Ao dizer que vilanizaram o Joel na Part II, não quis inferir que ele foi um herói no jogo original. Num cenário pós-apocalíptico, não existem heróis. Se fosse para classificar o Joel, acho que ele estaria mais para um anti-herói, que possui parte de suas ações efetivamente justificadas e outra parte que ele acredita serem justificadas. Em diversas situações, ele foi pressionado pelas circunstâncias à sua volta e, seja em defesa própria ou de Ellie, se viu forçado a recorrer a atitudes extremas visando sobreviver.
O meu problema surge no seguinte ponto: de acordo com minha interpretação, a "vacina" é vista como uma
possibilidade no jogo original. Vários Vagalumes já haviam se sacrificado e, mesmo que Ellie fosse morta, simplesmente não havia garantia de que conseguiriam fazer engenharia reversa no fungo mutante alojado no cérebro dela. Os Vagalumes acreditavam que era possível, mas não era uma certeza: a morte da Ellie poderia resultar numa "vacina"... mas também poderia resultar em porra nenhuma. Já na Part II, todo mundo parece tomar a produção da "vacina" como uma
certeza: era só Ellie ter se sacrificado e a humanidade estaria salva. Essa remoção da nuance, de uma possibilidade para uma certeza, é o que me incomoda. Porque, se era apenas uma possibilidade, Joel estava justificado em suas ações e os tais médicos não eram tão inocentes assim: afinal, iriam matar uma criança sem ao menos colocá-la a par da situação e sem seu devido consentimento, para
talvez conseguirem a cura. Agora, se a "vacina" é tratada como uma certeza, Joel acaba vilanizado. Ele basicamente se torna o carrasco da humanidade, por ter eliminado a única esperança de produção da "vacina" ao ter assassinado os tais médicos. Isso de acordo com minha interpretação, ressalto uma vez mais.
Porém, extrapolando um pouco, digamos que a produção da "vacina" era mesmo uma certeza. Ainda assim, não consigo enxergar a "salvação" da humanidade resultando disso. Primeiro: a "vacina" estaria nas mãos dos Vagalumes e nada me faria acreditar que um grupo extremista subitamente iria se tornar um grupo humanitário, que sairia por aí distribuindo a cura para quem precisasse. Acho que seria mais razoável supor que eles utilizariam a "vacina" para obter influência e poder, utilizando-a como "moeda de troca" para obterem o que quisessem. Segundo: acredito que não seria fácil produzir a "vacina" em massa e, mesmo que fosse possível, a distribuição seria um problema, dadas as limitações de locomoção impostas pelo cenário pós-apocalíptico.
Ironicamente, acho que a "vacina" nas mãos dos Vagalumes resultaria numa história melhor do que a que recebemos na Part II, porque a historinha de vingança do Druckmann não depende do cenário pós-apocalíptico para ser contada. Poderia ocorrer no Japão feudal, no Velho Oeste ou mesmo num mundo
Cyberpunk. Com os Vagalumes controlando a "vacina", ao menos teríamos uma história intrinsecamente ligada ao cenário de The Last of Us, ao invés de um amontoado de clichês sobre vingança. Sem contar que a "imunidade" da Ellie realmente teria servido para alguma coisa, ao contrário do que aconteceu na Part II, na qual ela simplesmente não importa mais.
Quanto ao final da Part II, entendo que ele funcione para os jogadores que compraram a premissa do jogo. Porém, para aquela parcela de jogadores que não comprou, o final é a cereja em cima de um bolo de frustração. A morte de Joel se torna sem sentido, a busca de vingança de Ellie se torna inócua e todas as perdas que ela sofreu ocorreram em troca de absolutamente nada. Para essa parcela de jogadores, isso torna a jornada de Ellie e, em última instância, o jogo como um todo, irrelevante, porque lhes nega um mínimo de satisfação, que só seria obtida se Ellie completasse sua vingança.