The Legend of Zelda: Majora’s Mask por conseguir tratar com tanta sensibilidade sobre a vida através da morte se tornou um daqueles jogos que classificamos como obras de arte.
É inimaginável que a Nintendo tenha desenvolvido uma sequência tão peculiar após ter lançado o Ocarina of Time que é considerado por muitos o melhor jogo de todos os tempos.
Podiam muito bem depois do enorme sucesso do primeiro título terem apostado numa continuação mais do mesmo agradando a todos, esse era até o desejo do Shigeru Miyamoto devido ao calendário apertado, tanto que paralelamente desenvolveram uma nova versão do Ocarina of Time com dungeons diferentes que depois ficou conhecida como Master Quest.
Eiji Aonuma, diretor de design das dungeons no Ocarina of Time, não gostou da ideia por achar que não havia nada a ser melhorado no jogo e expressou preferir fazer uma continuação. No final Miyamoto acatou a sua decisão com uma condição, o jogo deveria ser desenvolvido no prazo de um ano com uma equipe bem menor.
Assim, os desenvolvedores do Majora’s Mask tinham a pressão de fazer a sequência de um dos melhores jogos de todos os tempos no prazo de um ano, ou seja, havia grandes chances do projeto falhar, mas foi justamente essa condição adversa que fez a criatividade aflorar e conseguirem entregar um jogo tão peculiar.
1) História principal
A história principal do Majora’s Mask é bem simples.
Skull Kid, o vilão, após se sentir abandonado por seus amigos começa a tratar mal as pessoas e em um desses momentos acaba roubando uma máscara maligna chamada Majora.
Essa máscara dá um poder muito grande para quem a está usando e também aflora os seus piores defeitos, então o Skull Kid começa a espalhar o terror por Termina (região onde se passa a aventura) causando caos na vida das pessoas.
Depois de derrotar o Ganondorf no Ocarina of Time, Link sai à procura da sua amiga Navi e em uma dessas andanças acaba cruzando com Skull Kid que o leva para Termina e o transforma em Deku.
Chegando então na grande cidade da região, Clock Town, Link descobre que o Skull Kid lançou um feitiço que fez a lua entrar em rota de colisão com a terra e tem apenas três dias para evitar esse desastre.
2) Mecânica do Tempo
Para evitar o fim do mundo depois de 72 horas, que seriam em torno de 54 minutos no tempo real, é possível voltar no tempo ao primeiro dia, porém mantendo os itens que adquiriu anteriormente.
Essa mecânica é vital para toda a imersão e atmosfera criada no Majora’s Mask.
O limite de tempo cria uma pressão de urgência no jogador, afinal se ele falhar a lua irá se colidir com a terra matando toda a humanidade, então é preciso programar com antecedência as tarefas que vão ser realizadas para não ser pego desprevenido com a falta de tempo no meio de uma missão e ter que repetir tudo novamente depois.
Apesar do
Cyberpunk não ter cumprido a promessa de ter NPCs com cronogramas, Majora’s Mask em pleno ano 2000 conseguiu entregar um dos universos mais vivos que já presenciei nos videogames.
Os NPCs também respondem ao tempo com rotinas próprias que precisam ser observadas pelo jogador a fim de concluir determinadas missões.
Por exemplo, logo no início quando chegamos a Clock Town observamos diversos cartazes anunciando o show de uma banda Zora. Na prefeitura às 10 horas é possível presenciar a discussão do produtor com o agente da banda por descobrir que o show será cancelado pela vocalista ter perdido a voz. Apesar de descobrirmos esse fato no início da aventura, só depois de muitas horas quando seguimos para a terceira dungeon é que ficamos sabendo o motivo da vocalista ter perdido a voz.
É realmente incrível imaginar que em um prazo tão curto de tempo os desenvolvedores conseguiram costurar tão bem os cronogramas e diálogos dos NPCs que resultando em momentos inesquecíveis.
3) Discutindo a vida através da morte:
O brilhantismo do Majora’s Mask não está na sua história principal, mas sim nas consequências acarreadas pelas maldades feitas pelo Skull Kid e na forma como os NPCs encaram a morte sabendo que a lua irá se chocar com a terra depois de três dias.
Ninguém gosta de discutir sobre o fato que todos vamos morrer um dia, esse é um tema que incomoda bastante, muitas vezes preferimos fingir que somos imortais e que sempre teremos tempo para tudo, então acabamos adiando e não dando o devido valor no que é realmente importante. O problema é que não somos imortais e quando a morte chegar não teremos mais tempo para fazer o que era necessário. Esse é o tema que circula todo o Majora’s Mask, ou seja, valorizar o tempo de vida.
Por causa do curto prazo de desenvolvimento foi incluído apenas 4 dungeons, em comparação Ocarina of Time tinha 8 dungeons. Então para estender o tempo de duração transformaram o jogo num collect-a-thon ao espalharem por Termina 24 máscaras, 52 pedações de coração e 6 frascos a serem coletados (Ocarina of Time por exemplo tinha apenas 5 máscaras, 36 pedaços de coração e 4 frascos).
Para conseguir boa parte desses itens é necessário completar determinadas missões secundárias que geralmente envolvem ajudar NPCs que possuem algum tipo de frustração por saberem que vão morrer em três dias e não terem dado valor no que realmente era importante em vida. Então a ideia é que o jogador na pele do Link preencha esse vazio dentro dos personagens para que consigam encarar a morte sem arrependimentos.
Assim ajudamos o Kafei a superar a vergonha de ter sido transformado em criança e voltar a conversar com a sua noiva e a sua mãe, o carteiro a se desligar do trabalho, o produtor frustrado com o cancelamento do show lembrar do motivo que o fez apaixonar pelo seu trabalho, o cuidador das galinhas que quer ver as suas “filhas” crescerem para morrer em paz, fazer o prefeito, carpinteiro e soldado enxergarem que o mais importante naquele momento é gastar o tempo que resta com as pessoas que amam etc.
Tanto a missão da máscara do Goron quanto a do Zora envolvem dar paz aos espíritos que não conseguem desapegar das coisas mundanas por morrerem antes de completarem os seus objetivos, então só quando Link promete que irá fazê-los é que conseguem partir para o outro plano.
Apesar do visual cartoon o jogo trata os personagens com profundidade e realismo, por exemplo quando horas antes do fim do mundo deixa a entender que no rancho Romani a irmã mais velha embebeda a irmã mais nova para encarar a morte com menos dor.
Majora’s Mask traz à tona muitos questionamentos sobre como devemos enxergar a vida, a intenção dos desenvolvedores fica muito perceptível no final quando na lua quebram a quarta parede ao questionarem sobre se o que o faz feliz também faz as outras pessoas felizes, que tipo de amigos você tem e se essas pessoas te enxergam como um amigo, se você está fazendo o que acha correto e se isso também deixa as outras pessoas felizes, qual a sua verdadeira face ou se você esconde atrás de uma máscara?
E por fim, no seu discurso final, o vendedor de máscaras enaltece o fato de mesmo em uma situação catastrófica o jogador conseguiu levar felicidade para os as pessoas de Termina.
Esse diálogo com o vendedor de máscaras faltando apenas 1 hora para o fim do mundo resume bem a mensagem que o Majora’s Mask quer passar:
Como Majora’s Mask é um jogo bastante metafórico cada um pode interpretá-lo de uma forma diferente, até por isso é muito famoso por causa das teorias feitas por fãs. Na minha opinião os desenvolvedores quiseram fazer uma obra pessoal tratando sobre o que consideram importante na vida. O mais curioso disso tudo é que em entrevistas Eiji Aonuma comenta sobre a quantidade de momentos de crunch que passaram para lança-lo dentro do prazo, talvez por isso que o jogo tenha muitas referências sobre o tempo, família e trabalho.
4) Last but not least
Para completar a atmosfera do jogo, como os desenvolvedores tinham um prazo curtíssimo para entregar o produto final, resolveram então reaproveitar muitos assets do Ocarina of Time, como por exemplo os NPCs.
Atualmente esse movimento é muito criticado ao ser praticado nos jogos anuais, mas no Majora’s Mask casou perfeitamente com a atmosfera por criarem um ambiente familiar cuja intenção é de explorar mais a fundo os personagens, assim ao colocarmos os pés em Clock Town já temos empatia com todos eles.
Conclusão:
The Legend of Zelda: Majora’s Mask foi um jogo divisivo desde o seu lançamento e não é difícil de entender o motivo, primeiro é um jogo completamente diferente do caráter épico do Ocarina of Time, a primeira parte quando jogamos com o Deku explorando Clock Town não pode ter atingido as expectativas de quem esperava uma aventura mais direta como no antecessor e, por fim, a pressão do limite de tempo para realizar as tarefas pode ter afastado muitas pessoas.
Mas é justamente essas características tão singulares que tornam Majora’s Mask uma obra única e por isso é fácil encontrar opiniões em relação ao jogo tão apaixonadas.
Particularmente Majora’s Mask está entre os meus jogos favoritos de todos os tempos. A sensibilidade que discute sobre a vida através da morte é muito interessante e toda vez que o jogo novamente consigo achar algo novo que não tinha percebido antes.
Terminando Majora’s Mask fica fácil perceber que nem sempre mais conteúdo é o melhor, as vezes a qualidade dele é mais importante, então fica essa lição para os imensos jogos open worlds sem vida e vazios que só são grandes a título de marketing.
A CD Projekt com o
Cyberpunk por exemplo prometeu mundos e fundos para no final entregar um universo sem vida e vazio. Já a equipe por trás do Majora’s Mask com um prazo curtíssimo conseguiu entregar um mundo vivo e cheio de conteúdo por saberem direcionar no que realmente era importante.
Majora’s Mask é um jogo incrível e toda vez que o termino fico ainda mais fascinado com o mundo que criaram e que talvez só foi possível graças as adversidades no desenvolvimento. E justamente por ser um jogo único e incomparável que sempre gosto de recomendar essa obra de arte.