No tópico do desemprego e do concurso eu já desabafei as minhas impressões sobre o mercado privado, acredito que este foi sumariamente poluído por ideias liberais e pós-modernas (liquidez do Bauman) de economias desenvolvidas, mas antes de se livrar das amarras autoritárias e de baixo desenvolvimento típico de um país subdesenvolvido.
Acabamos por aplicar a volatilidade dos empregos, com pouco investimento na ideia de longa carreira dos funcionários dentro da mesma empresa, trocando para ideia de desenvolvimento em múltiplas lugares, tornando os empregados atraentes pelo extenso currículo, talento e rede de contatos profissionais. Em países desenvolvidos funciona relativamente bem, ainda que nos EUA, por exemplo, não há aumento real de renda desde a década de 1970, no entanto, quando a ideia desembarcou por aqui, em em um mercado extremamente burocrático e engessado, se converteu no fim de qualquer possibilidade de carreira. A todo momento, quando o empregado é demitido ou pede as contas, ele não está evoluindo na carreira, mas sim a iniciando do zero. A experiência prévia e a formação se tornam barreiras para o ingresso em uma nova vaga de emprego, ao ponto de cada vez mais as pessoas procurarem esconder sua formação para simplesmente conseguirem alguma remuneração. Quem perde uma vaga de R$3.000,00, que foi extinta para "cortar custos", não consegue outra, o mercado renova a vaga pagando R$1045,00. Toda a vez que eu vejo uma notícia de que "estamos no recuperando em V, criamos 400 mil vagas de emprego" eu dou risada! O que temos é um regresso de carreira, muitos que perderam empregos bem remunerados há 4-5 anos até hoje não conseguiram se recolocar no mercado no mesmo patamar ou acima, sempre abaixo. Isso é extremamente desmotivador. São pessoas que poderia estar comprando apartamentos, carros, bens de consumo e serviços, ajudando a rodar a economia, ou simplesmente economizando, e se tornando também vetor para acúmulo de capital e aumento do crescimento econômico do país. Invés disso estão basicamente trabalhando em troca de um prato de comida. São profissionais que em outros países estariam na classe média e média alta, mas cometeram o crime de nascer no Brasil. Isso mata diversos outros setores e a possibilidade de acúmulo e desenvolvimento de riqueza. Administração e gerenciamento de equipe é sinônimo de corte de vagas, remuneração baixa, trabalho ineficiente e baixa qualidade do produto ou do serviço.
Isso cria tensões no mercado, tanto de formação quanto geracionais. Os aposentados, com sua renda, acabam se tornando o vetor que ainda segura um pouco as calças da geração atual. A COVID vitimou muitos idosos e pessoas com longo histórico de problemas de saúde, ou seja, eram os pilares de muitas famílias, já que a maioria recebe algum pagamento da previdência, ainda que seja o mínimo, acabam responsáveis por sustenta as novas gerações que não conseguem se colocar no mercado. A morte se torna não só uma tragédia pessoal, mas material, acaba jogando na miséria, na prostituição e na criminalidade uma geração inteira. O cenário brasileiro atual me lembra muito Berlim no tempo da guerra, quando as tropas soviéticas entraram na cidade o que mais acontecia eram festas, com muito álcool e sexo, principalmente entre figuras influentes do partido nazista. Acredito que os bailes funks são um sintoma dessa doença de miséria e de perda de possibilidade de desenvolvimento pessoal entre as novas gerações. Uma desesperança no próprio futuro que os fazem usar drogas e álcool, além de sexo sem proteção com diversas pessoas, de modo que deixaria um hippie de Woodstock com vergonha. Por que estudar? Por que procurar emprego? Por que se dedicar a aprender algo novo? Na hora da vaga de emprego será humilhado para no final receber um não. Não há mais estímulos para fazer nada além de tentar ter o máximo de prazer no menor tempo possível.
A sociedade brasileira está em movimento pela pulsão de morte. O Estado não sabe gerenciar isso, porque todo o nosso projeto de país, escrito na constituição, trás a ideia de desenvolvimento perpétuo, com famílias com muitos filhos que saem da miséria e pagam mais e mais impostos para sustentar a geração seguinte e o próprio estado de bem-estar social. Foi um texto escrito pensando no "boom" econômico da década de 1970 e mirando a qualidade de vida da Europa. Do outro lado, o mercado privado tem uma grande parcela de responsabilidade, que compra ideias alienígenas, não consegue inovar e acaba fomentando a autodestruição, tanto de si quanto da sociedade. Há 15-20 anos no SENAI e outros cursos profissionalizantes as vagas eram disputadas a tapa, muitos tentavam e sequer conseguiam, quem se formava já saía praticamente empregado. Hoje distribuem vagas para cursos no sinal e ninguém quer, há muitos com salas vazias. O mercado falava "queremos pessoas com formação X para ganhar 4k", as pessoas estudavam e encontravam "vagas para formação X entre 2-6k". Hoje o mercado fala "queremos pessoas com formação XYZ", as pessoas estudam e estudam e encontram "vagas para formação XYZWHGI de 1k". Não há qualquer perspectiva de futuro, a situação ficará muito mais feia. Acham que estamos em crise agora? Sentiremos saudades da situação atual em 2030.