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Music Girls, Eromanga Sensei e a propaganda ideológica em animê
É hora de pisar no pantanoso território das questões ideológicas, sexuais e políticas na cultura pop japonesa.
Music Girls: Uma série que, de maneira
aparentemente inocente, cumpre um papel
de abrir caminho para a Ideologia de Gênero.
O Japão tem na indústria da animação um importante produto de exportação e sua estética própria já conquistou fãs por todo o planeta. Mas a
Terra do Sol Nascente é um país com uma cultura que se desenvolveu originalmente sem contato com a moral e os valores judaico-cristãos que moldaram a civilização ocidental. Por isso, ainda que possua seus próprios e rígidos códigos de conduta social, é natural que diferenças culturais sejam percebidas quando se tem contato com obras de entretenimento criadas para o público japonês.
A violência das produções orientais sempre incomodou educadores ocidentais e muito já estudou sobre isso. Há, inclusive, um célebre livro chamado
Brincando de Matar Monstros (
Editora Conrad, 2004), que aponta o efeito catártico do consumo de entretenimento violento, o que serviria para amenizar e manter sob controle impulsos violentos ao invés de incentivar sua prática.
Ainda assim, é comum que produções japonesas sofram algum tipo de censura ou alteração quando são distribuídas no ocidente. Isso não ocorre apenas com relação a imagens violentas. Acontece também com cenas maliciosas ou picantes, bastante comuns em animações para adolescentes.
Vale aqui lembrar que, culturalmente, a nudez nunca teve no Japão o mesmo peso que tem no ocidente. Só para exemplificar, já foram muito comuns por lá as casas de banho coletivo, onde famílias inteiras se banhavam em espaços públicos. E em certas comunidades litorâneas, existiam as mergulhadoras chamadas de
ama, que até a metade do século passado, trabalhavam seminuas, cobrindo apenas a parte de baixo de seus corpos. As questões aqui apresentadas não têm relação com pudor ou puritanismo, mas vão um pouco mais fundo em questões de sexualidade.
Ilustração em ukiyo-ê representando uma casa de banho, datada de 1868.
Voltando ao mundo dos animês, muitos dos problemas de cortes e críticas de educadores contra obras japonesas surgiram devido ao desconhecimento de que muitas produções são voltadas ao público juvenil e adulto, e não apenas ao infantil. Isso vale tanto para violência quanto, principalmente, para situações maliciosas e eventuais cenas de nudez em animês. Sem ter que recorrer a uma censura, não é nada que uma classificação indicativa consciente não possa resolver.
Com o advento do
streaming legendado oficialmente, as classificações indicativas foram deixadas de lado por alguns serviços (como no popular
Crunchyroll, por exemplo) e é possível consumir produções japonesas não só com pouca defasagem em relação à sua exibição original, como também ver em sua totalidade, sem cortes e restrições.
E isso tem acontecido em um período em que questões políticas delicadas têm sido introduzidas em várias produções, como militância de
gênero.
Na série
Music Girls (2018), veiculada no portal
Crunchyroll, que explora de forma romanceada e bem-humorada os bastidores do universo das estrelas
idol, o blogueiro
Patrick Raymundo (
Outros Papos) apontou fragmentos de discurso da
Ideologia de Gênero, a controversa teoria que diferencia gênero sexual do sexo biológico. Seus militantes tentam vincular as definições de masculino e feminino como imposições sociais passíveis de modificação por decisões individuais e autoimagem. O grande problema apontado por muitos é esse discurso ser introduzido a crianças e adolescentes.
No episódio 6, duas das integrantes das
Music Girls conhecem
Natsuki-sensei (
Mestre Natsuki), o sisudo compositor de sucessos com quem estavam trabalhando através da gravadora. Ele diz que consegue escrever músicas para meninas cantarem porque dentro dele "vive uma garota de 17 anos".
Music Girls: Uma pitada de Ideologia de Gênero,
introduzindo o tema para uma audiência jovem.
Claro que ele falava metaforicamente, mas ao invés de mencionar empatia, pesquisa e criatividade, ele usou um discurso bem alinhado à Ideologia de Gênero. A tradução até usou o termo "
lacrei" numa frase, o que até soou engraçado ao combinar com a imagem bizarra que as meninas imaginaram, com o velho vestido de garota colegial. Em crise criativa, o velho compositor se reconecta com o sentimento feminino ao dançar junto com uma das meninas. Nada se fala sobre mudança de gênero ou coisas assim, apenas lida com o sentimento de vivenciar outro gênero em sua imaginação. Pode soar exagero ver alguma intenção oculta, mas vale ressaltar alguns pontos.
A história é bem conduzida, inclusive no sentido de defender uma linha de pensamento sem usar de agressividade. As questões de gênero e visibilidade
LGBTQ (perdoem-me, não consigo acompanhar as mudanças dessas siglas cada vez mais herméticas) estão muito em pauta atualmente no Japão e essa série parece interessada em dialogar com essa militância e atrair simpatia para uma causa. No ocidente, séries como
Steven Universe se alinham perfeitamente na linguagem politicamente correta da Ideologia de Gênero. Mesmo que timidamente, o Japão pode começar a seguir essa trilha perigosa.
A questão da
disforia de gênero - na qual a pessoa não se identifica com seu sexo biológico - acaba sendo vista por muitos como se fosse algo normal, com as meninas associando suas atitudes e as de suas amigas com outros gêneros e idades. E essa condição psicológica não é nem normal e nem brincadeira, no que concordam psicólogos e médicos das mais variadas vertentes. A disforia de gênero, abordada de forma inocente em Music Girls, é um problema psicológico sério, não muito comum e nem algo que seja livre de tratamento psiquiátrico, pois causa transtornos emocionais e demanda um longo processo de autoconhecimento. E sabe-se que, geralmente, desaparece com a aceitação do sexo biológico na puberdade, sem a necessidade de caros e arriscados tratamentos hormonais.
Faço aqui a ressalva de saber que a maioria das produções citadas é voltada ao público juvenil, apesar de muitas crianças assistirem. E a Ideologia de Gênero é apontada por inúmeros médicos e psicólogos como algo agressivo à formação de uma criança ou adolescente saudável, alimentando e incentivando dúvidas sobre sua identidade em uma fase altamente influenciável da vida. E além disso, acaba despertando a sexualidade em idade cada vez mais tenra, quando a criança deveria estar mais preocupada em brincar e estudar, não em saber que há muitas formas de fazer sexo.
E é a infância que tem sido muito visada por setores da mídia no sentido de incentivar sua erotização precoce. Muito se fala sobre o
funk carioca, mas até inocentes animações podem trabalhar pela erotização da infância e adolescência.
Eromanga Sensei: Uma protagonista de 12 anos
que é tímida e hábil em desenhar cenas eróticas.
Em tempos recentes, há o caso do animê
Eromangá Sensei (2017), também do
Crunchyroll. Nele, o personagem
Masamune Izumi é um jovem escritor de livros eróticos e que tem uma parceria inusitada. Seus livros são ilustrados por um desenhista misterioso que trabalha via internet, que ninguém sabe quem é na verdade. Acontece que o tal
Eromanga Sensei (ou "
Mestre do mangá erótico") é na verdade sua irmã de criação
Sagiri Izumi, que após a morte de sua mãe, ficou reclusa em seu quarto. Eles vivem sob o mesmo teto, sem adultos por perto e possuem como elo de ligação um trabalho que envolve interesse pelo sexo. Ele, através da literatura e ela, pelos desenhos.
Sagiri é linda, meiga e tímida, não se deixando ver e vivendo reclusa da sociedade em seu quarto, numa típica situação chamada no Japão de
hikikomori. Isolada do mundo, mas vivendo sob o mesmo teto de Masamune, Izumi cria suas fantasias eróticas, algumas vezes olhando o próprio corpo no espelho para inspirar posições. E Masamune tenta lidar com emoções conflitantes enquanto tenta se reaproximar de sua única ligação familiar vivendo sob o mesmo teto. Eles não são irmãos de fato, mas o detalhe fundamental é que Sagiri tem apenas
doze anos.
Eromanga Sensei:
Desenho fofinho para
uma história cheia
de nuances sexuais.
Ela se tornou um ícone de fofura entre os fãs, mesmo flertando com o gênero
lolita complex, os mangás pornográficos com crianças protagonizando cenas de sexo. Claro que em Eromanga Sensei ninguém chega às vias de fato, mas o fetiche é bastante óbvio e explorado até os limites. Com isso, temos uma série em que o
fan service se baseia em devaneios sexuais com uma pré-adolescente de expressões pueris e infantilizadas.
Para quem acompanha discussões políticas sobre o papel da mídia, sabe que há um movimento global para atenuar a visão negativa sobre a pedofilia e sexualizar crianças, estimulando e permitindo uma vida sexual cada vez mais precoce. Por mais que se argumente que é apenas um desenho, é a criação de situações que estimula o imaginário. E a militância progressista que luta pelos "direitos sexuais" de crianças e adolescentes sabe bem disso.
O Japão sempre foi muito liberal nesse aspecto, e erotismo com meninas menores de idade era veladamente permitido, não só em mangá e animê, mas até através de ensaios fotográficos. Conforme já relatado aqui, até 2015 o Japão permitia, sem muito alarde, a venda de livros e revistas com ensaios de nudez adolescente e pré-adolescente. Até hoje, jovens
idols de 12, 13 anos, posam em trajes de banho, com poses sensuais - mas sempre com carinha de inocente, afinal, "
a malícia está nos olhos de quem vê", podem dizer os hipócritas que faturam com isso. E nos mangás, animês e nas ilustrações de alguns livros de
light novels, o apelo é ainda maior e muito mais ousado.
O contato com o ocidente foi diminuindo isso, chegando ao mundo editorial. Restrições foram criadas, títulos adultos que exploravam esse filão lucrativo foram perseguidos, fechados e passou-se a discutir a erotização excessiva e cada vez mais precoce, seja em representações gráficas ou com modelos reais. Ainda assim, a erotização de situações envolvendo personagens adolescentes ou pré-adolescentes em obras
mainstream tem cada vez mais exemplos em tempos recentes.
Koyume, da série Comic Girls: Uma personagem divertida que,
em um momento de dúvida, ganha um empurrãozinho de uma
professora para buscar romance nos braços de uma amiga.
Em
Comic Girls (2018), já resenhada neste blog, o telespectador acompanha a vida de quatro adolescentes que trilham o caminho tortuoso e sacrificado de se viver de produzir histórias em quadrinhos. E é uma série com passagens muito interessantes, abordando situações reais da produção para um mercado altamente competitivo. Uma das situações apresentadas é que uma das meninas, assim como em Eromanga Sensei, publica histórias eróticas de sucesso, mesmo tendo apenas 15 anos.
E durante o desenrolar da trama, duas das garotas começam e ter dúvidas sobre o que sentem uma pela outra. E surge uma professora delas que incentiva as duas meninas a suplantarem a amizade para tentarem viver um romance, discursando que isso é normal e fazendo torcida.
O tema do homossexualismo (quase sempre feminino) já era abordado em produções japonesas há bastante tempo, mas geralmente sem militância. Inclusive, é comum a cena em que uma menina tímida fica ruborizada na presença de uma garota mais decidida e falante, ou ainda, com atributos físicos mais destacados.
No clássico
Sailor Moon (1992), há um casal de heroínas lésbicas, as guerreiras
Sailor Urano e
Sailor Netuno. A série original, vista em partes na
TV Manchete, TV Record e
Cartoon Network, já mostrava esse casal aparecendo na terceira fase da saga, intitulada
Sailor Moon S (1994). [
Nota: Sempre que menciono Sailor Moon neste blog, estou me referindo à série clássica dos anos 1990, que é a que assisti e tenho como referência.]
As situações com elas são apresentadas de modo natural, sem alarde. As heroínas estão inseridas no contexto da história e em momento algum se faz discurso ideológico ou apologia à opção sexual delas. Todos se aceitam, respeitam e entendem, sem a chamada "lacração", que é o discurso ideológico recheado de frases de efeito para tentar encerrar uma discussão. Não se trata de discutir aqui o respeito às diferentes orientações, mas sim debater o uso da cultura pop como ferramenta de divulgação de ideias políticas.
Sailor Netuno e Sailor Urano: Discretas e apaixonadas.
Caso semelhante foi visto em
Izetta - A Última Bruxa (2016), onde as duas protagonistas vivem um romance que é construído ao longo da série. Tanto Sailor Moon quanto Izetta trazem casais homossexuais retratados em histórias sem militância, como algo que existe na sociedade. O que é bastante diferente de se levar isso para o campo da propaganda ideológica, apresentando conceitos controversos como se fossem conselhos ditos por personagens pretensamente sábios. Esse foi o ponto de Music Girls que despertou atenção.
Meus leitores mais atentos sabem que sou de posicionamento político conservador e isso é explicitado em meu blog
Reflexo Cultural. Evito trazer questões políticas para o
Sushi POP. Mas, lidando com cultura pop japonesa, pesquisando e escrevendo sobre isso há mais de um quarto de século, aprendi a colocar as situações dentro do contexto certo para não dar margem à acusações de preconceito. (Até porque tanto
Izetta quanto
Comic Girlsforam divulgadas e resenhadas neste blog, sem contar as muitas vezes em que
Sailor Moon apareceu por aqui.)
A cultura popular sofre influências das transformações sociais tanto quanto possui papel ativo na promoção de causas políticas e comportamentais. Novelas, filmes, desenhos, séries de TV, quadrinhos e livros contribuem com mudanças sociais na medida em que seus criadores possuam algum tipo de posicionamento político. E todos possuem algum, mesmo sem se darem conta.
Izetta: Romance em meio aos horrores da guerra.
A inserção de mensagens e discursos políticos tem a missão de alargar a percepção da sociedade na direção de ideologias defendidas por criadores de conteúdo. Negar isso é negar a própria natureza e força das narrativas de entretenimento. No caso, a normalização da pedofilia e a inserção de conceitos da Ideologia de Gênero se colocam no
front da chamada
guerra cultural. Nesse conceito, bastante estudado por filósofos e historiadores, partidários de esquerda investem para que suas mensagens promovam a desintegração das famílias, gerando indivíduos mais inseguros, sem laços familiares e dependentes do Estado. Lembrando que, na visão socialista, o Estado deve prover o bem-estar social, nivelando as pessoas sob sua tutela na medida em que controla liberdades individuais pesadamente. Falando por alto, esse é o grande problema da engenharia social proposta por filósofos esquerdistas. Os militantes, em sua maioria, apenas se comportam como massa de manobra, como é normal na política.
Não há nada de bonito ou edificante em cultivar o fetiche sexual por uma menina de 12 anos. Mesmo que seja "só um desenho", ela é representada com anatomia realista (exceto o rosto estilizadamente infantil típico de animê, claro) e a obra faz apologia a um comportamento que setores da mídia vêm tratando como apenas uma orientação sexual diferente.
Pode-se argumentar que isso teria um efeito catártico em pedófilos para evitar ações no mundo real (o que já se sabe ser incorreto), mas também pode estar estimulando a ideia e despertando a curiosidade em outros. E também é igualmente nefasto querer difundir pouco a pouco os conceitos da
Ideologia de Gênero, tão bem aceitos entre os adeptos do "politicamente correto", esse instrumento de controle social tão presente em nossas vidas que nem nos damos conta.
O portal Crunchyroll representou um avanço e uma conquista
na distribuição de animê pelo mundo, mas tem ignorado a
necessidade de classificações indicativas, que podem
prevenir dores de cabeça no futuro.
A finalidade desses discursos "progressistas" é hedionda e destrutiva. Quanto a isso, este blog e este autor possuem uma posição bastante clara, doa a quem doer. Tanto o fetiche por crianças e pré-adolescentes quanto a doutrinação dentro da teoria de gênero são agendas da esquerda, mesmo que não se assumam como tal.
Para quem não se interessa por discussões políticas, talvez tudo isso mostrado aqui soe como bobagem, mas é importante saber que esse tipo de debate existe entre formadores de opinião e pessoas que são mais esclarecidas, e não meros consumidores passivos e sem coragem de assumir posicionamentos.
Em momento algum defendo que qualquer das séries citadas aqui seja censurada. Sou a favor da liberdade de criação e expressão, tanto quanto sou a favor de classificações indicativas baseadas no senso comum, por mais que isso seja relativo. E também me dou o direito de discutir mais a fundo o que certas obras representam, bem como alertar para que as pessoas que pensam de forma semelhante não deem audiência para tais obras. E, dos casos citados, considero lamentável a instrumentalização da cultura pop para pregar ideologias destrutivas, em nome de uma engenharia social voltada à esquerda.
Aqui, vale lembrar que os exemplos citados são poucos em relação à gigantesca produção da indústria cultural japonesa e que há muitos outros exemplos de títulos com abordagens fora na normatividade heterossexual, feitas sem militância. A ideia aqui foi levantar pontos de modo mais atual e pontual, deixando de lado a evolução histórica dessas questões.
Da mesma forma que atitudes que visam denegrir algum grupo social em obras de cultura pop são alvo de análises, críticas e discussões, acho honesto e produtivo debater as influências de posições políticas e ideológicas na criação de conteúdo.
Discutir coisas assim de vez em quando é interessante, nem que seja para expôr que obras aparentemente despretensiosas e feitas para divertir podem trazer embutidas mensagens políticas condenáveis ou, pelo menos, merecedoras de um olhar crítico e analítico.
Para saber mais:
- Algumas palavrinhas sobre Ideologia de Gênero
- Ideologia de Gênero e o silêncio dos omissos
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MBL (Movimento Brasil Livre)Kim Kataguiri falam suas opiniões sobre a Ideologia de Gênero, com as quais concordo. São vídeos curtinhos, tire um tempo pra ver.