Essa discussão é velha, polarizada e, ao meu ver, eterna. Eterna pois há um conflito entre a aproximação utilitarista e o julgamento de moral do ato. O argumento utilitarista é bom, diz que com a liberação do aborto (devidamente regulamentado) traria muito mais prós (no sentido pragmático) do que contras. Haveria a liberdade absoluta de quando de fato começar uma família. Mas isso nunca vai ser algo aceitado com unanimidade pois há argumentos que dizem que isso é imoral, a principal delas é de cunho religioso mas também há com cunhos filosoficos idealistas. A de cunho filosofico é que as pessoas nunca devem ser usadas como "meio" para um fim, e é exatamente isso que os utilitaristas estão fazendo. Mesmo que com aborto há melhoras na qualidade de vida de todos, se estaria usando os embriões (pessoas) para esse fim.
Então o que é discutido é quando uma pessoa é uma pessoa. Se desde a concepção ou em algum estágio posterior a ela. Há argumentos bem construídos nisso, pois ninguém nega que é vivo mas não é a defesa da vida (em si) sendo discutida mas se esse ser vivo é uma pessoa, se não for ela é equivalente a um outro animal qualquer. E matamos de forma industrial os animais, mesmo havendo discussão moral disso, não é englobado no discurso "pró-vida".
Essa avaliação da vida humana pode ser perigosa, pois abre precedentes para outras avaliações do "genuíno ser humano". Mas há algo que é pertinente nessa própria avaliação. Muitos julgam que o feto, zigoto é uma pessoa pois "inevitavelmente" (aspas pois há abortos espontâneos sem motivo aparente) vai se formar em uma, mas ainda não o é. Na discussão do aborto é levantado as imagens apelativas usam de pessoas já formadas (ou de embriões com formações evidentes de corpo que são próximos a 9 semanas de idade), pois somente assim gera empatia. Se mostrassem apenas um bolo celular de um embrião em suas primeiras semanas de vida não teria esse impacto. Isso é mais evidente que, no fundo, é uma falsa equivalência comparar um embrião com uma criança totalmente formada, no sentido que a pergunta "Se em alguma situação totalmente extraordinária, você poderia salvar apenas um da destruição completa: uma criança de 2 anos ou 5 zigotos qual você salvaria?" soa ridícula.
Um outro ponto é: nessa discussão o corpo feminino é tratado como mero acessório, indiferente ao todo processo justamente por ser inerente ao todo ele. Como se qualquer menção a isso fosse algo totalmente óbvio e desnecessário, eu considero isso uma falha pois a mulher é totalmente sujeita ao processo de gravidez. Uma mulher por qualquer razão circunstancial não queira ter filho e não sofrer mudanças profundas no corpo por quase 1 ano, o direito de escolha dela é tirado pois não se trata somente dela mas também de uma pessoa, mesmo que essa pessoa seja apenas um bolo celular de tamanho microscópico.
Por último, o argumento "o embrião não pode pagar o preço pela irresponsabilidade dos pais" que supõe que toda gravidez indesejada é por descuido da libido. Isso não é verdade, os anti concepcionais não tem 100% de eficiência isso sem levar o fator de erro humano. Com isso é dito que quem não quer filhos pratique o celibato, o que não diz nada na prática. Sabemos e reforçamos o discurso que vícios (sexo, drogas, gaems) são destrutivos mas mesmo assim sempre existiram, pessoas sempre buscam prazeres. Pregar esse discurso adiante só mantém o status quo: "tah gravida? Se fudeu".