B-1
Ei mãe, 500 pontos!
- Mensagens
- 3.147
- Reações
- 638
- Pontos
- 894
A matéria é longa mas vale a pena ler
Ao escrever o Zero a 300 da última terça-feira, tive a nítida impressão de estarmos no ponto de partida de uma nova era dos automóveis. A previsão de Bob Lutz, de que os carros no futuro serão como os cavalos hoje, estava materializada na minha cara, na forma das cinco notícias mais relevantes do dia. Os carros mais mundanos, racionais, para serem usados no dia-a-dia eram elétricos, eficientes e inteligentes. Os carros passionais, feitos para divertir, emocionar e empolgar eram queimadores de petróleo, brutos e nada práticos para uso rotineiro.
Essa divisão clara algo a que já deveríamos estar acostumados, afinal, as leis de emissões, cada vez mais rigorosas e severas, já estão por aí há quase 50 anos, estão empurrando a indústria na direção da mobilidade eletrificada. Especialmente agora, quando alguns países até mesmo determinaram um prazo para matar os veículos movidos por combustão interna
Primeiro foi a Noruega, que, por acaso, é o quinto maior exportador de petróleo do planeta. Para controlar os níveis de emissões o governo local decidiu mudar a matriz energética de seus carros (em vez de parar de extrair petróleo), e por isso irá banir as vendas de carros com motores de combustão interna até 2025. Daqui a apenas sete anos, se você considerar que 2017 já elvis.
Depois foi a vez da França: as vendas serão banidas a partir de 2040 e a circulação proibida a partir de 2050. Logo em seguida o Reino Unido, provavelmente para não ficar atrás dos franceses, seus eternos rivais, anunciou que está pensando em adotar a mesma medida com os mesmos prazos. Quase na sequência Angela Merkel disse que o banimento é algo a se pensar em sua Alemanha.
Até mesmo a Índia e o Brasil entraram na onda. Os indianos pretendem trocar seus carros e motos a gasolina e diesel por modelos elétricos daqui a 13 anos, em 2030, enquanto o Senado Federal do Brasil discute uma proposta para proibir a venda de carros movidos a combustíveis fósseis a partir de 2030. Em seguida veio a China, dizer que está trabalhando em um plano para substituir a matriz energética de seus carros em um futuro próximo. E é claro que não poderia faltar a Califórnia, que praticamente inventou o controle de emissões nos EUA e agora pretende banir os carros a combustão até 2040.
Mas diante disso há uma pergunta que ninguém parece muito preocupado em responder: essa é mesmo a melhor saída? Essa imposição dura, que sequer considera uma transição natural embalada pela evolução tecnológica? Que determina data e espera que o mundo dê um jeito de resolver isso no prazo?
Nós achamos que haverá uma mudança, mas que ela não será polarizada, substituindo um modelo por outro. E isso não vai acontecer tão rápido quanto os governos esperam. E, felizmente, não estamos sozinhos nessa: a indústria automotiva também acha que não será assim, embora não admita publicamente por uma questão de imagem.
David Dauch, CEO da American Axle & Manufacturing, uma das grandes fornecedoras de componentes para a indústria automotiva, disse recentemente em uma conferência do banco JP Morgan em Nova York que “há muito burburinho e muito falatório sobre como o mundo irá adotar veículos elétricos da noite para o dia” e que “isso não irá acontecer da noite para o dia, e não acontecerá nas próximas décadas”. A gigante Delphi também segue a mesma linha: no mesmo evento do JP Morgan, o CEO Kevin Clark disse que 95% dos carros novos vendidos em 2025 ainda terão motores a combustão.
Don Walker, da Magna International, reforça o discurso. Segundo uma declaração sua em um seminário em Michigan no início de setembro, “somente 3% a 6% dos carros novos vendidos em todo o mundo em 2025 serão elétricos”. Walker disse que todo mundo (da indústria) sabe que será assim, mas você não pode dizer isso publicamente porque as empresas “precisam dizer o que será bem recebido pelo público para que seja percebida como progressista”.
Mas não pense que isso é pessimismo. Embora estejam em consonância com o discurso dos governos, as fabricantes conhecem muito bem todos os empecilhos que os carros elétricos têm pela frente, antes de se tornarem o padrão. Quais são estes empecilhos? É o que veremos neste post.
As maioria das pessoas não quer carros elétricos (ainda)
Segundo a revista Forbes, uma pesquisa realizada pelo site Driving Tests (que fornece testes simulados para aspirantes a motoristas nos EUA) entrevistou 157.000 candidatos e perguntou se eles considerariam comprar um carro elétrico. Quase 70% disseram que não comprariam. E não pense que este foi o número da faixa etária mais alta: a resposta negativa foi uniforme em todas as faixas etárias, incluindo os millenialse as gerações ainda mais jovens.
Esta não foi a única pesquisa que mostrou uma rejeição aos carros elétricos. Uma outra pesquisa mais abrangente feita pela empresa canadense Elegant E-Learningcom 200.000 aspirantes a motorista no Canadá, EUA, Reino Unido e Austrália, revelou que 60% dos entrevistados optaria por um carro a gasolina se pudesse escolher entre um modelo convencional a combustão ou elétrico com preço similar.
Por outro lado, estas pesquisas também indicam que entre 30% e 40% das pessoas topariam comprar um carro elétrico, e isso é quase metade do público entrevistado, sob certo ponto de vista. É um número considerável e que certamente cresceu devido ao progresso nas tecnologias de recarga, na infraestrutura fornecida pelos fabricantes como estímulo e, principalmente, na transformação dos carros elétricos em sonhos de consumo tecnológicos para algumas pessoas, uma tendência iniciada com a Tesla.
Saindo do campo das especulações e vamos para a prática: há um ano o governo da Alemanha lançou um “bônus ambiental” para incentivar a compra de veículos elétricos. A ideia era ajudar alcançar a meta informal definida pelo governo de (leia com a voz do Silvio Santos) 1 milhão de veículos elétricos em circulação até 2020.
Mesmo com os incentivos, até metade deste ano a frota alemã de carros tem apenas 165.000 veículos híbridos e 34.000 elétricos. Os outros 45 milhões são movidos a gasolina e a diesel. E isso nos leva aos motivos pelos quais as pessoas não querem comprar carros elétricos.
Por que as pessoas não querem carros elétricos (ainda)?
No caso da Alemanha, o subsídio estatal reduz a diferença de preços, mas não a elimina completamente, o que significa que comprar um carro elétrico ainda é mais caro que comprar um carro a gasolina ou diesel. Isso sem na imoralidade que é usar o dinheiro dos pagadores de impostos para subsidiar transporte privado. Mas isso é outro papo.
E este não é o único motivo pelo qual os alemães não querem carros elétricos. A autonomia limitada também afugenta aqueles que cogitam comprar um elétrico. Primeiro porque o tempo de recarga é inconveniente, depois porque o número de postos de recarga ainda é pequeno.
Os motivos foram os mesmos encontrados em uma pesquisa da Queensland University of Technology, da Austrália: “Alto custo de compra e baixa autonomia são os principais fatores que impedem as pessoas de comprar veículos elétricos”, segundo o líder da pesquisa, Kenan Degirmenci. E o pesquisador ainda salientou que os elétricos não são tão verdes como gostaríamos: um carro movido a gasolina produz 119 gramas de CO2 por quilômetro rodado. Um elétrico que usa energia renovável, produz apenas 9 gramas de CO2 por quilômetro, mas se a eletricidade for gerada por usinas termoelétricas, a produção de CO2 é de 139 gramas por quilômetro.
Outra preocupação dos consumidores é o custo de substituição e manutenção das baterias. O Chevrolet Volt, que é um híbrido, custa razoáveis US$ 34.050 em sua versão de entrada, mas suas baterias são vendidas pela GM por US$ 15.700. Isso corresponde a 46% do valor de compra do carro zero. O simpático Renault Twizy custa somente 6.400 euros, mas isso se você não comprar suas baterias, e sim alugá-las por 50 euros ao mês. Elas custam um adicional de 3.600 euros — para o carro novo, ou para substituição. Na Tesla, as baterias de reposição para o Model S, que parte de US$ 70.000, custam US$ 12.000.
Teremos eletricidade suficiente para mover uma frota de carros elétricos?
A propulsão elétrica tem um efeito psicológico positivo sobre o público geral. Nos acostumamos a ela quietinha, ali guardada na tomada. Ela não faz barulho, não faz fumaça, não tem cheiro, nem ocupa espaço, e só te incomoda se você meter o dedo onde não deve. Mas acima de tudo, ela parece a solução perfeita porque não vemos ela sendo produzida. É como as leis e as salsichas. A gente gosta, mas é melhor não ver como elas são feitas.
Mesmo as energias limpas têm seus impactos ambientais: as hidrelétricas exigem barragens e a inundação de áreas antes secas, afetando a fauna e a flora locais, uma vez que a água outrora corrente se torna um grande lago morto e espécies terrestres migram para outras áreas secas. Até mesmo as pessoas são afetadas: no Brasil as usinas hidrelétricas deixaram 33 mil pessoas desabrigadas, que formaram o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB).
A hidrelétrica é a menos pior delas, junto das eólicas, que têm impacto no fluxo migratório das aves e também produzem poluição sonora, afetando as pessoas que vivem perto dos enormes geradores.
E ainda que sejam limpas, estas usinas têm um grande inconveniente quando se trata de atender a demanda por eletricidade. Já notou que sua conta de luz às vezes tem uma “bandeira vermelha”? É uma taxa adicional cobrada quando as hidrelétricas não dão conta de produzir energia suficiente e precisamos acionar as usinas termoelétricas. E isso é relativamente comum em períodos de seca prolongada.
É aí que mora o problema.
As usinas termoelétricas produzem eletricidade a partir da energia térmica, como seu nome sugere. Energia térmica produzida pela queima do carvão mineral, que é extraído de minas que deixam seus arredores imundos e cinzentos.
Segundo a Agência Ambiental Europeia, se a estimativa de 80% de veículos elétricos se concretizar até 2050, o aumento na demanda por energia elétrica irá aumentar 25% em relação à demanda atual nos 28 países-membros da União Europeia. E adivinhe como é produzida a energia elétrica europeia? Quase metade (48,1%) vem das usinas térmicas, movidas a combustíveis fósseis. Outros 26,4% são produzidos por usinas nucleares, que têm emissão de CO2 baixa, mas ainda maior que das usinas ditas limpas, que produzem o outro quarto da eletricidade europeia. A agência já está ciente de que as emissões das usinas irá aumentar com a demanda dos carros elétricos.
No Reino Unido, a National Grid (uma das geradoras de energia elétrica locais) diz que a demanda para a frota elétrica prevista pelas possíveis mudanças na lei aumentaria mais que a capacidade de produção de sua futura usina nuclear Hinkley Point C, e teria um pico de consumo de 8GWh entre 17h e 18h dos dias úteis. Isso significa duas coisas: os horários de recarga precisariam ser distribuídos em um sistema tipo rodízio e seria preciso ao menos mais uma usina nuclear para atender a demanda de elétricos.
Nos EUA o negócio é ainda pior: 70% da energia elétrica local é produzida por combustíveis fósseis em termoelétricas e somente 15% é produzido por fontes renováveis. Em uma situação hipotética na qual 100% da frota se tornará elétrica, a redução efetiva de emissões comparada com as emissões atuais seria de… 6,4%. Portanto, basta que a eficiência dos motores a combustão melhore em 7% para que os carros elétricos não façam muito sentido nos EUA.
Portanto, antes de pensar em eletrificar a frota dos países, é preciso pensar em como o aumento da demanda por eletricidade será suprido. A menos que os governos decidam limitar o uso do transporte individual, mas aí teremos outro problema que já discutimos por aqui. Além disso, antes que as pessoas cogitem comprar carros elétricos, há um outro problema que precisa ser contornado.
Ainda não há convergência tecnológica
Também não havia convergência tecnológica nos primórdios do automóvel. Havia carros elétricos e carros a combustão e para abastecê-los você precisava montar uma estrutura em sua casa para recarregar baterias (pois a eletricidade não era universalizada como hoje) ou para guardar as latas de combustível pois não havia postos de gasolina. Na verdade, nem mesmo havia gasolina como hoje. Os carros usavam diferentes formulações de solventes derivados de petróleo.
Aos poucos os carros a gasolina foram se mostrando superiores aos elétricos (imaginem como eram as baterias de 110 anos atrás…), o desenvolvimento tecnológico convergiu para a combustão interna e eles se tornaram o padrão da indústria. A partir disso as estações de reabastecimento (filling stations) se proliferaram nos anos 1900, Henry Ford adaptou a linha de produção para seu Modelo T e primeiro posto de combustível foi aberto em 1913. E foi assim que chegamos onde estamos.
Atualmente os carros elétricos estão em um momento parecido com aquele da virada do século 19 para o século 20. Mas em vez da tecnologia dividida entre combustão e eletricidade, ainda não há uma convergência na forma de obtenção de energia a bordo. Vamos usar células de combustível ou baterias? Definindo isso, precisamos descobrir qual tipo de célula de combustível é mais vantajoso, ou qual tipo de bateria é mais vantajoso.
Depois existe a questão das estações de recarga padronizadas. Os superchargers da Tesla, por exemplo, são um modelo temporário, que Elon Musk concebeu como argumento de venda de seus carros. Não significa que ele será o modelo de recarga do futuro. Talvez nem possa, ou nem deva. Imagine se cada fabricante de automóveis exigisse um tipo de gasolina específico para seu carro? E que ele pudesse ser reabastecido de forma eficiente somente nestas redes de postos? O carro nunca teria feito sucesso.
Por isso, depois de definir a tecnologia, será preciso padronizar os sistemas de recarga, para que todo carro seja compatível com qualquer posto de recarga. Atualmente há três padrões diferentes para recarga com corrente contínua (DC), que é a recarga rápida; um padrão usado pelos japoneses, outro usado pelos europeus e americanos e outro usado pela Tesla. Até existem adaptadores para permitir as recargas em sistemas diferentes, porém eles ainda têm limitações específicas. Alguns não funcionam com os sistemas DC, outros não funcionam com portas tipo 2 europeias, outros não funcionam com o modelo X, alguns adaptadores não devem ser usados em sistemas de 264 volts e por aí vai.
Qual será o padrão dos carros elétricos? Atualmente eles usam baterias de íons de lítio, o mesmo tipo de bateria que você usa no notebook e no smartphone. Graças à economia de escala, o preço destas baterias despencou 80% desde 2010, mas ainda é relativamente caro. O custo das baterias corresponde a 40% do valor do carro e é por isso que os carros elétricos ainda são tão caros. Segundo a consultoria McKinsey, pode levar mais de uma década para que os preços dos carros elétricos se equiparem aos preços dos carros a combustão.
Mas só isso não seria suficiente para convencer as pessoas a comprar um carro elétrico. Lembra que o outro motivo que fazia as pessoas desistirem de comprar um elétrico? Era a autonomia.
Atualmente os melhores conjuntos de baterias permitem até 600 km de autonomia, mas dependendo do uso, é possível esgotá-las em 100 km. E não há muito o que fazer, afinal, as baterias funcionam sob as leis da físico-química e você não pode mudá-las.
O que você pode fazer, é mudar os componentes das baterias para fazê-las acumular mais energia, ou recuperar energia mais rapidamente. Por esse motivo há centenas de fabricantes — desde startups a gigantes industriais consagrados — procurando novas tecnologias que possam combinar uma grande capacidade de armazenamento com rapidez de recarga para tornar os carros elétricos mais práticos. “Procurando” é um jeito simples de falar. O que elas estão fazendo é pesquisa, e pesquisas levam tempo, precisam de experimentação, de tentativas e erros. Não dá para pesquisar mais rápido porque o prazo legal está chegando.
A mudança mais próxima, no momento, é a substituição dos ânodos de grafite por eletrodos de silício, que podem armazenar mais energia que o grafite, mas por expandir e contrair durante a carga e descarga, têm sua vida útil reduzida em relação às baterias atuais. Portanto, o primeiro desafio é fazer essas baterias funcionarem por mais tempo antes de precisarem ser substituídas — e estima-se que isso levará até cinco anos. Ao menos a autonomia poderá ser duas vezes maior do que é hoje. Se tudo correr bem.
Parelelamente há pesquisas com dezenas de outros tipos de baterias, dos quais três estão mais avançados: as baterias de fluxo de oxirredução, as baterias de íons de lítio em estado sólido e as baterias de metal-ar.
As baterias de fluxo de oxirredução armazenam a energia em tanques como dois eletrólitos líquidos em vez de eletrodos negativos e positivos. Os eletrólitos geram eletricidade enquanto fluem através das células das baterias e têm como principal vantagem a possibilidade de se reabastecer os eletrólitos como se fossem gasolina em um posto. O problema dessa tecnologia é que os tanques ainda precisariam ser grandes demais (e por consequência pesados demais) para proporcionar a autonomia equivalente a de um carro movido a gasolina/etanol/diesel.
Por esse motivo um grupo de pesquisadores do Massachussets Institute of Technology, o famoso MIT, abandonou as baterias de fluxo de oxirredução para trabalhar em uma tecnologia de baterias chamada “íons de lítio semi-sólidas”. Nesse tipo de bateria um eletrólto sólido de cerâmica substitui o eletrólito líquido e, por isso, não se degrada com o tempo e ainda duplica a quantidade de energia que pode ser armazenada.
Como bônus, estas baterias não são inflamáveis e seu desempenho melhora com o calor, diferentemente das baterias atuais de íons de lítio, que perdem eficiência com o aquecimento e, por isso, precisam de arrefecimento líquido. Por outro lado, o eletrólito de cerâmica é cinco vezes mais pesado que os eletrólitos líquidos e ainda são frágeis, podendo se quebrar com os impactos inerentes à rodagem dos carros.
Já as baterias de metal-ar usam um fluxo de ar através da bateria para ativar a reação química que produz energia elétrica. Nesse sentido ela é semelhante às células de combustível, podendo ser “reabastecida” com ar comprimido. Contudo, por ser uma bateria com desenvolvimento recente, ale ainda tem um número muito limitado de cargas e recargas antes de esgotar sua vida útil.
E já que falamos em células de combustível, ainda existem os carros movidos por célula de combustível de hidrogênio, que produz energia elétrica por reação com um oxidante, e pode ser reabastecido em pouco tempo como um carro a gasolina.
Ainda há uma outra alternativa, sugerida principalmente por empresas de compartilhamento de veículos: a substituição do conjunto de baterias, um procedimento teoricamente tão rápido quando o reabastecimento do tanque de combustível. Mas existe uma diferença fundamental: baterias têm vida útil que afetam sua autonomia. Suponha que você pare em uma estação de substituição de baterias para trocar o pack por outro recarregado. Ele terá a mesma autonomia que seu pack anterior? Como planejar um roteiro de longa distância sem saber quantos quilômetros seu carro poderá rodar até a próxima troca de baterias? Como será o sistema de troca de baterias? Isso não irá acelerar o fim da vida útil do conjunto? O que nos leva ao último ponto desse papo.
As baterias podem ser um problema ambiental maior que as emissões
Qualquer um que já teve uma bateria “viciada” sabe que elas têm vida útil. Quando ela chega ao fim, você devolve ao fabricante descartando-as no local adequado, e troca por uma nova. O descarte das baterias é outra preocupação surgida com o aumento da demanda por carros elétricos.
As baterias comuns de chumbo-ácido são um dos produtos mais reciclados pela humanidade, porém seu processo é relativamente barato e seus componentes, abundantes. As baterias de íons de lítio são um pouco diferentes.
O processo de reciclagem é caro e dispendioso e, ainda que várias empresas já estejam se preparando para este aumento da demanda por reciclagem de baterias, ele também não será limpo como esperávamos. Principalmente porque a reciclagem das baterias consegue recuperar vários metais por meio de processos químicos, porém o lítio acaba misturado a um subproduto da reciclagem — que precisa de um descarte correto para não contaminar a água ou o solo. Para recuperar o lítio deste subproduto, é preciso um novo processo químico, que também gera um subproduto contaminante e representa um custo extra à já dispendiosa reciclagem.
As baterias também podem ser reutilizadas, mas o processo é igualmente dispendioso: é preciso separar as células manualmente de acordo com sua capacidade de retenção de carga para que elas possam ser reagrupadas por semelhança e reutilizadas em outras baterias de menor capacidade.
Como se não bastasse, o lítio é um recurso finito. Um metal encontrado em planícies salinas secas cuja mineração exige água abundante, que fatalmente será contaminada pelo metal e por agentes químicos tóxicos como o PVC. No Chile, que é uma das regiões mais abundantes em lítio no planeta, a mineração do metal gasta dois terços da água potável local.
Então como serão os carros nas próximas décadas?
Eles serão eletrificados, porém não puramente elétricos. A primeira fase desta transição está começando neste final de década e resultará nos veículos chamados “mild hybrids”, um termo que significa mais ou menos “levemente híbrido”. Eles são assim chamados porque não têm sistemas elétricos de alta tensão como um Toyota Prius, que usam sistemas de 100 a 300 volts.
Em vez disso eles usam motores elétricos mais compactos, de 48 volts, geralmente conectados entre o motor e o câmbio, e atuam como motores-geradores. Eles substituem de uma só vez o motor de partida e o alternador, fornecem eletricidade para os sistemas auxiliares como ar-condicionado, suspensão ativa, rádio e multimídia, além de auxiliar o motor a combustão na produção de potência. Dessa forma, o motor a combustão não é sobrecarregado com nenhuma polia de acessórios. Sem essa carga extra, os níveis de consumo são mais baixos e, consequentemente, as emissões serão reduzidas.
E eles continuarão evoluindo até o momento em que seus custos e benefícios começarem a se equiparar aos elétricos. A indústria automotiva prevê que os motores a combustão chegarão ao auge de sua eficiência em 2050.
Já os elétricos, eles obviamente continuarão por aí como opção aos mild hybrids, e deverão se popularizar inicialmente como um segundo carro da família destinado ao uso no trajeto casa-trabalho-escola-supermercado, e vão dividir a garagem com um carro maior, híbrido, capaz de oferecer praticidade onde a rede elétrica não chega.
https://www.flatout.com.br/sera-que-o-carro-eletrico-e-mesmo-viavel-em-escala-universal/
____________________________________________________________________________________________
Sem mais.
Ao escrever o Zero a 300 da última terça-feira, tive a nítida impressão de estarmos no ponto de partida de uma nova era dos automóveis. A previsão de Bob Lutz, de que os carros no futuro serão como os cavalos hoje, estava materializada na minha cara, na forma das cinco notícias mais relevantes do dia. Os carros mais mundanos, racionais, para serem usados no dia-a-dia eram elétricos, eficientes e inteligentes. Os carros passionais, feitos para divertir, emocionar e empolgar eram queimadores de petróleo, brutos e nada práticos para uso rotineiro.
Essa divisão clara algo a que já deveríamos estar acostumados, afinal, as leis de emissões, cada vez mais rigorosas e severas, já estão por aí há quase 50 anos, estão empurrando a indústria na direção da mobilidade eletrificada. Especialmente agora, quando alguns países até mesmo determinaram um prazo para matar os veículos movidos por combustão interna
Primeiro foi a Noruega, que, por acaso, é o quinto maior exportador de petróleo do planeta. Para controlar os níveis de emissões o governo local decidiu mudar a matriz energética de seus carros (em vez de parar de extrair petróleo), e por isso irá banir as vendas de carros com motores de combustão interna até 2025. Daqui a apenas sete anos, se você considerar que 2017 já elvis.
Depois foi a vez da França: as vendas serão banidas a partir de 2040 e a circulação proibida a partir de 2050. Logo em seguida o Reino Unido, provavelmente para não ficar atrás dos franceses, seus eternos rivais, anunciou que está pensando em adotar a mesma medida com os mesmos prazos. Quase na sequência Angela Merkel disse que o banimento é algo a se pensar em sua Alemanha.
Até mesmo a Índia e o Brasil entraram na onda. Os indianos pretendem trocar seus carros e motos a gasolina e diesel por modelos elétricos daqui a 13 anos, em 2030, enquanto o Senado Federal do Brasil discute uma proposta para proibir a venda de carros movidos a combustíveis fósseis a partir de 2030. Em seguida veio a China, dizer que está trabalhando em um plano para substituir a matriz energética de seus carros em um futuro próximo. E é claro que não poderia faltar a Califórnia, que praticamente inventou o controle de emissões nos EUA e agora pretende banir os carros a combustão até 2040.
Mas diante disso há uma pergunta que ninguém parece muito preocupado em responder: essa é mesmo a melhor saída? Essa imposição dura, que sequer considera uma transição natural embalada pela evolução tecnológica? Que determina data e espera que o mundo dê um jeito de resolver isso no prazo?
Nós achamos que haverá uma mudança, mas que ela não será polarizada, substituindo um modelo por outro. E isso não vai acontecer tão rápido quanto os governos esperam. E, felizmente, não estamos sozinhos nessa: a indústria automotiva também acha que não será assim, embora não admita publicamente por uma questão de imagem.
David Dauch, CEO da American Axle & Manufacturing, uma das grandes fornecedoras de componentes para a indústria automotiva, disse recentemente em uma conferência do banco JP Morgan em Nova York que “há muito burburinho e muito falatório sobre como o mundo irá adotar veículos elétricos da noite para o dia” e que “isso não irá acontecer da noite para o dia, e não acontecerá nas próximas décadas”. A gigante Delphi também segue a mesma linha: no mesmo evento do JP Morgan, o CEO Kevin Clark disse que 95% dos carros novos vendidos em 2025 ainda terão motores a combustão.
Don Walker, da Magna International, reforça o discurso. Segundo uma declaração sua em um seminário em Michigan no início de setembro, “somente 3% a 6% dos carros novos vendidos em todo o mundo em 2025 serão elétricos”. Walker disse que todo mundo (da indústria) sabe que será assim, mas você não pode dizer isso publicamente porque as empresas “precisam dizer o que será bem recebido pelo público para que seja percebida como progressista”.
Mas não pense que isso é pessimismo. Embora estejam em consonância com o discurso dos governos, as fabricantes conhecem muito bem todos os empecilhos que os carros elétricos têm pela frente, antes de se tornarem o padrão. Quais são estes empecilhos? É o que veremos neste post.
As maioria das pessoas não quer carros elétricos (ainda)
Segundo a revista Forbes, uma pesquisa realizada pelo site Driving Tests (que fornece testes simulados para aspirantes a motoristas nos EUA) entrevistou 157.000 candidatos e perguntou se eles considerariam comprar um carro elétrico. Quase 70% disseram que não comprariam. E não pense que este foi o número da faixa etária mais alta: a resposta negativa foi uniforme em todas as faixas etárias, incluindo os millenialse as gerações ainda mais jovens.
Esta não foi a única pesquisa que mostrou uma rejeição aos carros elétricos. Uma outra pesquisa mais abrangente feita pela empresa canadense Elegant E-Learningcom 200.000 aspirantes a motorista no Canadá, EUA, Reino Unido e Austrália, revelou que 60% dos entrevistados optaria por um carro a gasolina se pudesse escolher entre um modelo convencional a combustão ou elétrico com preço similar.
Por outro lado, estas pesquisas também indicam que entre 30% e 40% das pessoas topariam comprar um carro elétrico, e isso é quase metade do público entrevistado, sob certo ponto de vista. É um número considerável e que certamente cresceu devido ao progresso nas tecnologias de recarga, na infraestrutura fornecida pelos fabricantes como estímulo e, principalmente, na transformação dos carros elétricos em sonhos de consumo tecnológicos para algumas pessoas, uma tendência iniciada com a Tesla.
Saindo do campo das especulações e vamos para a prática: há um ano o governo da Alemanha lançou um “bônus ambiental” para incentivar a compra de veículos elétricos. A ideia era ajudar alcançar a meta informal definida pelo governo de (leia com a voz do Silvio Santos) 1 milhão de veículos elétricos em circulação até 2020.
Mesmo com os incentivos, até metade deste ano a frota alemã de carros tem apenas 165.000 veículos híbridos e 34.000 elétricos. Os outros 45 milhões são movidos a gasolina e a diesel. E isso nos leva aos motivos pelos quais as pessoas não querem comprar carros elétricos.
Por que as pessoas não querem carros elétricos (ainda)?
No caso da Alemanha, o subsídio estatal reduz a diferença de preços, mas não a elimina completamente, o que significa que comprar um carro elétrico ainda é mais caro que comprar um carro a gasolina ou diesel. Isso sem na imoralidade que é usar o dinheiro dos pagadores de impostos para subsidiar transporte privado. Mas isso é outro papo.
E este não é o único motivo pelo qual os alemães não querem carros elétricos. A autonomia limitada também afugenta aqueles que cogitam comprar um elétrico. Primeiro porque o tempo de recarga é inconveniente, depois porque o número de postos de recarga ainda é pequeno.
Os motivos foram os mesmos encontrados em uma pesquisa da Queensland University of Technology, da Austrália: “Alto custo de compra e baixa autonomia são os principais fatores que impedem as pessoas de comprar veículos elétricos”, segundo o líder da pesquisa, Kenan Degirmenci. E o pesquisador ainda salientou que os elétricos não são tão verdes como gostaríamos: um carro movido a gasolina produz 119 gramas de CO2 por quilômetro rodado. Um elétrico que usa energia renovável, produz apenas 9 gramas de CO2 por quilômetro, mas se a eletricidade for gerada por usinas termoelétricas, a produção de CO2 é de 139 gramas por quilômetro.
Outra preocupação dos consumidores é o custo de substituição e manutenção das baterias. O Chevrolet Volt, que é um híbrido, custa razoáveis US$ 34.050 em sua versão de entrada, mas suas baterias são vendidas pela GM por US$ 15.700. Isso corresponde a 46% do valor de compra do carro zero. O simpático Renault Twizy custa somente 6.400 euros, mas isso se você não comprar suas baterias, e sim alugá-las por 50 euros ao mês. Elas custam um adicional de 3.600 euros — para o carro novo, ou para substituição. Na Tesla, as baterias de reposição para o Model S, que parte de US$ 70.000, custam US$ 12.000.
Teremos eletricidade suficiente para mover uma frota de carros elétricos?
A propulsão elétrica tem um efeito psicológico positivo sobre o público geral. Nos acostumamos a ela quietinha, ali guardada na tomada. Ela não faz barulho, não faz fumaça, não tem cheiro, nem ocupa espaço, e só te incomoda se você meter o dedo onde não deve. Mas acima de tudo, ela parece a solução perfeita porque não vemos ela sendo produzida. É como as leis e as salsichas. A gente gosta, mas é melhor não ver como elas são feitas.
Mesmo as energias limpas têm seus impactos ambientais: as hidrelétricas exigem barragens e a inundação de áreas antes secas, afetando a fauna e a flora locais, uma vez que a água outrora corrente se torna um grande lago morto e espécies terrestres migram para outras áreas secas. Até mesmo as pessoas são afetadas: no Brasil as usinas hidrelétricas deixaram 33 mil pessoas desabrigadas, que formaram o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB).
A hidrelétrica é a menos pior delas, junto das eólicas, que têm impacto no fluxo migratório das aves e também produzem poluição sonora, afetando as pessoas que vivem perto dos enormes geradores.
E ainda que sejam limpas, estas usinas têm um grande inconveniente quando se trata de atender a demanda por eletricidade. Já notou que sua conta de luz às vezes tem uma “bandeira vermelha”? É uma taxa adicional cobrada quando as hidrelétricas não dão conta de produzir energia suficiente e precisamos acionar as usinas termoelétricas. E isso é relativamente comum em períodos de seca prolongada.
É aí que mora o problema.
As usinas termoelétricas produzem eletricidade a partir da energia térmica, como seu nome sugere. Energia térmica produzida pela queima do carvão mineral, que é extraído de minas que deixam seus arredores imundos e cinzentos.
Segundo a Agência Ambiental Europeia, se a estimativa de 80% de veículos elétricos se concretizar até 2050, o aumento na demanda por energia elétrica irá aumentar 25% em relação à demanda atual nos 28 países-membros da União Europeia. E adivinhe como é produzida a energia elétrica europeia? Quase metade (48,1%) vem das usinas térmicas, movidas a combustíveis fósseis. Outros 26,4% são produzidos por usinas nucleares, que têm emissão de CO2 baixa, mas ainda maior que das usinas ditas limpas, que produzem o outro quarto da eletricidade europeia. A agência já está ciente de que as emissões das usinas irá aumentar com a demanda dos carros elétricos.
No Reino Unido, a National Grid (uma das geradoras de energia elétrica locais) diz que a demanda para a frota elétrica prevista pelas possíveis mudanças na lei aumentaria mais que a capacidade de produção de sua futura usina nuclear Hinkley Point C, e teria um pico de consumo de 8GWh entre 17h e 18h dos dias úteis. Isso significa duas coisas: os horários de recarga precisariam ser distribuídos em um sistema tipo rodízio e seria preciso ao menos mais uma usina nuclear para atender a demanda de elétricos.
Nos EUA o negócio é ainda pior: 70% da energia elétrica local é produzida por combustíveis fósseis em termoelétricas e somente 15% é produzido por fontes renováveis. Em uma situação hipotética na qual 100% da frota se tornará elétrica, a redução efetiva de emissões comparada com as emissões atuais seria de… 6,4%. Portanto, basta que a eficiência dos motores a combustão melhore em 7% para que os carros elétricos não façam muito sentido nos EUA.
Portanto, antes de pensar em eletrificar a frota dos países, é preciso pensar em como o aumento da demanda por eletricidade será suprido. A menos que os governos decidam limitar o uso do transporte individual, mas aí teremos outro problema que já discutimos por aqui. Além disso, antes que as pessoas cogitem comprar carros elétricos, há um outro problema que precisa ser contornado.
Ainda não há convergência tecnológica
Também não havia convergência tecnológica nos primórdios do automóvel. Havia carros elétricos e carros a combustão e para abastecê-los você precisava montar uma estrutura em sua casa para recarregar baterias (pois a eletricidade não era universalizada como hoje) ou para guardar as latas de combustível pois não havia postos de gasolina. Na verdade, nem mesmo havia gasolina como hoje. Os carros usavam diferentes formulações de solventes derivados de petróleo.
Aos poucos os carros a gasolina foram se mostrando superiores aos elétricos (imaginem como eram as baterias de 110 anos atrás…), o desenvolvimento tecnológico convergiu para a combustão interna e eles se tornaram o padrão da indústria. A partir disso as estações de reabastecimento (filling stations) se proliferaram nos anos 1900, Henry Ford adaptou a linha de produção para seu Modelo T e primeiro posto de combustível foi aberto em 1913. E foi assim que chegamos onde estamos.
Atualmente os carros elétricos estão em um momento parecido com aquele da virada do século 19 para o século 20. Mas em vez da tecnologia dividida entre combustão e eletricidade, ainda não há uma convergência na forma de obtenção de energia a bordo. Vamos usar células de combustível ou baterias? Definindo isso, precisamos descobrir qual tipo de célula de combustível é mais vantajoso, ou qual tipo de bateria é mais vantajoso.
Depois existe a questão das estações de recarga padronizadas. Os superchargers da Tesla, por exemplo, são um modelo temporário, que Elon Musk concebeu como argumento de venda de seus carros. Não significa que ele será o modelo de recarga do futuro. Talvez nem possa, ou nem deva. Imagine se cada fabricante de automóveis exigisse um tipo de gasolina específico para seu carro? E que ele pudesse ser reabastecido de forma eficiente somente nestas redes de postos? O carro nunca teria feito sucesso.
Por isso, depois de definir a tecnologia, será preciso padronizar os sistemas de recarga, para que todo carro seja compatível com qualquer posto de recarga. Atualmente há três padrões diferentes para recarga com corrente contínua (DC), que é a recarga rápida; um padrão usado pelos japoneses, outro usado pelos europeus e americanos e outro usado pela Tesla. Até existem adaptadores para permitir as recargas em sistemas diferentes, porém eles ainda têm limitações específicas. Alguns não funcionam com os sistemas DC, outros não funcionam com portas tipo 2 europeias, outros não funcionam com o modelo X, alguns adaptadores não devem ser usados em sistemas de 264 volts e por aí vai.
Qual será o padrão dos carros elétricos? Atualmente eles usam baterias de íons de lítio, o mesmo tipo de bateria que você usa no notebook e no smartphone. Graças à economia de escala, o preço destas baterias despencou 80% desde 2010, mas ainda é relativamente caro. O custo das baterias corresponde a 40% do valor do carro e é por isso que os carros elétricos ainda são tão caros. Segundo a consultoria McKinsey, pode levar mais de uma década para que os preços dos carros elétricos se equiparem aos preços dos carros a combustão.
Mas só isso não seria suficiente para convencer as pessoas a comprar um carro elétrico. Lembra que o outro motivo que fazia as pessoas desistirem de comprar um elétrico? Era a autonomia.
Atualmente os melhores conjuntos de baterias permitem até 600 km de autonomia, mas dependendo do uso, é possível esgotá-las em 100 km. E não há muito o que fazer, afinal, as baterias funcionam sob as leis da físico-química e você não pode mudá-las.
O que você pode fazer, é mudar os componentes das baterias para fazê-las acumular mais energia, ou recuperar energia mais rapidamente. Por esse motivo há centenas de fabricantes — desde startups a gigantes industriais consagrados — procurando novas tecnologias que possam combinar uma grande capacidade de armazenamento com rapidez de recarga para tornar os carros elétricos mais práticos. “Procurando” é um jeito simples de falar. O que elas estão fazendo é pesquisa, e pesquisas levam tempo, precisam de experimentação, de tentativas e erros. Não dá para pesquisar mais rápido porque o prazo legal está chegando.
A mudança mais próxima, no momento, é a substituição dos ânodos de grafite por eletrodos de silício, que podem armazenar mais energia que o grafite, mas por expandir e contrair durante a carga e descarga, têm sua vida útil reduzida em relação às baterias atuais. Portanto, o primeiro desafio é fazer essas baterias funcionarem por mais tempo antes de precisarem ser substituídas — e estima-se que isso levará até cinco anos. Ao menos a autonomia poderá ser duas vezes maior do que é hoje. Se tudo correr bem.
Parelelamente há pesquisas com dezenas de outros tipos de baterias, dos quais três estão mais avançados: as baterias de fluxo de oxirredução, as baterias de íons de lítio em estado sólido e as baterias de metal-ar.
As baterias de fluxo de oxirredução armazenam a energia em tanques como dois eletrólitos líquidos em vez de eletrodos negativos e positivos. Os eletrólitos geram eletricidade enquanto fluem através das células das baterias e têm como principal vantagem a possibilidade de se reabastecer os eletrólitos como se fossem gasolina em um posto. O problema dessa tecnologia é que os tanques ainda precisariam ser grandes demais (e por consequência pesados demais) para proporcionar a autonomia equivalente a de um carro movido a gasolina/etanol/diesel.
Por esse motivo um grupo de pesquisadores do Massachussets Institute of Technology, o famoso MIT, abandonou as baterias de fluxo de oxirredução para trabalhar em uma tecnologia de baterias chamada “íons de lítio semi-sólidas”. Nesse tipo de bateria um eletrólto sólido de cerâmica substitui o eletrólito líquido e, por isso, não se degrada com o tempo e ainda duplica a quantidade de energia que pode ser armazenada.
Como bônus, estas baterias não são inflamáveis e seu desempenho melhora com o calor, diferentemente das baterias atuais de íons de lítio, que perdem eficiência com o aquecimento e, por isso, precisam de arrefecimento líquido. Por outro lado, o eletrólito de cerâmica é cinco vezes mais pesado que os eletrólitos líquidos e ainda são frágeis, podendo se quebrar com os impactos inerentes à rodagem dos carros.
Já as baterias de metal-ar usam um fluxo de ar através da bateria para ativar a reação química que produz energia elétrica. Nesse sentido ela é semelhante às células de combustível, podendo ser “reabastecida” com ar comprimido. Contudo, por ser uma bateria com desenvolvimento recente, ale ainda tem um número muito limitado de cargas e recargas antes de esgotar sua vida útil.
E já que falamos em células de combustível, ainda existem os carros movidos por célula de combustível de hidrogênio, que produz energia elétrica por reação com um oxidante, e pode ser reabastecido em pouco tempo como um carro a gasolina.
Ainda há uma outra alternativa, sugerida principalmente por empresas de compartilhamento de veículos: a substituição do conjunto de baterias, um procedimento teoricamente tão rápido quando o reabastecimento do tanque de combustível. Mas existe uma diferença fundamental: baterias têm vida útil que afetam sua autonomia. Suponha que você pare em uma estação de substituição de baterias para trocar o pack por outro recarregado. Ele terá a mesma autonomia que seu pack anterior? Como planejar um roteiro de longa distância sem saber quantos quilômetros seu carro poderá rodar até a próxima troca de baterias? Como será o sistema de troca de baterias? Isso não irá acelerar o fim da vida útil do conjunto? O que nos leva ao último ponto desse papo.
As baterias podem ser um problema ambiental maior que as emissões
Qualquer um que já teve uma bateria “viciada” sabe que elas têm vida útil. Quando ela chega ao fim, você devolve ao fabricante descartando-as no local adequado, e troca por uma nova. O descarte das baterias é outra preocupação surgida com o aumento da demanda por carros elétricos.
As baterias comuns de chumbo-ácido são um dos produtos mais reciclados pela humanidade, porém seu processo é relativamente barato e seus componentes, abundantes. As baterias de íons de lítio são um pouco diferentes.
O processo de reciclagem é caro e dispendioso e, ainda que várias empresas já estejam se preparando para este aumento da demanda por reciclagem de baterias, ele também não será limpo como esperávamos. Principalmente porque a reciclagem das baterias consegue recuperar vários metais por meio de processos químicos, porém o lítio acaba misturado a um subproduto da reciclagem — que precisa de um descarte correto para não contaminar a água ou o solo. Para recuperar o lítio deste subproduto, é preciso um novo processo químico, que também gera um subproduto contaminante e representa um custo extra à já dispendiosa reciclagem.
As baterias também podem ser reutilizadas, mas o processo é igualmente dispendioso: é preciso separar as células manualmente de acordo com sua capacidade de retenção de carga para que elas possam ser reagrupadas por semelhança e reutilizadas em outras baterias de menor capacidade.
Como se não bastasse, o lítio é um recurso finito. Um metal encontrado em planícies salinas secas cuja mineração exige água abundante, que fatalmente será contaminada pelo metal e por agentes químicos tóxicos como o PVC. No Chile, que é uma das regiões mais abundantes em lítio no planeta, a mineração do metal gasta dois terços da água potável local.
Então como serão os carros nas próximas décadas?
Eles serão eletrificados, porém não puramente elétricos. A primeira fase desta transição está começando neste final de década e resultará nos veículos chamados “mild hybrids”, um termo que significa mais ou menos “levemente híbrido”. Eles são assim chamados porque não têm sistemas elétricos de alta tensão como um Toyota Prius, que usam sistemas de 100 a 300 volts.
Em vez disso eles usam motores elétricos mais compactos, de 48 volts, geralmente conectados entre o motor e o câmbio, e atuam como motores-geradores. Eles substituem de uma só vez o motor de partida e o alternador, fornecem eletricidade para os sistemas auxiliares como ar-condicionado, suspensão ativa, rádio e multimídia, além de auxiliar o motor a combustão na produção de potência. Dessa forma, o motor a combustão não é sobrecarregado com nenhuma polia de acessórios. Sem essa carga extra, os níveis de consumo são mais baixos e, consequentemente, as emissões serão reduzidas.
E eles continuarão evoluindo até o momento em que seus custos e benefícios começarem a se equiparar aos elétricos. A indústria automotiva prevê que os motores a combustão chegarão ao auge de sua eficiência em 2050.
Já os elétricos, eles obviamente continuarão por aí como opção aos mild hybrids, e deverão se popularizar inicialmente como um segundo carro da família destinado ao uso no trajeto casa-trabalho-escola-supermercado, e vão dividir a garagem com um carro maior, híbrido, capaz de oferecer praticidade onde a rede elétrica não chega.
https://www.flatout.com.br/sera-que-o-carro-eletrico-e-mesmo-viavel-em-escala-universal/
____________________________________________________________________________________________
Sem mais.