Ivo Maropo
Bam-bam-bam
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Se tem uma coisa que costumamos logo assumir como um simples fato autoevidente, é que a atitude de ser cético, de duvidar, é intrinsecamente superior em termos intelectuais àquela da crença pura. Afinal de contas, ela pressupõe uma razão esclarecida e questionadora da realidade. Quem duvida, pensa; é um "esclarecido", um indivíduo autônomo, livre e racional, certo? Bem, não necessariamente. A descrença também pode funcionar como a (pior forma de) crença, pois, como nos diz o bom e velho ditado popular, "o pior cego é aquele que não quer ver". Há casos em que a pretensa racionalidade autônoma, livre e independente do cético é apenas uma máscara confortável para a sua convicção cega, funcionando assim como o seu inconfessável cúmplice interno, o seu álibi implícito, seu "viés de confirmação". Exemplo? A questão da pandemia e tudo a ela associado.
Um entendimento comum no Brasil de hoje é de que as medidas de isolamento (em especial aquela mais severa, o lockdown) são uma "estupidez sem tamanho"; quiçá um "genocídio indireto" (por nos conduzir à crise econômica e às doenças mentais decorrentes do isolamento prolongado); algo que simplesmente não funciona, onde o remédio é ainda pior e mais amargo do que a doença que ele pretende tratar, etc. Mas uma coisa logo chama a atenção: então por que diabos este entendimento silenciosamente faz tão pouco caso (e de forma tão apressada) dos especialistas e de toda a ciência aí envolvida?
Então quer dizer que países inteiros (e de primeiro mundo) fecharam, ainda que parcialmente, as suas economias e limitaram a sua vida social somente por que não fizeram as perguntas mais óbvias e básicas possíveis? Aquelas que logo nos saltam aos olhos e ocorreriam ao mais leigo dos questionadores? E se este orgulhoso, cínico, apressado e agressivo ceticismo na verdade fosse apenas uma máscara para uma crença ainda mais arraigada (só que na própria descrença em si)?
Tão logo esta pergunta é suscitada (como pode países inteiros - e de primeiro mundo - estarem tão redondamente equivocados e completos leigos brasileiros tão corretos?), um estágio ilícito de argumentação logo entra em cena e toma conta: "não! Não é porque eles não sabem o que estão fazendo, mas sim porque eles sabem demais! Vez que é somente um jogo de cena público para um pervertido acordo genocida de dominação global da China!", e é precisamente aqui, neste momento, que a atitude cínica e "esclarecida" dos "céticos" nos revela toda a sua face ingênua, atolada até o seu pescoço em convicções as mais irracionais, paranoicas e perversas, sendo o perfeito "cego que não quer ver".
O argumento de que a mortalidade da Covid é baixa e específica, se concentrando apenas entre os mais idosos e portadores de comorbidade, não justificando assim medidas mais severas de isolamento social, também é repleto de pressuposições alarmantes e apressadas. Enquanto a mortalidade da gripe comum gira ao redor de 0,1%, a da Covid gira em torno de 3%. Sim, tendo isto como base, são 30 vezes mais mortes em termos proporcionais (para visualizar melhor o que isto quer dizer em termos efetivos, apenas imagine uma sala com somente uma pessoa, e depois com 30).
A própria alegação de que "somente os mais idosos e de saúde mais vulnerável são os mais atingidos", como um desqualificador das medidas de isolamento, parece não atentar para a sua própria crueldade, endossando implicitamente (e com chocante naturalidade) uma lógica que abertamente flerta com a eugenia nazista, em que os fracos são "por direito" eliminados da sociedade (com o agravante extra de que são as avós e avôs de "cidadãos de bem", isto é, de "cristãos unidos em nome da família").
Bolsonaro recentemente disse que "o melhor remédio para a Covid era se contaminar". Seu desdém completo para com a pandemia sempre foi escancarado, repleto do escracho cínico e indiferente com a dor alheia que lhe é peculiar. Ele é um orgulhoso adepto da "imunização de rebanho" - sim, daquela mesmo, onde os especialistas calculam um índice de 75% de contaminação geral para que se pare "de vez" com a circulação do vírus. Em cálculos brutos, 75% dos cerca de 210 milhões de habitantes brasileiros daria mais de 150 milhões de pessoas. Aplicando sobre este montante um índice de aproximadamente 3% de mortalidade da Covid-19, já teríamos aí 4 milhões e meio de mortes, números que rivalizam com os de guerra (neste caso, de um genocídio premeditado).
O Brasil obviamente deveria ter sido muito mais agressivo e eficiente na sua contenção do vírus, com o governo fazendo uso das suas reservas econômicas para fornecer um auxílio emergencial para os mais necessitados até quando fosse possível, bem como um presidente sinceramente comprometido com medidas de isolamento, e em trazer, o mais rápido possível, a maior quantidade da mais eficaz vacina disponível. Não fizemos nada disso e, à semelhança dos Estados Unidos de Donald Trump, não à toa os maiores atingidos pela pandemia na sua mortalidade, padecemos com a mais completa irresponsabilidade alheia. Se existe um momento na nossa história onde nós mais necessitamos da prova de que "Deus é brasileiro", é agora, pois somente um milagre (ou a nossa articulada ação política) poderá nos salvar.
Um entendimento comum no Brasil de hoje é de que as medidas de isolamento (em especial aquela mais severa, o lockdown) são uma "estupidez sem tamanho"; quiçá um "genocídio indireto" (por nos conduzir à crise econômica e às doenças mentais decorrentes do isolamento prolongado); algo que simplesmente não funciona, onde o remédio é ainda pior e mais amargo do que a doença que ele pretende tratar, etc. Mas uma coisa logo chama a atenção: então por que diabos este entendimento silenciosamente faz tão pouco caso (e de forma tão apressada) dos especialistas e de toda a ciência aí envolvida?
Então quer dizer que países inteiros (e de primeiro mundo) fecharam, ainda que parcialmente, as suas economias e limitaram a sua vida social somente por que não fizeram as perguntas mais óbvias e básicas possíveis? Aquelas que logo nos saltam aos olhos e ocorreriam ao mais leigo dos questionadores? E se este orgulhoso, cínico, apressado e agressivo ceticismo na verdade fosse apenas uma máscara para uma crença ainda mais arraigada (só que na própria descrença em si)?
Tão logo esta pergunta é suscitada (como pode países inteiros - e de primeiro mundo - estarem tão redondamente equivocados e completos leigos brasileiros tão corretos?), um estágio ilícito de argumentação logo entra em cena e toma conta: "não! Não é porque eles não sabem o que estão fazendo, mas sim porque eles sabem demais! Vez que é somente um jogo de cena público para um pervertido acordo genocida de dominação global da China!", e é precisamente aqui, neste momento, que a atitude cínica e "esclarecida" dos "céticos" nos revela toda a sua face ingênua, atolada até o seu pescoço em convicções as mais irracionais, paranoicas e perversas, sendo o perfeito "cego que não quer ver".
O argumento de que a mortalidade da Covid é baixa e específica, se concentrando apenas entre os mais idosos e portadores de comorbidade, não justificando assim medidas mais severas de isolamento social, também é repleto de pressuposições alarmantes e apressadas. Enquanto a mortalidade da gripe comum gira ao redor de 0,1%, a da Covid gira em torno de 3%. Sim, tendo isto como base, são 30 vezes mais mortes em termos proporcionais (para visualizar melhor o que isto quer dizer em termos efetivos, apenas imagine uma sala com somente uma pessoa, e depois com 30).
A própria alegação de que "somente os mais idosos e de saúde mais vulnerável são os mais atingidos", como um desqualificador das medidas de isolamento, parece não atentar para a sua própria crueldade, endossando implicitamente (e com chocante naturalidade) uma lógica que abertamente flerta com a eugenia nazista, em que os fracos são "por direito" eliminados da sociedade (com o agravante extra de que são as avós e avôs de "cidadãos de bem", isto é, de "cristãos unidos em nome da família").
Bolsonaro recentemente disse que "o melhor remédio para a Covid era se contaminar". Seu desdém completo para com a pandemia sempre foi escancarado, repleto do escracho cínico e indiferente com a dor alheia que lhe é peculiar. Ele é um orgulhoso adepto da "imunização de rebanho" - sim, daquela mesmo, onde os especialistas calculam um índice de 75% de contaminação geral para que se pare "de vez" com a circulação do vírus. Em cálculos brutos, 75% dos cerca de 210 milhões de habitantes brasileiros daria mais de 150 milhões de pessoas. Aplicando sobre este montante um índice de aproximadamente 3% de mortalidade da Covid-19, já teríamos aí 4 milhões e meio de mortes, números que rivalizam com os de guerra (neste caso, de um genocídio premeditado).
O Brasil obviamente deveria ter sido muito mais agressivo e eficiente na sua contenção do vírus, com o governo fazendo uso das suas reservas econômicas para fornecer um auxílio emergencial para os mais necessitados até quando fosse possível, bem como um presidente sinceramente comprometido com medidas de isolamento, e em trazer, o mais rápido possível, a maior quantidade da mais eficaz vacina disponível. Não fizemos nada disso e, à semelhança dos Estados Unidos de Donald Trump, não à toa os maiores atingidos pela pandemia na sua mortalidade, padecemos com a mais completa irresponsabilidade alheia. Se existe um momento na nossa história onde nós mais necessitamos da prova de que "Deus é brasileiro", é agora, pois somente um milagre (ou a nossa articulada ação política) poderá nos salvar.