Jean Chera. Reserva no Sinop, time da quarta divisão do Brasil. Aos 21 anos, o ‘novo Messi’ recomeça a carreira. Ele era melhor do que Neymar. Se tornou o pior exemplo de uma carreira frustrada, amargurada…
Você era apontado como uma das joias do Santos ao lado de Gabigol e Neymar. Como vê o sucesso dos dois na Europa enquanto briga para se firmar como profissional no Brasil?
Fico feliz por eles, eram e são amigos que eu fiz no Santos. Merecem todo o sucesso que atingiram. Até mais, porque o Gabigol vai atingir cada vez mais do que está fazendo. Eu estou aí, batalhando. Não é o fim. Ouvi bastante coisa quando tinha parado, não foi isso que a imprensa colocou por aí (que teria se aposentado). Vou conseguir voltar a jogar em alto nível.
Acredita que pode voltar a fazer sucesso atuando pelo modesto Sinop? Ou o clube é uma ponte para voltar à elite?
É o meu objetivo. No Sinop estou em casa, todo mundo me quer aqui. Às vezes, o clube pode ser bom mas você não se sente à vontade. O presidente quer mas o treinador, diretor, não te quer. Aqui todo mundo me quer, diretoria, comissão, jogadores. Por isso escolhi ficar aqui. Tive outras propostas mas quis ficar.
Você tem a chance de mostrar seu futebol nesta noite, contra o Fluminense, pela Copa do Brasil. Qual expectativa para a partida?
Pra gente é a partida mais importante do ano por se tratar do Fluminense, time grande, de Série A. O Brasil inteiro vai estar assistindo, então é tentar fazer uma boa partida para tentar voltar aos poucos. Vai ser difícil, não dá pra comparar a estrutura deles com a nossa. Mas não vai ser fácil pra eles. Se acham que vai ser moleza, estão enganados.
As fotos de sua apresentação no Sinop revelam alguns quilinhos a mais. Teve problemas com peso durante a carreira?
Tive. Depois que saí do Santos, fiquei uns três anos indo pra clubes que não deveria ter ido e, por alguns problemas, não jogava, só treinava. É diferente de quem joga, está em atividade. Isso me prejudicou muito. Cheguei aqui em dezembro, janeiro, acima do peso. Ainda estou um pouquinho, melhorei muito desde que cheguei. Faltam cerca de dois ou três quilos pra chegar ao peso ideal, já estou em fase final de recuperação
Você teve passagens frustradas por alguns clubes. Se arrepende de alguma decisão na carreira?
Me arrepender, não. Tudo que passei, bem ou mal, me amadureceu como jogador e como pessoa. Algumas coisas poderiam ter mudado, é verdade. Fui em 2014 para Grécia, foi complicado. Viajei sem assinar nada, assinamos contratos lá mesmo e fiquei sete meses sem receber nenhum centavo. As condições pra treinar eram horríveis, tínhamos que pagar do nosso bolso pra comer. Não conseguia falar nada, só falam grego, nem em inglês falam. Foram sete meses jogados fora, sem fazer nada por lá.
Essa foi a pior experiência da carreira? Já levou mais algum 'calote' de empresários?
Essa foi a pior, mas saí também do Cruzeiro em 2013, pelo sub-17, treinando bem pra caramba. Surgiu empresário que eu não conhecia falando de proposta do West Ham, da Inglaterra. Acreditei no cara, que pediu pra eu rescindir com o clube. Rescindi, liguei pro cara e era tudo mentira. Não tinha praticamente nada. Depois fui pro Oeste jogar o Paulistão e também tive problemas com empresário. São coisas que poderia ter evitado.
Acredita então que sua carreira foi prejudicada por empresários e dirigentes com interesses diferentes do seu?
Sim, mas eu também tive culpa, é lógico. Não treinava direito, fazia coisas erradas fora de campo. Sempre fui tranquilo, nunca tive problema em clube nenhum com jogador. Por ser novo, morando sozinho, com meus pais voltando pro Mato Grosso, posso ter me perdido. São coisas que passaram e hoje tenho total noção das responsabilidades.
"Estou bem focado. Depois que meu filho Léo nasceu (em agosto de 2016), mudou minha vida completamente. Vejo o futebol com outros olhos. Quero que ele veja o pai dele e se espelhe. Estou treinando, trabalhando duro aqui no Sinop-MT e temos um ano cheio de competições. Espero ficar aqui por uns dois anos e adquirir o ritmo pra voltar a jogar. Depois disso, vamos ver o que acontece."
Essas foram declarações de Jean Chera ao Lance!
As palavras são de uma pessoa sofrida, machucada.
Ele encarna um personagem no futebol que é motivo de mórbida curiosidade. A do menino prodígio que fracassou. Por culpa das circunstâncias. Ele foi apontado pelo próprio Santos como o novo Messi. Na pressa que mostrar para o mercado que havia sido agraciado com mais um estupendo taleto, da magnitude de Neymar, Ganso, Robinho. A imprensa não tinha motivo para duvidar. O que Jean Chera menino fazia no gramado era impressionante.
A diretoria santista divulgava os vídeos e anunciava que ele merecia salário maior do que o de Neymar. Que a Umbro fez uma chuteira com o nome do garoto. Globo, Record, Bandeirantes faziam especiais com o meia. A sensação generalizada era a de todos testemunhavam o nascimento de um dos maiores jogadores da história do futebol brasileiro.
O habilidoso garoto tinha um sombra. Seu pai, Celso. Ele cuidava do filho com esmero completamente exagerado. Dirigentes santistas insistem que o exagero que sabotou o futebol do garoto partiu do amor paterno. A proteção foi exagerada. Assim como a interferência nos treinamentos, na concentração, em tudo que Jean Chera fazia. Celso teria medo dos empresários, da perseguição de treinadores, da inveja dos companheiros de time. Teria convencido o filho que ele era os times de base santistas deveriam jogar por ele. Tê-lo como grande e única referência.
Na Vila Belmiro se percebeu que Jean não se dedicava aos treinamentos como os companheiros. Não cuidava da alimentação. Perdeu o foco pensando no Real Madrid, no Barcelona, no Manchester United. O assédio da imprensa foi determinante na sua postura ilusória.
A transição na base não é fácil. Garotos se desenvolvem rapidamente. Crescem, ganham força muscular. Jean Chera foi ficando para trás. Tinha talento, mas não explosão muscular, velocidade. Ainda junior despencou, a ponto de não ser nem titular do time. Justo na hora de assinar seu primeiro contrato profissional. Nas discussões com os dirigentes santistas, o pai deixava claro que tudo seria uma armação para fazer com que o filho firmasse compromisso por salário baixo.
Não era. Os dirigentes santistas tinham informações garantindo que o garoto se deixou levar pela fama precoce. E não merecia mais uma aposta tão alta. Tornaram públicos os números. R$ 75 mil no primeiro ano. R$ 100 mil no segundo. E R$ 130 mil no terceiro. E mais R$ 1 milhão de luvas. Outra situação pesou contra Chera. Marcelo Teixeira, que o protegia, não era mais o presidente. Luís Álvaro não teve paciência com ele e, principalmente, com Celso Chera. E desistiu do atleta.
"Quem tem a boca grande, não come nada. Não vamos fazer loucuras. E nem ficar refém de ninguém. Não tenho a mínima certeza que ele vai mesmo virar um grande jogador. Pode ir embora. O que seu pai pediu, não pago."
E Celso pegou o filho pela mão e foi embora da Vila Belmiro. Para quem sonhava com o Barcelona, Real Madrid, Bayern, Milan...O destino era muito mais modesto. O Genoa da Itália. Mas logo nos primeiros treinamentos, decepcionou. E não foi contratado.
Daí, uma vida de nômade. Indo tentar a sorte em clubes cada vez piores. Passou e foi dispensado por Flamengo, Atlético Parananense, Cruzeiro, Oeste de Itápolis, Universitatea Craiova (Segunda Divisão da Romênia), Paniliakos (Terceira Divisão da Grécia), Buelna (clube que disputa torneios regionais da Espanha).
Voltou ao Brasil e passou pelo Cuiabá, time da Terceira Divisão do futebol brasileiro.
Também não se firmou.
Modesto Roma tentou um enredo de filme. Ofereceu uma nova chance no Santos. Com salários de R$ 900,00 mensais. Lento, sem conseguiu mostrar a habilidade de menino, outra vez decepcionava. Teve uma contusão. Torceu o tornozelo esquerdo. Ele inchou. Precisava fazer tratamento médico para voltar a jogar. Só que se cansou. Pegou suas coisas. Virou as costas para o contrato.
Foi para o Mato Grosso, onde nasceu.
Teve um filho com a namorada.
Ensaiou o final de carreira.
Mas decidiu voltar.
Está no Sinop time da Série D.
Quarta divisão do Brasil.
O time enfrentará hoje o Fluminense da Copa do Brasil.
Mas ninguém sabe se Jean Chera irá jogar.
Ele é um mero reserva.
No time de Marcos Birigui.
O treinador não ouvirá as cobranças, os palavrões de Celso Chera.
Pai e filho brigaram, se afastaram.
A relação virou rancor com o fracasso na carreira.
Esta é uma história triste, pesada, verdadeira.
Enquanto Neymar brilha na Seleção, no Barcelona.
Gabriel está milionário na Inter de Milão.
Ele encara a modesta reserva do Sinop.
Visivelmente gordo, fora de forma.
O olhar deprimido revela a frustração, a tristeza.
Tem o espírito de um velho.
Aos 21 anos.
Que essa carreira sirva de exemplo.
Não só no futebol.
Há talentos precoces em todas as áreas.
O amor, o apoio paterno são fundamentais.
Mas o exagero sufoca, estraga.
Ilude.
E traz consequências para o resto da vida...