O que há de Novo?
Fórum Outer Space - O maior fórum de games do Brasil

Registre uma conta gratuita hoje para se tornar um membro! Uma vez conectado, você poderá participar neste site adicionando seus próprios tópicos e postagens, além de se conectar com outros membros por meio de sua própria caixa de entrada privada!

  • Anunciando os planos GOLD no Fórum Outer Space
    Visitante, agora você pode ajudar o Fórum Outer Space e receber alguns recursos exclusivos, incluindo navegação sem anúncios e dois temas exclusivos. Veja os detalhes aqui.


[Renato Russo news) STF vai considerar constituição inconstitucional para reeleger Davizim e Inhonho (+ Que País É Esse?)

Gattuso

Lenda da internet
VIP
Mensagens
24.821
Reações
21.187
Pontos
1.719
Um texto que eu achei interessante, e vou colocar em negrito o argumento que achei mais legal





Despida dos sofismas e truques retóricos que discutimos em texto anterior, a decisão do Supremo de que, se a Constituição afirma ser “vedada a recondução” dos Presidentes da Câmara e do Senado, então a reeleição não é permitida, parece tão trivial, quanto preocupante. Afinal, cinco ministros do Supremo simplesmente desconsideraram essa proibição expressa.


Não é novidade criticar o Supremo por seu pouco (ou seletivo) apego às palavras do texto constitucional. Então, o que haveria de peculiar no caso da reeleição das mesas do Congresso? Não seria apenas mais um caso em que o Supremo se descolou da literalidade do texto constitucional? A indignação com a posição da minoria vencida não seria, assim, exagerada e também seletiva?

Acreditamos que não. É preciso fazer uma distinção entre dois tipos de casos. Primeiro, casos em que se discute qual seria a melhor, mais óbvia ou talvez única interpretação correta de um dispositivo constitucional. Um lado acusa o outro de ler errado a Constituição, mas ainda são debates sobre interpretação. Segundo, há casos em que a clareza, a especificidade e a taxatividade do dispositivo não permitem interpretação alternativa; nesses casos, não se trata de divergência de leituras, mas sim de ignorar o que se reconhece que a Constituição afirma.

Nesse segundo cenário, mesmo que eventuais votos dos ministros falem em “interpretação”, o que ocorre é algo distinto.
Ataca-se a própria ideia – tão banal, quanto fundamental para a prática do direito – de que o texto da Constituição expressa decisões políticas que, enquanto não forem alteradas por emenda, precisam ser respeitadas.
Nesse segundo cenário, em vez de intérprete da Constituição, o Supremo a desconstitui.

Essa distinção é fundamental para compreender o que distingue este caso de outros exemplos salientes que têm sido invocados como suposta evidência de que a posição de Gilmar Mendes e a minoria vencida não seria, afinal, significativamente diferente de práticas criticáveis do Supremo em casos passados.
O primeiro diz respeito à proteção constitucional da união estável homoafetiva (ADPF 132). O cerne da discussão estava no fato de o artigo 226 da Constituição determinar que “a família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado”, e seu §3º afirmar que “para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.”

Quando decidiu que a Constituição protege a união estável entre pessoas do mesmo sexo, o Supremo ignorou esses dispositivos? Não. Na decisão unânime, houve duas linhas de fundamentação – nenhuma das quais mereceria essa acusação. Uma maioria de ministros considerou que a expressão “o homem e a mulher” não poderia ser lida de forma a excluir, em si, outros tipos de união estável, por força do princípio da igualdade. Este grupo, representado pelo ministro relator Ayres Britto, leu na expressão “o homem e a mulher” uma cláusula exemplificativa, e não taxativa, que não impediria uma leitura expansiva da proteção constitucional a direitos de igualdade, liberdade e à proteção à família. Uma minoria de ministros, por sua vez, considerou que, embora o §3º em si não seja a base jurídica para proteger essas uniões, ele não impede que o artigo 226 da Constituição seja interpretado para incluir outras formas de família. Nenhuma das duas correntes afirmou que o dispositivo deveria ser desconsiderado.

O segundo caso envolve a execução provisória da pena após condenação em segunda instância. Segundo o artigo 5º, LVII da Constituição, “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. O cerne da controvérsia envolve saber se esse dispositivo proíbe a execução provisória de pena contra réu condenado em segunda instância, mas com recursos ainda pendentes. Executar a pena assim, mesmo que provisoriamente, implicaria “considerar culpado” o réu – e, portanto, seria constitucionalmente proibido?

Aqui, ao contrário da união estável homoafetiva, o tribunal se dividiu ao meio – em vários casos, no espaço de alguns anos, e com resultados diferentes. Alguns ministros entendem que a execução da pena envolve o cerne da presunção de inocência, pois significa tratar já o réu como culpado. Outros entendem que, nessa hipótese, a execução provisória não violaria essa proibição, uma vez que já haveria uma definição quanto às questões de fato, de formar que tal dispositivo deveria ser interpretado restritivamente nos limites de sua literalidade: proibiria lançar o nome do réu no rol dos culpados, com os efeitos jurídicos daí decorrentes – e em defesa dessa leitura, invocam a jurisprudência autorizativa que prevaleceu no tribunal até 2009. Essas duas posições não são equivalentes, há uma acirrada divergência sobre qual das duas interpreta melhor a Constituição. Contudo, é possível compreender suas razões textuais, e nenhuma delas anula por completo a cláusula do artigo 5, LVII. Não se nega que a Constituição proíbe que alguém seja “considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”, a discordância reside no significado concreto e específico de “considerar culpado”.

Nesses exemplos, a redação dos dispositivos constitucionais permite debater seu significado concreto específico. Não havia acordo na comunidade jurídica quanto ao seu sentido ou alcance – se ele é ou não taxativo (união homoafetiva); se proíbe ou não que se faça algo que, para muitos, seria o seu próprio núcleo essencial (execução provisória da pena). Nesse espaço de desacordo, surgiam no Supremo leituras mais restritivas ou mais ampliativas do dispositivo – mas nenhuma delas simplesmente desconsidera uma proibição específica.

Se distinção parece artificial ou irrelevante, considere o seguinte experimento. Suponha que você discorda da posição de algum dos ministros do Supremo nos casos acima, por considerá-la uma leitura equivocada do texto constitucional. Imagine, então, que você possa participar da elaboração de uma nova Constituição e redigir esse dispositivo de forma a suprimir a ambiguidade, imprecisão ou falta de especificidade textual que permitiu tal equívoco para afirmar, sem dúvidas, a posição que você considera correta. Nesse cenário hipotético, seria possível redigir um dispositivo constitucional de modo a impedir expressamente a interpretação com a qual não concorda? Ou estamos diante de uma situação em que o texto não poderia ser mais claro do que já é?
A resposta é simples nos dois casos.



No primeiro exemplo, para impedir a interpretação de que a Constituição protege uniões homoafetivas bastaria escrever: “É reconhecida a união estável somente entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”. Se quisesse deixar ainda mais claro que nem os legisladores poderiam conceder essa proteção, bastaria acrescentar um dispositivo estabelecendo que: “É vedado o reconhecimento, como entidade familiar, de qualquer união estável, casamento ou outra forma de relação que não seja entre o homem e a mulher”.

No segundo exemplo, se você é contra qualquer uma das teses que abrem espaço para a execução provisória, bastaria redigir um dispositivo com a seguinte formulação: “ninguém será considerado culpado, nem pena alguma será executada, até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.
Não se pode dizer o mesmo, porém, da posição vencida no caso da reeleição nas Mesas do Congresso Nacional.

A Constituição diz que é vedada a recondução. Ao afirmar que, apesar disso, a recondução é simplesmente permitida, para todo e qualquer caso, a regra é reduzida a nada.
Ela perde qualquer sentido mínimo. Não se trata de uma interpretação mais ou menos restritiva de um dispositivo constitucional; trata-se de transformar uma proibição expressa em permissão. A vedação simplesmente desapareceria.
Como poderíamos redigir esse dispositivo constitucional, agora, para proibir inequivocamente a reeleição no futuro? Não há formulação possível mais precisa e expressa do que “vedada a recondução”. Poderíamos só incorrer em pleonasmos – afirmar que a recondução é vedada mesmo, ou que essa vedação “deverá ser respeitada por todos os Poderes, inclusive pelo Supremo Tribunal Federal”. O problema de fundo não tem nada a ver com o texto, mas sim com a (des)obediência do tribunal.

Aqui está a diferença entre esse caso específico e as decisões anteriores permitindo reeleição em caso de “mandato tampão” ou entre legislaturas diferentes. Essas interpretações restringem a amplitude da proibição, mas ainda preservam um sentido mínimo de seu texto: continua vedada a recondução na mesma legislatura. Ainda reconhecem alguma força às palavras, e seria ainda possível imaginar como reformular a cláusula para imunizá-la dessas interpretações. Por exemplo, estabelecendo expressamente ser “vedada a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente, inclusive quando houver mudança de legislatura e quando o atual ocupante tiver sido eleito para completar mandato iniciado por um ocupante anterior”.
Há leituras que poder ser consideradas erradas por quem delas discorde, mas que ainda podem ser reconhecidas como leituras, e há situações em que o que se propõe é simplesmente desconsiderar o que a Constituição clara, precisa e expressamente estabelece. Nesse segundo cenário, o Supremo priva de sentido a própria prática de legisladores-constituintes debaterem, negociarem e decidirem sobre a redação específica de um dispositivo constitucional.
Essa não é a primeira ou única vez em que ministros do Supremo incorrem nesse segundo tipo de erro. Por isso mesmo, é fundamental manter a capacidade de se diferenciar a interpretação “apenas” equivocada, da situação em que, em vez de guardião da Constituição, o Supremo se coloca na posição de um Poder Desconstituinte.
 
Topo Fundo