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Fatal Frame 2

Cantalupo

Bam-bam-bam
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Introdução

Tradições são ecos do passado. Uma influência que os mortos exercem sobre os vivos, moldando e guiando vários aspectos do da existência. Estão na base de todas as sociedades. Um ciclo infinito do passado influenciando; assombrando o presente. Tradições são como fantasmas.
No jogo desta noite, estes espectros voltam para dobrar duas irmãs a vontade do coletivo.


Jogabilidade

Fatal Frame 2 é Survival Horror. Que é um gênero exclusivo da mídia dos videogames. Um gênero em que o jogador geralmente é menos poderoso e tem que usar com sabedoria os recursos e tentar evitar combates desnecessários. E mesmo quando é necessário lutar, geralmente o jogador vai estar do lado mais fraco. Essa jogabilidade ressoa e reforça o ambiente de terror em que a protagonista está lidando com uma ameaça mortal. (Ressonância Ludo Narrativa)
Os inimigos são fantasmas conseguem atravessar paredes e continuam perseguindo e isso marcar uma oposição aos zumbis de Resident Evil (que foi o jogo criador e é até hoje o mais influente do gênero).
O combate de Fatal Frame é o que diferencia dos outros survivor horrors. Nos jogos do gênero (quando é possível lutar) a melhor estratégia é manter as abominações a distância e destruí-los com armas. Então os inimigos mais perigosos são aqueles capazes de cobrir distância em pouco tempo. Em Fatal Frame existem duas mecânicas que invertem esse tipo de combate: Primeira é que quanto mais perto fantasma está, mais dano se causa a ele. Segunda: se você esperar até o último segundo você consegue o Fatal Frame, um disparo da câmara que vai causar muito dano e empurrar o fantasma para longe e pode iniciar um combo contra o inimigo. Essas duas mecânicas criam uma dinâmica de combate onde o jogador tenha que se expor para causar muito dano aos fantasmas criando um combate em que um alto risco vem com uma alta recompensa. Nos níveis mais avançados de dificuldade assumir esse risco é essencial.
Eu gosto bastante do movimento, eu achei que a maneira de controlar a corrida é uma evolução. Basta segurar o botão de corrida que ela se move e o jogador precisa apenas orientar a direção. Acho que isso funciona bem com um jogo em que os ângulos de câmera são fixos.

Uma crítica que tenho é que não é possível escolher os níveis mais avançados antes de terminar o jogo pelo menos uma vez. O normal é bem fácil para os veteranos porque tem muitos itens de cura e os inimigos não causam tanto dano. O jogo fica muito mais intenso e divertido no nível Hard que obriga o jogador mais experiente a aprender as mecânicas e não abusar de itens de cura.
Parte de desafio vem da navegação pelas casas e dos quebra cabeças, que são poucos. Eu fique um bom tempo nelas, mas, provavelmente é porque eu sou meio mula para tipo problema.



Gráficos e referencias arquitetônica e artísticas na direção de arte.

Os gráficos e as texturas ainda impressionam pela qualidade. Um jogo tão antigo ainda fica muito bem em tvs modernas e em HD. Os filtros do jogo foram inspirados em antigos filmes de guerra japoneses e em vários filmes de terror.

As expressões dos fantasmas são bem assustadoras e eles tem uma referência visual claramente inspirada em filmas como RINGU e The Grudge. É interessante que todos os fantasmas têm estórias pregressas. O jogo conta muito bem com gráficos e sons o fim eles tiveram. Por exemplo: Existe um fantasma de uma mulher que morreu caindo de uma escada. O fantasma durante o jogo continua caindo e “morrendo” novamente quando se enfrenta ela, que tem uma música própria e a maneira de enfrentá-la é diferente dos outras fantasmas. Outro fantasma é o fantasma de uma menina cega, que usa o truque de arrastar o jogador para o mundo dela mergulhando tudo em escuridão. Essas características únicas dão uma sensação de que você está lidando com fantasmas de pessoas que realmente existiram e estão presas em um ciclo de rancor para atormentar os vivos.

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As casas que se explora no jogo são todas tipicamente japonesas e por isso tem uma arquitetura diferente que eu estava acostumado em jogos/filmes de terror com suas mansões vitorianas. É bem diferente cruzar salas que tem biombos, paredes de papel e altares, e alguns ótimos momentos do jogo vem dos armários com portas de correr que me fizeram entrar em becos sem saída algumas vezes no jogo. A partir da área central do vilarejo se pode acessar todas as casas, mas, o jogo obriga você a ir numa ordem especifica para avançar.



Música/ Sons

Vamos começar pelo que eu achei mais impressionante: a maneira como a vibração do controle foi usada em conjunto com a música. O controle vibra de acordo com a música e aumenta a frequência nos momentos de tensão. Música já influencia no ritmo cardíaco, e associar isso a vibração do controle foi magistral.

A música que eu mais me lembro do jogo são aquelas que tem um tema aventuresco. A da abertura me inspira a combater fantasmas e não a correr deles. As melodias se misturaram ruídos e som ambiente e algumas são uma cacofonia de ruídos e gemidos perturbadores (O que pode ser uma influência da música de Silent Hill). Vários locais e fantasma tem uma trilha própria e são essenciais ao clima do jogo. Os fantasmas sussurram, falam e gritam. Isso dá eles personalidade e é possível identificá-los pelo som. Durante o jogo você encontra também um rádio que é capaz de sintonizar as vozes dos espíritos o que dá ainda mais substância a eles. Fique 20 segundos da minha música preferida do jogo.


História (Spoiler da história do jogo a frente, se você não jogou, volte mais tarde)

Na história existem vários temas, mas, os mais importantes são dois: Primeiro as relações entre irmãs. Segundo: As necessidades do indivíduo contra as necessidades da sociedade.

A história do jogo é muito detalhada e lida com dezenas de personagens secundários. Então vou contar apenas dos pontos chave. Vamos a ela!

Tudo começa com uma lenda urbana: Entre as montanhas, existia um vilarejo chamado Minakami (ou vilarejo de todos os deuses). Esse vilarejo era uma comunidade religiosa que ainda celebrava rituais muito antigos. A lenda diz que durante a noite de um ritual religioso todo o vilarejo desapareceu. Quem estiver andando por essa mesma montanha e entrar nos limites do vilarejo vai ficar preso para sempre lá.

Aqui entram nossas protagonistas: Mio e Mayu Amakura. Elas estão em um parque perto das montanhas quando Mayu some entre as arvores perseguindo algo que Mio não consegue ver. Então, Mio vai atras da irmã e durante o caminho tem algumas lembranças de que quando Mio sofreu o acidente que a deixou manca. Mio se sente culpada pelo acidente de sua irmã.

Depois de passar por alguns arbustos mais densos e por uma marcação de pedra ela se assusta pois o dia se transformou em noite. E elas estão no vilarejo perdido: Minakami e o caminho por onde vieram desapareceu.

As duas encontram alguns recortes de jornal relatando o desaparecimento de uma mulher que estava fazendo estudos para a construção de uma represa. Elas continuam explorando o vilarejo. Entram dentro de uma casa e lá encontram a câmara obscura.

Vamos parar um pouco para falar da câmara: Inventada por um mestre do ocultismo (Kunihiko Assou) Ela é uma câmera especial que consegue captar e exorcizar os espíritos.

Pouco tempo depois de encontrar a câmara as duas são atacadas pelo fantasma de uma mulher (aquela do artigo) e Mio consegue afastar o espírito usando a câmara obscura. Depois do embate Mio desmaia e por um breve momento podemos controlar Mayu que está seguindo um rastro de borboletas carmesins. O rastro leva até uma mulher de quimono branco.

A partir desse momento Mayu é possuída pelo espírito de Sae Kurosawa. A busca de Mio para libertar a irmã da possessão é o motor da história. Nessa jornada, a história do vilarejo, de várias famílias e do fantasma possessor é revelada. (sendo grande parte através de diários e cartas)

O vilarejo Minakami e era uma comunidade religiosa comandada por um Alto Sacerdote. As pessoas do vilarejo têm um segredo: Embaixo do vilarejo há uma rede de túneis que levam a um buraco aparentemente sem fundo que é chamado pelos aldeões de abismo infernal. Segundo a cultura do vilarejo esse é o portal para uma dimensão de cheia dos espíritos dos mortos e de dor imensurável. As famílias do vilarejo acreditam que para selar esse portal são necessários dois rituais: O ritual do Kusabi, em que os aldeões torturam e matam um forasteiro. O segundo ritual é o ritual Carmesim. Nesse segundo ritual duas irmãs gêmeas têm que ser levadas até o altar que fica perto do portal e lá a irmã mais velha tem que estrangular a mais nova. Depois disso os sacerdotes vão jogar o corpo no abismo.
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Se os dois rituais falharem um evento chamado o Arrependimento vai acontecer, nele os espíritos da dimensão sombria vão invadir o mundo e matar os vivos e uma escuridão eterna vai tomar o vilarejo. E esses espíritos vão continuar revivendo suas mortes para sempre ou até que o ritual carmesim seja feito.

E foi isso que aconteceu, os dois rituais falharam. 30 anos antes das moças protagonistas chegarem ao vilarejo. Duas gêmeas iriam executar o ritual: Sae e Yae Kurosawa (Filhas do Sacerdote da Vila). Porém, Yae conseguiu escapar com a ajuda de visitantes. Esses visitantes são dois folcloristas: Seijiro Makabe e Ryozo Munakata e eles que levaram a câmara obscura até o vilarejo. Sae ficou para trás porque tropeçou e não conseguiu acompanhar a irmã. Os sacerdotes decidiram realizar o ritual do Kusabi usando o pobre Seijiro. O ritual do Kusabi falhou, então, os sacerdotes decidiram sacrificar Sae numa tentativa desesperada de impedir o arrependimento. Esse sacrifício também falhou e Sae voltou como um espírito vingativo e o vilarejo inteiro encontrou um destino terrível. (faça uma referência a majora mask)

A rima temática da história é que Mayu sofreu um acidente quando era criança ao tentar acompanhar a irmã e assim ficou manca.

O espírito de Sae Kurosawa está possuindo Mayu (se aproveitando da sensação de abandono) para atrair Mio e tentar completar o ritual.

No final canônico do jogo, depois de seguir Mayu por todo o vilarejo (e aprender as muitas histórias de tragédias guardadas lá) Mio tem um confronto final com Sae. Mas, ela acaba sendo possuída também e estrangula a irmã. Os fantasmas de sacerdotes comemoram e uma luz celestial rompem a noite eterna do vilarejo, libertando todos os fantasmas de seus ciclos infinitos de dor. Várias borboletas carmesins surgem do buraco e voam para o horizonte e o jogo termina com Mio as perseguindo e uma delas é o espírito de Mayu.

Interpretação.
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Desde sua invenção, a fotografia tem uma relação próxima com a morte. No século 19, na Europa, era muito comum fotografar os mortos. Esses eram ótimos modelos já que a primeiras câmeras precisavam de muito tempo de exposição. É um tanto mórbido para nós, mas esse hábito já era comum entres as famílias abastadas que pagavam pintores para eternizar seus mortos, a fotografia popularizou a prática.

A ideia de que uma fotografia é capaz de revelar espíritos é bem antiga. Entre 1860 e 1920, com a popularização da fotografia, as fotos de espíritos se tornaram uma verdadeira febre pelo mundo (e principalmente na Europa e E.U.A) e mesmo figuras famosas como Arthur Conan Doyle (o autor de Sherlock Holmes) acreditavam que era e possível fotografar espíritos. Claro nem todos acreditavam nisso e céticos famosos como o escapista Harry Houdini confrontaram vários dos fotógrafos espirituais e exporão várias fraudes.

Então provavelmente a ideia da câmara obscura vem daí. No jogo a câmara não apenas revela como também é capaz de exorcizar os espíritos maléficos.

Tudo que já li Japão, me leva a acreditar que é uma sociedade que é muito organizada. É tão metódica que mesmo a interpretação de super-heróis passa por uma estrutura rígida com escola e profissionalismo. (Referência, My Hero Academia)

A partir dos medos é possível aprender uma coisa ou outra sobre a cultura de uma sociedade. Apreende-se o que se deve evitar, que ajuda o indivíduo e o conjunto a sobreviver. Nos melhores filmes/livros/jogos o monstro é um enviado de algo muito maior. Godzilla, O Exterminador do Futuro, Alien, Silent Hill, Amnesia, Dracula, Frankenstein, o Médico e o Monstro, o Hulk imortal. Todas essas obras têm uma coisa em comum: seus monstros são avatares das neuroses sociais de medos muito mais profundo do que apenas um maluco com uma faca. O jogo desta noite não é diferente.

Na cultura japonesa a sociedade e suas organizações são mais importantes que o indivíduo. Uma evidência disso são as várias lendas de auto sacrifício que existem. Eu conheço três: O seppuku (suicídio ritualístico dos samurais), os kamikazes (pilotos de avião que usavam ataques suicidas contra os E.U.A na segunda guerra) e o hitobashira. Nos três casos o indivíduo é chamado a fazer o sacrifício final pela sociedade. O seppuku e os kamikazes são bem famosos então não vou falar deles apenas do ritual que aparece na série (Não no jogo de hoje, mas, no terceiro).

O Hitobashira é o ritual em que durante uma construção muito difícil um trabalhador é sacrificado e enterrado na parede para que se torne um pilar humano. Assim a construção vai continuar firme e resistir a terremotos e enchentes. Veja que o tema se repete: a Sociedade acima do indivíduo. Pode ser que essas várias história inspirarão no povo um senso de auto sacrifício.

O Horror do Fatal Frame 2 nasce desse tema. Uma jovem quebra as tradições que dão estrutura do mundo social e literalmente o apocalipse acontece. Esse medo deve acompanhar o indivíduo de quem é esperado que não de apenas o melhor, é esperado que dê tudo.

Os fantasmas são avatares do medo de que a sociedade lhe tome tudo. Eles não querem apenas tomar a vida da pobre Mio, querem que ela enfrente uma eternidade de sofrimento para que o mundo volte aos eixos. E a nossa protagonista não tem muitas opções: Escapar é impossível, e mesmo morrer só garante uma repetição eterna da morte no vilarejo. Ou seja, mesmo que desvende todos os mistérios, siga todas as pistas sua recompensa será ser obrigada a sacrificar sua irmã.

O jogo tem 3 finais. Em nenhum deles as coisas saem bem e todos tem um tom melancólico. No final canônico Mio é possuída e tem que sacrificar a irmã. Mas, o interessante é: os fantasmas têm um objetivo que pode ser visto como um bem maior. Se o sacrifício não for feito todos os espíritos vão continuar sofrendo para sempre e o vilarejo vai continuar tragando pessoas para ele.

Eu sempre gostei muito desse jogo. O clima de terror é constante e é o único que me assusta tanto quanto é Silent Hill. Pensando para escrever este programa eu entendi o porquê dele me assusta tanto: O meu medo nasce de ter que correr em círculos o tempo inteiro apenas para ser forçado a fazer o que é necessário. 30 anos antes do início da história uma moça conseguiu escapar, mas, a que preço? Ela não só abandonou todas as pessoas que conhecia como criou um evento que causou muito sofrimento. E no final outra pessoa teve que pagar pelas ações dela. Me assusta pensar que algum dia posso passar por algo assim.

É um jogo essencial para os amantes de terror, e eu recomendo a todos que tem nervos para a experiência.

Se você leu até aqui, muito obrigado pelo seu tempo. E se tiver alguma coisa a dizer deixa escrito embaixo, para a gente poder conversar. Boa noite e até a próxima.
A versão em vídeo para quem prefere.




Referências
Tsuda, Noritake (1918). "Human Sacrifices in Japan". The Open Court. 1918.
Human Sacrifices in Japan.
http://opensiuc.lib.siu.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=3320&context=ocj
Marien, Mary Warner (2002). Photography: A Cultural History. New York: Harry N. Abrams.
 
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