Sobre essa briga entre Sega do Japão e Sega dos EUA pelo que pesquisei encontrei muitas informações contraditórias. A depender das fontes surgem informações divergentes.
Sobre o caso 32x, algumas fontes falam que a Sega do Japão forçou a Sega dos EUA a fazê-lo, outras que apenas sugeriu, e outra que tudo veio dos EUA mesmo, sem qualquer sugestão da Sega. E pelo que me parece, a Sega dos EUA tinha ciência da existência do Saturn, pela época que foi lançado o 32x não tinha mesmo como não saber. Internet não era o que é hoje naquela época, mas as pessoas não estavam assim tão isoladas. Se você vive no meio dos games, então você tem contato com uma série de pessoas que trabalham no ramo, os burburinhos acontecem com frequência.
Na minha opinião o livro Guerra dos Consoles tem um grave problema. É uma biografia disfarçada de análise de conjuntura, ou até mais do que isso, uma tese mesmo, uma sentença fundamentada. Essa biografia quer ser isso, mas sem que seja realizado para isso uma reconstrução histórica rigorosa, pormenorizada e que esteja preocupada em levantar pontos de vistas diversos. Ao contrário, é a visão pessoal de uma pessoa marcada por êxitos e fracassos empresariais, que desenvolveu amizades e inimizades, que encontrou heróis e vilões nessa história, os quais ele aponta para dizer porque as coisas deram certo e porque deram errado. Há uma relação afetiva muito forte aí, de que alguém que se sentiu menosprezado e viu a chance, quando entrevistado para a feitura de um livro, de colocar para a fora a sua visão das coisas, e de dizer, que se ele fosse mais ouvido, que se tivessem dado maiores chances a ele, as coisas teriam dado mais certo do que deram errado. Não é má fé, é apenas uma pessoa humana com uma certa vontade de desabafar e botar para fora certos ressentimentos.
Problema é levarmos tão a sério isso. A imagem que fazem da Sega do Japão é típica de um vilão hollywoodiano. Nas páginas finais de "A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo" Max Weber escreveu que estava interessado tão somente em esclarecer um entre tantos motivos que contribuíram para a formação do capitalismo moderno e que sua obra não tinha a pretensão de ser a tese definitiva a qual substituiria todas as outras a respeito da questão. Chamar uma obra biográfica (de um executivo que trabalhou por alguns anos em uma empresa grande de videogames) de A Guerra dos Consoles não é ousado, é delirante mesmo, coisa de um editor maluco interessado em vendas que sabia que só o nome do Tom Kalinske não iria resultar em vendas. Mas o título da obra dá um sentido a mais à mesma, fazendo ela parecer muito mais do que efetivamente ela é. O problema de ler uma obra como essa é que vemos os japoneses apenas em terceira pessoa, assim suas falas e suas ações sempre aparecem mediadas pelo ponto de vista de um terceiro.
Uma coisa muito importante precisa ser dita, sem a Sega do Japão a Sega dos EUA sequer existiria. O 32x foi como uma espécie de tentativa do lado americano de dizer aos japoneses que eles eram capazes sim de não somente dirigir o negócio quando já estava engatinhado, com os rumos já definidos, precisando apenas de alguém que tocasse a banda. Os americanos queriam mostrar que eram capazes de compor a sinfonia, de criar o hardware e de fazer sucesso com ele. Controlar todos os processos, do início ao fim. A arrogância e a húbris não veio do lado de lá do planeta, mas deste mesmo.
Sintomático disso é quando os americanos reclamam que os japoneses queriam lançar o Saturn sem um Sonic. Ora, por que os americanos não fizeram um Sonic então? Recebiam tudo de mão beijada e ainda reclamavam. Mas é típico de quem quer ficar com todos os louros mesmo que não tenha participado tão ativamente para isso. Pois queriam mostrar que tinham essa visão, de que um videogame não é lançado sem um system seller, sem um mascote, de que tinham essa visão empresarial mais apurada e que eram capazes de antever que as coisas dariam errado no negócio gerido àquela maneira.
Isso trás um outro problema, que é o mais sério de todos, mencionado no vídeo que eu coloquei no OP (Original Post). A Sega dos EUA só via o mercado de videogames enquanto um negócio. Era preciso reutilizar as franquias consagradas como cash grabs. Então não importa muito as ideias de game design que estão sendo levantadas pela Sega do Japão, a maneira como ela passa a entender os games da metade da década em diante, conceitos novos de gameplay que só poderiam serem aplicados em franquias novas. "Me dá aquela maneira fácil de ganhar dinheiro!" era o que os americanos gritavam para os japoneses.
Eu acho que a Sega enfrentou muitas dificuldades com o Saturn, ela tardou a entender uma série de coisas (por exemplo, como games voltados para consumidores caseiros deveriam ser e como games 3d devem ser feitos, o que resultou em uma série de atrasos e cancelamento do Sonic Extreme). Mas ela estava ao menos tentando. Enquanto que nos EUA os executivos da Sega apenas ficavam esperando e esperneando "vocês deviam fazer isso, fazer aquilo". E aí eu entendo porque os japoneses realmente não davam bola para que os americanos estavam falando. Falavam demais, faziam de menos. Falar é bom pra fazer publicidade, mas não se faz publicidade sobre o nada. Quando a fonte para a boa publicidade secou os americanos começaram a uivar.
Tom Kalinske não voltou a trabalhar no mercado de games depois da Sega. E acho que é esse fato, dele não ter sido mais aceito em nenhuma empresa, que o fez descarregar todos os seus desabados em sua biografia. Ele se sente como uma espécie de gênio incompreendido, sem de fato ter sido um gênio. É ele que deveria se compreender melhor, ter apreendido com seus erros e ter reconhecido os acertos de outros.
Ps: Em um filme como Joy, assim como em vários outros filmes americanos, nós vemos essa auto imagem que os americanos fazem de si mesmos, como os mestres da administração. Nele há um personagem que diz ser o cara responsável pelos produtos que vão fazer sucesso nos EUA. Como se ele tivesse uma capacidade de ver e de enxergar o que outras pessoas não são capazes de ver, sendo assim capaz de antever se um produto irá ou não fazer sucesso, se tal produto foi concebido levando em conta todos os cuidados que devem ser levados para que seja o mais atrativo possível para os consumidores. Outro personagem no filme cuida da publicidade, este aparece como um mágico capaz de realizar uma comunicação que demonstrará de maneira infalível o porque devemos comprar os produtos que ele publiciza. Esse filme é recente, bem depois dos acontecimentos da Sega, mas é demonstrativo da maneira como os americanos olham a si mesmos, como que se nós fossemos dependentes deles, sem eles nossas criações não encontram os seus consumidores.