Lá vai textão.
Conheça a história para entender o presente e construir o futuro.
Fico curioso como certos dirigentes ou treinadores deixa a arrogância ou a miopia histórico-esportiva dominar a sua visão de gestão, por não interpretar as coisas que estão escritas e diante dos olhos, de modo a tomar decisões erradas, exclusivamente baseadas em simpatias e razões egocêntricas.
Com essa sentença, tenho por certo que a hegemonia de títulos continentais do Real Madrid acabou para esta próxima época. E por um simples motivo: coincide com o fim do ciclo de um dos maiores jogadores da história.
Já falei aqui antes, não sei se foi neste ou em outro tópico, mas faço questão de repetir: todos os times que foram hegemônicos (supremacia de alguém sobre os outros durante um lapso significativo de tempo) foi decorrente do fato de que não só possuíam grandes jogadores em sua maioria, mas porque foi liderado tecnicamente por um jogador incrivelmente decisivo, de grande poder de influência nas partidas, com gols e passes, tirados da cartola, que dificilmente outro jogador, no seu lugar, seria tão eficiente e inventivo naquelas decisivas frações de segundos, embora de um efeito crucial para o resultado e a construção de uma sequência de títulos do clube.
E, digo mais, todo gênio do futebol não só contribuiu com fartos números individuais para os resultados da equipe, mas, por terem atingido um nível tão alto de liderança técnica, também influenciaram a moral de seus companheiros, seja dando-lhes mais confiança técnica para executar as jogadas - passes, chutes e dribles - seja dando-lhes encorajamento de vitória - com resiliência e concentração de jogo.
Não por outra razão que, por pertencerem a times liderados pelas lendas, diversos jogadores pegaram o vácuo circunstancial e passaram a ser também reputados como "craques", quando, ao fim e ao cabo, não passam de bons para ótimos jogadores.
Muitas vezes a visão romântica dos torcedores e jornalistas passam a superestimar o vitorioso companheiro como também um "craque fora-de-série", quando, na prática, não passa de um jogador excelente, jamais um craque na acepção mais pura da palavra - aquele com o poder de decisão de partidas, de construção direta de números, de influir corriqueiramente nos resultados ao longo da temporada. Seja em qual posição jogue, a obra do craque é notadamente destacável, regular e concreta na produção de resultados da sua equipe.
Essa força mental do gênio já foi ventilada em várias entrevistas de caras como Carlos Alberto, Tostão e Rivellino falando de Pelé; como Ruggeri e Careca falando de Maradona; como Ricardo Rocha, Branco e outros falando de Romário. Não há nada de explicação metafísica ou supersticiosa, mas é um fato concreto. Efeito psicológico tão somente.
É só perquirir a história dos times hegemônicos. Não é só coincidência o bi ou tricampeonato do Brasil com Pelé e, só apenas depois de 24 anos, sem ele, é que voltamos a ganhar uma Copa. Assim como, o bicampeonato do Santos da Libertadores. Não é só coincidência Eusébio ter levado Portugal a semifinal de Copa do Mundo e o Benfica a dois títulos da Champions. Não é só força do acaso os tricampeonatos da Champions do Ajax de Cruyff, e do Bayern de Beckenbauer, sem mencionar as finais que perderam entre si e depois para o Liverpool de Dalglish. O Napoli existe antes e depois de Maradona. O Flamengo é antes e depois de Zico.
O Guardiola disse que quem fez aquele seu Barcelona vencedor não foi ninguém senão Messi. Disse que, no ataque, depois que a bola chega ao último terço (ou quarto) de campo, quem resolve a partida é o diferenciado. Era aí que Messi decidia.
Imagine: os últimos títulos do Real, sem CR7, mas com Hazard ali na ponta-esquerda. Mesmo com a ajuda do juiz e as cabeçadas do Ramos, o time ganharia as três Champions? Talvez uma, não três.
Sem o craque, um time organizado, bem equilibrado e montado com ótimos jogadores vai sempre oscilar nos títulos e partidas, nunca será hegemônico, no entanto. As partidas serão decididas por circunstâncias como bola parada, erro de árbitro, falha pontual ou estado de espírito momentâneo da equipe. Quer dizer, com um craque no time, a vitória fica mais factível de ocorrer, pois a construção de situações desfavoráveis ao adversário (faltas, cartões) e de gol propriamente são mais corriqueiras. Não porque o craque ganha sozinho, não ganha, mas porque, com ele, a vitória está mais próxima, por razões de probabilidade.
Sem mais digressão. Por isso, o Florentino foi completamente arrogante em deixar o CR7 sair, mesmo com a idade avançada.
O profissionalismo do CR7 já indicava que daria a ele a condição física para no mínimo três anos de alto nível. Sem movimentos bruscos e corridas exageradas, mas com jogadas de finalização, de um toque dentro ou fora da área, com leitura inteligente de jogo, como anda fazendo já há algum tempo. Para além disso, soma-se à sua força mental. O CR7 manteria a determinação e continuaria a contaminar o vestiário com esses objetivos de vitória, estimulando jogadores e tirando leite de pedra de outros. O Casimiro, por exemplo, disse que só melhorou o seu jogo após conversas com o CR7, quando lhe exigia mais concentração e dureza nas jogadas. Duvido que se ele ouvisse isso do Bale, por exemplo, ele se esforçaria para lhe mostrar resultado e respeito.
Então apostou no galês que, apesar de um jogador muito bom, nunca foi um primor técnico e, o pior, sempre foi irregular fisicamente. Físico esse, aliás, que foi sempre o maior atributo do jogador, e não a inteligência de espaços ou a habilidade exuberante com a bola. Nunca vi um craque cuja maior valência de jogo foi a supremacia física, diga-se. A valência física é um fator determinante de um craque, mas não é o cerne de suas virtudes, como a inteligência cinética e a coordenação psicomotora (equilíbrio corporal e habilidade com a bola).
O CR7 na Juve. O seu primeiro ano já passou e foi bem. Números inferiores ao que ele apresentava? Normal devido à idade do CR7, e ao espírito de jogo do Allegri, como também do próprio futebol italiano que ataca, no máximo, com seis jogadores e defende, quase sempre, com dez jogadores atrás da linha da bola - sem deixar de mencionar o ânimo defensivista do jogador italiano que é talvez o mais aguçado da Europa.
Florentino, portanto, apostou errado. E, simultaneamente, apostou na contratação de um calhamaço de jovens promissores, mas nem um deles é Pelé, Maradona, Messi ou R9 que, com 17 anos, já enchem as redes de gol e dominam os fundamentos de chute, passe e drible, com muita personalidade e inteligência precoce, executando-os em acertados momentos.
O que resta ao Floren? Depende. Se o Real quiser ganhar alguns títulos, tem que abrir a carteira e contratar grandes jogadores, porque este atual elenco merece a posição da última UCL. Agora, se quiser ter hegemonia, como nos idos do Di Stéfano e CR7, tem que encontrar um gênio, leia-se craque com a bola no pé, inteligente dentro e maduro fora de campo. Ou seja, é o mesmo que ganhar na loteria! Risos.
Não sei se existem fórmulas perfeitas para se conseguir um craque, mas se já não tem a sorte de ter um nas categorias de base, a estratégia, com dinheiro, é apelar para duas medidas.
A primeira é apostar em craques emergentes, como fez com CR7 e Di Stéfano, comprando jogadores depois de 20-26 anos que já estão sendo eficientes e decisivos. Os problemas disso são que, a um, esses jogadores, hoje, são de todos os mais caros, pela maturação técnica e pela longa carreira a seguir; a dois, o cenário do futebol mudou há dez anos, com os árabes e os bilionários se tornando donos de clubes.
A segunda medida é fazer o que já anda fazendo, caçar jovens promessas abaixo dos 20 anos, como fez com Marcelo e Sergio Ramos, e agora faz com Kubo e cia. É uma baita incerteza. A mais segura, então, é comprar o craque pronto.
O Real vai contratar o Neymar ou o Pogba? Esses caras têm potencial técnico de se tornarem lendas, ao meu ver. Mas não sei se eles têm a ambição esportiva de conquistas e números em detrimento dos prazeres da vida social. Afinal, um é um boêmio, deslumbrado e infantil, o outro é disperso e acomodado. Não sei se algum técnico seria capaz de mudar o espírito deles para fazê-los levar o futebol como forma de vida, como faz Messi e CR7.
Antes fosse tão fácil apenas essas questões. É preciso saber se o clube teria dinheiro para bancar, ao menos, um desses caras, ambos empregados de multimilionários. O MU se vender o Pogba é por caridade ou por algum acordo futuro com o Mino Raiola.
Enfim, o mesmo raciocínio de todo exposto vale para o Barcelona em relação a Messi.
Sabiamente, o Bartomeu já anda se precavendo com a futura perda de Messi. Trouxe dois jogadores sólidos e prontos, como Griezmann e Coutinho; trouxe promessas, como Dembélé, Arthur, Umtiti, De Jong e Malcom. Até agora, anda quebrando a cara, só decepção; mas, ao menos, está apostando e trazendo jogadores novos, já profissionais e com potencial. E parece que não desistiu de Neymar, sabendo daquilo que o jogador pode entregar.
Mesmo diante de tudo isso, a verdade é o mundo todo está mal acostumado com o protagonismo dos dois grandes espanhóis, porque ambos os clubes conseguiram a sorte, literalmente, de sofrer um golpe (positivo) do destino, de encontrarem dois geniais jogadores e localizaram-nos na mesma liga, um contra o outro, motivados entre si. Através deles, o mundo do futebol estrangeiro se fechou quase que exclusivamente entre Barcelona e Real Madrid. Os próprios jogadores acham que a UCL e a Bola de Ouro são só factíveis por meio destes clubes. Ledo engano.
Não será mais assim, acho, pela lógica de que o futebol é cíclico. A não ser que Vinícius ou Kubo sejam os gênios da próxima década, e bobo esteja sendo eu criticando o Florentino. Os madrilenhos estão muito confiantes com a futura contratação do Mbappé. Ficaria muito surpreso se ela se consolidar. E se o PSG ganha as próximas Champions e o Mbappé a bola de ouro? E se o PSG aumenta o salário dele para 35 milhões? Como o Real vai pagar? Será que o time do Real será tão forte e competitivo a ponto de concorrer financeiramente com os caras do PSG?
Atualmente, acho que o futebol caminha para o domínio dos times de propriedade de bilionários chineses, americanos e árabes. São eles que estão comprando os maiores jogadores. Talvez a próxima década seja o ressurgimento do futebol italiano.