Já ouvi alguns falar sobre essa ideia de que a Champions é o torneio de futebol com o maior nível técnico, mais do que a Copa do Mundo. De modo que, exatamente por isso, os jogadores vencedores do referido torneio de clubes já foram testados ao máximo, EXIGIDOS FUTEBOLISTICAMENTE mais do que qualquer vencedor de Copa do Mundo.
Eu discordo frontalmente desse raciocínio.
O que é o maior nível técnico? O maior nível é o futebol mais vistoso e bem jogado? É o futebol com maior obediência tática e com os melhores técnicos? Ou é aquele em que exige mais do jogador, tanto a nível técnico, como emocional?
Eu creio que a pergunta certa é: onde o jogador sofre mais exigência técnica e mental para construir seus números e exibir seus dotes futebolísticos?
1. Tecnicamente.
Atualmente, os grandes clubes da Europa possuem elencos de titulares mais poderosos do que as seleções, diferentemente de outrora. Ocorre que esses clubes são reduzidos a um grupo de apenas OITO TIMES, via de regra. São os oito clubes mais ricos do mundo, com os elencos mais caros do mundo e, por consequência, sempre estão com lugares cativos nas finais da UCL. São oito clubes que monopolizam o mercado de jogadores e, por isso, detém os maiores jogadores da atualidade. Estão cada vez mais fortes e dominantes em suas ligas caseiras e favoritos a Champions, e seus adversários cada vez mais fracos e figurando a presença apenas.
São raríssimas, nos dias de hoje, as exceções que fogem deste seleto grupo, como o Ajax da temporada passada. Real Madrid, Barcelona, Juventus, Bayern, Atlético, City, PSG e Liverpool são já há algum tempo os times que sempre chegam às finais. O cenário da Champions é esse hoje em dia: a disputa está, basicamente, entre esses oito times, a partir das quartas de finais.
Portanto, para construir os seus números individuais CR7 e Messi estão sendo auxiliados por dez jogadores que figuram como titulares nas seleções de seus países. Ou seja, são craques que jogam auxiliados por outros grandes jogadores ou talvez por outros craques.
Por outro lado, a maioria esmagadora de clubes adversários deste grupo de oito é montada com jogadores de segundo, terceiro e quarto escalão, jogadores que sequer são convocados para as suas seleções.
Em suma, para ilustrar o que eu quero dizer. Suponhamos, se pudéssemos arrematar, que esses oito clubes teriam um overall de 90 a 95 pontos, no total de 100. Enquanto os seus adversários estariam gozando de um overall de 70 para 75. Seria como na Fórmula 1: O trio de ferro Mercedes, Ferrari e Red Bull sempre disputam o título, enquanto as demais construtoras apenas fazem número no campeonato. Só servem de sparring para as melhores. O trio é o mais rico, tem os melhores engenheiros, as melhoras estruturas e ajudam os seus grandes pilotos a vencer seus títulos.
E essa discrepância técnica entre os times não existe na Copa do Mundo, ao menos dessa forma tão desnivelada. Hoje em dia, não existe mais uma seleção com um elenco tão poderoso como outrora, com três ou mais craques geralmente. Quando isso acontece, é algo raro. Hoje, as seleções são montadas com jogadores que vêm de todas as ligas do mundo, da MLS, da América Latina, da Europa, da África e da Ásia.
Os grandes jogadores das seleções, portanto, recebem uma carga de responsabilidade técnica muito maior do que nos seus clubes, porque acabam compondo um elenco com jogadores não tão condizentes ao nível que eles estão acostumados, no conforto de jogo, de seus clubes. E por isso, logicamente, acabam por ter muito mais dificuldade para exibir todo o seu potencial técnico e manter a sua regularidade de números nas seleções.
Por exemplo, o Messi tem números assustadores no Barcelona, jogando sempre com 10 companheiros dos melhores do seu tempo, ao passo que na seleção, apesar de ser o maior artilheiro, a sua média de gols é condizente a outros grandes craques do passado em suas seleções, como Zico, Platini e Baggio, pegando apenas jogadores semelhantes (não centroavantes). Isso porque ele, apesar de jogar com extra-classes, como Mascherano, Di Maria e Aguero, o resto do time era composto de medianos para ruins, de sorte que não consegue manter a mesma desenvoltura quando joga em um time com onze jogadores especiais.
Na Copa do Mundo, de fato, assim como na Champions, existem seleções tradicionais que sempre marcam seu lugar nas finais, como França, Alemanha, Brasil, Argentina, Holanda, Itália, Inglaterra, Espanha, enfim, porém, é inegável não reconhecer que o nível técnico destas seleções são incrivelmente parelhos entre si.
E até mesmo o segundo escalão de seleções, como Portugal, Croacia, Bélgica, Colombia, Chile, Uruguai e outras estão em um nível técnico muito próximo das seleções tradicionais, por acaso, até melhores. E as seleções do terceiro escalão, esporadicamente, aparecem com uma grande geração, como Bulgária, Suécia, Senegal, Dinamarca, Turquia, Romênia, Paraguai e Nigéria que causam uma tremenda dor de cabeça nas tradicionais.
A Copa do Mundo é a Fórmula Indy.
Ilustrando. Se os grandes times da Europa têm um overall de 90-95, via de regra, as seleções atuais têm um overall de 85-90, jogando, porém, não contra adversários de 70-75, mas de 80-85. Apesar das tradicionais seleções sejam favoritas, as Copas sempre apresentam surpresas e jogos muito equilibrados, diferentemente da Champions.
Nas Copas, as seleções não podem ter o mesmo nível técnico dos times, mas elas estão submetidas a um torneio muito mais difícil de ganhar, muito mais exigente de vencer, até porque é um torneio com um elenco de equipes muito mais equilibradas tecnicamente.
2. Emocionalmente.
E isso porque não levei em conta, até o momento, o fator emocional que influi sobremaneira no desempenho dos jogadores. Não precisa dizer que a inteligência emocional é um atributo preponderante para um esportista ter sucesso em momentos determinantes.
A Copa é o torneio mais importante, seguramente, para a maioria dos jogadores de países tradicionais no futebol. E não é só porque ela ocorre a cada quatro anos e o jogador, no máximo, só tem duas chances para jogá-la em seu mais alto nível (por razões de idade). Mas é porque a Copa tem toda aquela conjuntura de tradição, prestígio e mobilização popular, em todo o Planeta.
E toda essa carga valorativa é perfeitamente cotejada quando vemos a reação de um mero gol na fase de grupos para um gol feito nas finais da Champions pelo mesmo jogador. A reação do gol de Copa é muito mais efusiva, emotiva e verdadeira, uma vez que está ali, no interior do jogador, toda uma gama de valores nacionais, familiares, culturais e sonhos infantis, representando o seu povo, em um torneio mundial com outros povos. A pressão é muito maior, e o reconhecimento, pelo povo e pela imprensa, é muito superior a qualquer título da Champions.
Uma coisa é você jogar por um clube na condição de um empregado e assalariado, para o qual pode até ter um certo apreço, à medida do tempo, por razões de meras simpatias, mas que dificilmente isso supre a sua maior e egoica motivação, que é a construção de uma carreira vencedora e financeira, e que joga anual e repetidamente o mesmo torneio com outros clubes, montados com amigos, conhecidos e compatriotas; e outra coisa é bem diferente, quando você joga pelo seu país, a cada quatro anos, motivado por um sonho de infância, por todo um orgulho cultural, político e nacional, sob uma pressão tremenda de corresponder as expectativas de seu povo e familiares, até mesmo com a pretensão egoica de figurar como um ícone na história de seu país e povo, ganhando a Copa.
O CR7 mesmo, esses dias, disse que a maior felicidade de sua carreira foi o título da Euro. E nunca vi o estoico Messi chorar por perder uma Champions, como chorou copiosamente na Copa América de 2016.
A Champions pode até ter o futebol técnico mais bem jogado do que a Copa, porém, em termos de DIFICULDADE COLETIVA (para uma equipe), equipes mais equilibradas, e DIFICULDADE INDIVIDUAL (para um jogador), companheiros inferiores, a Copa do Mundo é muito mais, emocional e tecnicamente, mais exigente do que a Champions. Mais difícil de jogar, mais difícil de ganhar, na minha visão.
E sobre Messi na seleção, a minha teoria é que não tem nada a ver com a bola essencialmente. Ele é até muito bom na seleção frente às dificuldades que foram apontadas acima, emocionais e técnicas. Mas é óbvio que, em muitos jogos, ele é apático e taciturno.
Eu creio que a explicação está na cabeça mesmo. Ele é um jogador emocionalmente condicionado ao contexto Barcelona, não só por causa do estilo de jogo de que todos o reverenciam e jogam afunilando para si (até porque sempre os técnicos argentinos tentaram simular o seu jogo no Barcelona), mas, sobretudo, a fatores psicológicos, como se sentir confortável naquela atmosfera, à nível de comportamento de colegas e diretoria, conceitos e valores.
Tal como você, condicionado a um ambiente de trabalho por anos, é transferido e se sente desgostoso com a cultura dos novos colegas e daquela ambientação estranha. Você não se adapta. Há pessoas que tratam isso com tremenda indiferença e se adaptam; outros, emocionalmente mais suscetíveis, não. O Messi está vinculado ao ambiente ordeiro, educado e pacífico do Barcelona desde sempre, desde o fim de sua infância e início da adolescência. Ingressando na atmosfera cultural de uma seleção emotiva, exigente, bagunçada, crítica e outras coisas mais deve ser algo muito desconfortável.
É o que acho.