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Maioria dos eleitores alemães prefere estabilidade, representada por Merkel
21/09/2017 02h00
Em certo dia de 1994, Luiz Inácio Lula da Silva, candidato à Presidência do Brasil, entrava na sede do SPD (o Partido Social-Democrata da Alemanha), em Bonn, então capital alemã, para uma palestra a convite dos sindicatos locais.
Parou por um momento para me dizer: "Olha, se a gente conseguisse chegar perto do bem-estar que eles conquistaram por aqui, já estaria de muito bom tamanho".
Stefanie Loos/Reuters
Cartaz de campanha da chanceler alemã, Angela Merkel, na cidade de Wustermark, perto de Berlim
Suspeito que a maioria dos alemães também acha de bom tamanho o que já têm, tanto que, de acordo com todas as pesquisas, darão neste domingo (24) um quarto mandato consecutivo à chanceler Angela Merkel.
Pesquisa do Centro Pew dos EUA confirma: 86% dos alemães acham boa a situação econômica, número dificílimo de alcançar em qualquer outro país.
É natural, portanto, que haja "um voto pela estabilidade nestes tempos incertos de Trump e 'brexit'", como interpreta Barbara Hans, a editora-chefe da "Der Spiegel".
Mesmo fora da Alemanha, ponderável número dos que estão desconfortáveis ou ameaçados em seus países se sentem atraídos pela estabilidade e a boa situação econômica alemã: quase a metade (exatamente 43%) dos que pediram asilo em países europeus escolheu a Alemanha. Desde 2014, foram 1,4 milhão de solicitações, 800 mil das quais aceitas.
Essa massa de migrantes acolhidos chegou a arranhar o prestígio de Angela Merkel e a fornecer combustível para o grupo xenófobo AfD (Alternativa para a Alemanha, na sua sigla em alemão).
Mas a turbulência política durou pouco e logo o eleitorado, de acordo com as pesquisas, voltou para o manso regaço de Merkel, muitas vezes chamada de "mutti", como os alemães tratam carinhosamente suas mães.
É justo dizer que o modelo alemão de bem-estar social é uma obra coletiva, que vem desde Otto von Bismarck, há quase 150 anos, e foi aperfeiçoado no pós-guerra tanto pela social-democracia como pela democracia-cristã de Merkel, para ficar apenas na área política.
Está tão enraizado que, em outra viagem pelo país, há 20 anos, me surpreendeu ouvir de um líder empresarial, depois da inevitável defesa das reformas ditas neoliberais, a enfática afirmação de que o direito a uma vida digna é inegociável na Alemanha. Não é, portanto, uma questão de direita, de centro ou de esquerda, mas de identidade nacional.
Que o país tem problemas, é óbvio. Um deles: há 6,5 milhões vivendo dos chamados "minijobs", empregos precários que pagam € 450 por mês (R$ 1.688), um terço aproximadamente do salário mínimo.
Mas as sucessivas eleições de uma líder, como Merkel, a mais emblemática figura do status quo, confirma que a maioria dos alemães concorda com a avaliação de Lula.
O problema é que o status quo será, dizem as pesquisas, sacudido pela eleição: pela primeira vez, a extrema direita, xenófoba e anti-islâmica, chegará ao Bundestag, o Parlamento. Superará a cláusula de barreira (5% dos votos).
"Mutti" terá, pois, que conviver com filhos rebeldes, minoritários mas extremamente barulhentos.
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Trabalho precário e desigualdade social preocupam eleitor na Alemanha
CAROLINA VILA-NOVA
ENVIADA ESPECIAL A BREMEN (ALEMANHA)
21/09/2017 02h00
O passado glorioso de Bremen, fruto de uma pujante indústria naval e de aço, ainda se reflete na arquitetura de mansões espalhadas por essa cidade-Estado do norte da Alemanha. Mas está bem longe do dia a dia de grande parte de seus cidadãos.
A crise financeira de 2008 fez com que as firmas dos setores, já cambaleantes desde os anos 1980, incorressem em grandes empréstimos para manterem-se em funcionamento, mas não conseguiram manter a competitividade e entraram em colapso.
Carolina Vila-Nova/Folhapress
Cartaz em loja da Le Creuset no centro antigo de Bremen oferece vaga de tempo parcial de vendedor
Seis anos depois, companhias continuam fechando. Trabalhadores, muitos de origem imigrante, perderam seus empregos. O principal banco regional, afogado por empréstimos não pagos, também quebrou no ano passado.
A cidade-Estado, que compreende também Bremerhaven, o porto de Bremen, lidera hoje as estatísticas nacionais de desemprego (10,5%) e de risco de pobreza (22,6%) —contra 6,1% e 18,4%, respectivamente, na média do país.
O resultado é um exército de mais de 70 mil pessoas que dependem de ajuda estatal para sobreviver, em uma população de quase 650 mil.
Desde agosto de 2004, um grupo se reúne todas as segundas-feiras na praça central do centro antigo para protestar contra as condições socioeconômicas na cidade.
"O apoio [dos políticos] sempre vai para os milionários, que cada vez mais dinheiro ganham. Quem precisa de apoio somos nós, de baixa renda. Nunca tem trabalho para quem tem mais de 50 anos, ou vaga na creche", listou uma senhora que se identificou como simpatizante do partido A Esquerda, no protesto de segunda (18).
Mas os moradores de Bremen não estão sozinhos. O governo federal calcula que cerca de 8 milhões de pessoas recebam assistência estatal. Muitas delas fazem parte do grupo chamado de "trabalhadores pobres" —pessoas com emprego, mas sem renda suficiente para se manter.
A Alemanha gastou em 2016 um total de 27,7 bilhões de euros (R$ 103 bi) com essa ajuda social —desse total, 374 milhões (R$ 1,3 bi) foi destinado a Bremen.
"Entre os que recebem ajuda social há vários grupos. Há pessoas com uma longa história de desemprego. E há também aquelas que chamamos de 'Aufstocker', ou seja, pessoas com empregos normais e regulares mas muito mal pagos", afirma Frank Nullmeier, especialista em política social e desigualdade da Universidade de Bremen.
"Nos anos do governo [do chanceler social-democrata Gerhard] Schröder [1998-2005], houve reformas trabalhistas que estabeleceram esses trabalhos precários. Isso foi novo na Alemanha. Desde então, temos esse campo legal de trabalhos precários, e ele está crescendo."
Nullmeier cita a Agenda 2010, pacote de reformas apoiado pelos sociais-democratas e aprovado na Alemanha em 2003 para combater o desemprego e ativar a economia.
A legislação criou um tipo de emprego em tempo parcial e flexível e desregulamentou o trabalho temporário, tornando mais fácil admissões e demissões. Criou ainda a figura do "mini-job", um tipo de trabalho em tempo parcial com salários baixos e que não paga imposto.
Curiosamente, foi o candidato do SPD (Partido Social-Democrata), Martin Schulz, quem colocou a questão da desigualdade como uma das peças centrais da campanha eleitoral deste ano.
Sua plataforma promete salários mais justos, mais estabilidade no trabalho, educação gratuita até o mestrado, redução de impostos para famílias e a manutenção do atual nível das aposentadorias.
Mas o SPD, após um bom desempenho inicial, voltou a cair nas intenções de voto, marcando entre 20% e 24% —o partido da chanceler Angela Merkel, a CDU (União Democrata-Cristã), tem entre 34% e 39% nas pesquisas.
"É difícil para um candidato do SPD fazer críticas já que hoje faz parte da coalizão do governo", pondera Christopher Schröder, pesquisador do Instituto de Economia Alemã de Colônia.
Pelo cálculo do governo, é considerada "sob risco de pobreza" a pessoa que não consegue renda equivalente a menos de 60% da média federal dos domicílios particulares, calculada pela OCDE: 917 euros (R$ 3.415) para domicílios com uma pessoa, ou 1.978 euros (R$ 7.366) para uma família de quatro pessoas.
Quem não atinge esse valor e não possui bens tem direito a ajuda estatal.
"A pobreza é uma questão multidimensional e não pode ser reduzida a uma renda", diz ele. "Tem a ver com participação na sociedade, com educação. Eu não colocaria um estudante com uma renda de 600 euros, mas que todo dia está aprendendo coisas novas e tem chance de se desenvolver, nessa lista", afirma Schröder.
21/09/2017 02h00
Em certo dia de 1994, Luiz Inácio Lula da Silva, candidato à Presidência do Brasil, entrava na sede do SPD (o Partido Social-Democrata da Alemanha), em Bonn, então capital alemã, para uma palestra a convite dos sindicatos locais.
Parou por um momento para me dizer: "Olha, se a gente conseguisse chegar perto do bem-estar que eles conquistaram por aqui, já estaria de muito bom tamanho".
Stefanie Loos/Reuters
Cartaz de campanha da chanceler alemã, Angela Merkel, na cidade de Wustermark, perto de Berlim
Suspeito que a maioria dos alemães também acha de bom tamanho o que já têm, tanto que, de acordo com todas as pesquisas, darão neste domingo (24) um quarto mandato consecutivo à chanceler Angela Merkel.
Pesquisa do Centro Pew dos EUA confirma: 86% dos alemães acham boa a situação econômica, número dificílimo de alcançar em qualquer outro país.
É natural, portanto, que haja "um voto pela estabilidade nestes tempos incertos de Trump e 'brexit'", como interpreta Barbara Hans, a editora-chefe da "Der Spiegel".
Mesmo fora da Alemanha, ponderável número dos que estão desconfortáveis ou ameaçados em seus países se sentem atraídos pela estabilidade e a boa situação econômica alemã: quase a metade (exatamente 43%) dos que pediram asilo em países europeus escolheu a Alemanha. Desde 2014, foram 1,4 milhão de solicitações, 800 mil das quais aceitas.
Essa massa de migrantes acolhidos chegou a arranhar o prestígio de Angela Merkel e a fornecer combustível para o grupo xenófobo AfD (Alternativa para a Alemanha, na sua sigla em alemão).
Mas a turbulência política durou pouco e logo o eleitorado, de acordo com as pesquisas, voltou para o manso regaço de Merkel, muitas vezes chamada de "mutti", como os alemães tratam carinhosamente suas mães.
É justo dizer que o modelo alemão de bem-estar social é uma obra coletiva, que vem desde Otto von Bismarck, há quase 150 anos, e foi aperfeiçoado no pós-guerra tanto pela social-democracia como pela democracia-cristã de Merkel, para ficar apenas na área política.
Está tão enraizado que, em outra viagem pelo país, há 20 anos, me surpreendeu ouvir de um líder empresarial, depois da inevitável defesa das reformas ditas neoliberais, a enfática afirmação de que o direito a uma vida digna é inegociável na Alemanha. Não é, portanto, uma questão de direita, de centro ou de esquerda, mas de identidade nacional.
Que o país tem problemas, é óbvio. Um deles: há 6,5 milhões vivendo dos chamados "minijobs", empregos precários que pagam € 450 por mês (R$ 1.688), um terço aproximadamente do salário mínimo.
Mas as sucessivas eleições de uma líder, como Merkel, a mais emblemática figura do status quo, confirma que a maioria dos alemães concorda com a avaliação de Lula.
O problema é que o status quo será, dizem as pesquisas, sacudido pela eleição: pela primeira vez, a extrema direita, xenófoba e anti-islâmica, chegará ao Bundestag, o Parlamento. Superará a cláusula de barreira (5% dos votos).
"Mutti" terá, pois, que conviver com filhos rebeldes, minoritários mas extremamente barulhentos.
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Trabalho precário e desigualdade social preocupam eleitor na Alemanha
CAROLINA VILA-NOVA
ENVIADA ESPECIAL A BREMEN (ALEMANHA)
21/09/2017 02h00
O passado glorioso de Bremen, fruto de uma pujante indústria naval e de aço, ainda se reflete na arquitetura de mansões espalhadas por essa cidade-Estado do norte da Alemanha. Mas está bem longe do dia a dia de grande parte de seus cidadãos.
A crise financeira de 2008 fez com que as firmas dos setores, já cambaleantes desde os anos 1980, incorressem em grandes empréstimos para manterem-se em funcionamento, mas não conseguiram manter a competitividade e entraram em colapso.
Carolina Vila-Nova/Folhapress
Cartaz em loja da Le Creuset no centro antigo de Bremen oferece vaga de tempo parcial de vendedor
Seis anos depois, companhias continuam fechando. Trabalhadores, muitos de origem imigrante, perderam seus empregos. O principal banco regional, afogado por empréstimos não pagos, também quebrou no ano passado.
A cidade-Estado, que compreende também Bremerhaven, o porto de Bremen, lidera hoje as estatísticas nacionais de desemprego (10,5%) e de risco de pobreza (22,6%) —contra 6,1% e 18,4%, respectivamente, na média do país.
O resultado é um exército de mais de 70 mil pessoas que dependem de ajuda estatal para sobreviver, em uma população de quase 650 mil.
Desde agosto de 2004, um grupo se reúne todas as segundas-feiras na praça central do centro antigo para protestar contra as condições socioeconômicas na cidade.
"O apoio [dos políticos] sempre vai para os milionários, que cada vez mais dinheiro ganham. Quem precisa de apoio somos nós, de baixa renda. Nunca tem trabalho para quem tem mais de 50 anos, ou vaga na creche", listou uma senhora que se identificou como simpatizante do partido A Esquerda, no protesto de segunda (18).
Mas os moradores de Bremen não estão sozinhos. O governo federal calcula que cerca de 8 milhões de pessoas recebam assistência estatal. Muitas delas fazem parte do grupo chamado de "trabalhadores pobres" —pessoas com emprego, mas sem renda suficiente para se manter.
A Alemanha gastou em 2016 um total de 27,7 bilhões de euros (R$ 103 bi) com essa ajuda social —desse total, 374 milhões (R$ 1,3 bi) foi destinado a Bremen.
"Entre os que recebem ajuda social há vários grupos. Há pessoas com uma longa história de desemprego. E há também aquelas que chamamos de 'Aufstocker', ou seja, pessoas com empregos normais e regulares mas muito mal pagos", afirma Frank Nullmeier, especialista em política social e desigualdade da Universidade de Bremen.
"Nos anos do governo [do chanceler social-democrata Gerhard] Schröder [1998-2005], houve reformas trabalhistas que estabeleceram esses trabalhos precários. Isso foi novo na Alemanha. Desde então, temos esse campo legal de trabalhos precários, e ele está crescendo."
Nullmeier cita a Agenda 2010, pacote de reformas apoiado pelos sociais-democratas e aprovado na Alemanha em 2003 para combater o desemprego e ativar a economia.
A legislação criou um tipo de emprego em tempo parcial e flexível e desregulamentou o trabalho temporário, tornando mais fácil admissões e demissões. Criou ainda a figura do "mini-job", um tipo de trabalho em tempo parcial com salários baixos e que não paga imposto.
Curiosamente, foi o candidato do SPD (Partido Social-Democrata), Martin Schulz, quem colocou a questão da desigualdade como uma das peças centrais da campanha eleitoral deste ano.
Sua plataforma promete salários mais justos, mais estabilidade no trabalho, educação gratuita até o mestrado, redução de impostos para famílias e a manutenção do atual nível das aposentadorias.
Mas o SPD, após um bom desempenho inicial, voltou a cair nas intenções de voto, marcando entre 20% e 24% —o partido da chanceler Angela Merkel, a CDU (União Democrata-Cristã), tem entre 34% e 39% nas pesquisas.
"É difícil para um candidato do SPD fazer críticas já que hoje faz parte da coalizão do governo", pondera Christopher Schröder, pesquisador do Instituto de Economia Alemã de Colônia.
Pelo cálculo do governo, é considerada "sob risco de pobreza" a pessoa que não consegue renda equivalente a menos de 60% da média federal dos domicílios particulares, calculada pela OCDE: 917 euros (R$ 3.415) para domicílios com uma pessoa, ou 1.978 euros (R$ 7.366) para uma família de quatro pessoas.
Quem não atinge esse valor e não possui bens tem direito a ajuda estatal.
"A pobreza é uma questão multidimensional e não pode ser reduzida a uma renda", diz ele. "Tem a ver com participação na sociedade, com educação. Eu não colocaria um estudante com uma renda de 600 euros, mas que todo dia está aprendendo coisas novas e tem chance de se desenvolver, nessa lista", afirma Schröder.