Pressionada pelos EUA, Rússia diz que militares ficarão na Venezuela 'o tempo que for necessário'
CARACAS — O governo russo rejeitou nesta quinta-feira o chamado do presidente americano, Donald Trump, para retirar seus militares da Venezuela. O Kremlin destacou que as ações do país no território do aliado sul-americano seguem a lei e contam com o aval de Nicolás Maduro, considerado por Moscou o legítimo governante venezuelano, informou a agência de notícias russa RIA. A porta-voz da Chancelaria russa frisou que seus oficiais permanecerão na Venezuela "o tempo que for necessário".
Na véspera, Trump apelou à Rússia que retirasse suas tropas da Venezuela e reiterou que "todas a opções" de ação estão sobre a mesa para que isso aconteça. Um diplomata venezuelano em Moscou, citado pela agência Interfax, ressaltou que a presença de militares russos na Venezuela, denunciada pelos EUA, não tem fins operacionais.
— Insisto no fato de que se trata apenas de cooperação militar e técnica. A presença militar russa não está, em nenhum caso, vinculada a possíveis operações militares — declarou o adido de defesa da embaixada da Venezuela na Rússia, José Rafael Torrealba Pérez.
Dois aviões cargueiros da Força Aérea da Rússia aterrissaram no principal aeroporto da Venezuela, perto de Caracas, no último sábado, com cerca de cem soldados russos e 35 toneladas de materiais, conforme relatos da imprensa local. A movimentação russa acirrou a tensão entre russos e americanos. A porta-voz do Ministériode Relações Exteriores russo frisou nesta quinta-feira que Moscou enviou um time de especialistas para a Venezuela para discutir cooperação militar, a pedido do governo de Caracas.
— Eles estão trabalhando na implementação dos acordos assinados no campo da cooperação técnica e militar. Quanto tempo levará? Enquanto for necessário para o governo venezuelano — declarou aos jornalistas a porta-voz da diplomacia russa, Maria Zakharova.
A porta-voz rebateu as denúncias do governo americano e voltou a acusar Washington de interferir nos assuntos internos da Venezuela.
— A Rússia não está mudando a balança de poder na região. A Rússia não está ameaçando ninguém, ao contrário de cidadãos de Washington — disse.
A porta-voz classificou as críticas de autoridades americanas esta semana como "tentativa arrogante de ditar para Estados soberanos como têm de se relacionar entre eles".
— Nem Rússia nem Venezuela são províncias dos Estados Unidos — insistiu.
Nesta quarta-feira
, Trump se reuniu com Fabiana Rosales, mulher do líder da oposição venezuelana, Juan Guaidó , reconhecido por 50 países, incluindo os EUA, como presidente interino do país sul-americano. O chefe da Casa Branca recebeu a venezuelana em Washington como "primeira-dama" da Venezuela, e pressionou contra o apoio de Moscou a Maduro.
— A Rússia tem que sair (da Venezuela) — afirmou Trump a repórteres. Questionado como isso poderia ser realizado, foi ambíguo: — Vamos ver. Todas as opções estão abertas.
O porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, explicou a jornalistas que os especialistas russos viajaram à Venezuela para tratar de contratos pré-existentes, sem interferir em assuntos internos, e que o governo russo esperava que os outros países também deixassem os venezuelanos decidirem seu próprio destino.
— Não acreditamos que terceiros países devam se preocupar com nossas relações bilaterais — apontou o porta-voz, segundo o qual a Rússia "não está interferindo, em absoluto, nos assuntos internos" do aliado.
Rússia e China são os maiores aliados internacionais de Maduro e, para vários observadores internacionais, devem ser incluídos em negociações entre o governo e a oposição. Caracas deve bilhões aos dois países, que também têm interesses geopolíticos na permanência de Maduro. A ida dos aviões russos para Caracas foi entendida como uma demonstração internacional de apoio de Moscou ao atual regime.
Na terça-feira, o Ministério das Relações Exteriores da Rússia já havia garantido que a presença de "especialistas russos" na Venezuela é
regida por um acordo de cooperação técnico-militar entre os dois países e "perfeitamente legal". Nesta quinta-feira, a União Europeia advertiu contra qualquer ação que "agrave" a situação da Venezuela, considerada pelo bloco já "muito polarizada e tensa".
— Todas as ações e gestos que agravem mais as tensões só criarão mais obstáculos para uma solução pacífica, democrática e propriamente venezuelana a esta crise — destacou o porta-voz da Comissão Europeia, Carlos Martín.
A parceria no âmbito militar entre Rússia e Venezuela é conhecida há anos, desde que, ainda com Hugo Chávez no poder (1999-2012), os russos passaram a ser um dos principais fornecedores de armas e equipamentos da Força Armada Nacional Bolivariana (Fanb). A chegada dos aviões, ainda assim, chamou atenção.
Especialistas esboçaram duas hipóteses centrais para a viagem dos russos: o governo de Nicolás Maduro prepara-se para uma eventual intervenção militar estrangeira, ou trata-se de um grande jogo de cena para transmitir a sensação de que tem a força suficiente para enfrentar um ataque externo e, principalmente, de que um de seus principais aliados, mesmo sob forte pressão dos Estados Unidos, continua firme do seu lado.