguns dos seus ex-quadros (...) A instituição militar diz: ‘obedecemos a Constituição e nos autocontemos’. Invadir esse poder com a ‘política’ não é boa ideia”, diz Leirner, concluindo com reflexão sobre a conjuntura.
“Parece-me que estamos vivendo um Estado bipolar: resta saber como, depois da fase eufórica, vamos encarar a fase maníaco-depressiva”.
Fonte:
https://www1.folha.uol.com.br/poder...atica-militar-de-ponta-diz-especialista.shtml
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Começando a minha oposição PERMANENTE ao bozonazismo, uma boa análise da esquisitíssima campanha presidencial do ganhador. A confusão das declarações da equipe era intencional, e o mesmo podemos dizer das declarações e vazamentos de agora, do período de transição. A ideia é estabelecer o bozo como única fonte confiável de informações, criando uma legião de brasileiros cegos pra qualquer outra voz minimamente dissonante. Assim, o negócio é analisar atitudes, não declarações. Um exemplo elementar:
1- Bozo diz, em campanha, que vai garantir liberdade de imprensa (e que quem quer censurar é Haddad).
2- Bozo impede diversos meios de comunicação de cobrir sua primeira entrevista eleito, e diz que vai cortar verbas de publicidade da Folha.
Temos aí uma contradição clara e cristalina, que está mascarada pela montanha de confusão produzida pela estratégia de campanha: supostamente, o veto (censura) aos meios de comunicação é "porque fake news". No entanto, essas fake news são plantadas pela própria equipe do bozo, de forma a fazer a mídia morder a isca, para ele depois vir "esclarecer", "refutar"... ou seja, estamos diante de um governo que vai jogar com a confusão para concentrar o poder da verdade em si, o que é (desnecessário dizer) muito perigoso.
Arrisco dizer que os próximos passos serão usar essa máquina de confusão para aplicar as medidas "anti-povo": bozo vai vazar intenções alarmantes (e irrealistas) para depois desmentir com versões mais "light" dessas mesmas reformas/privatições/retirada de direitos. E a população vai tomar no toba achando bom, que foi melhor do que imaginava.
- "Mas, e as instituições? O que elas podem fazer contra esse tipo de tática asquerosa?"
- Não percam a parte dois, em instantes.