É preciso ter um certo cuidado com GTA 3 se nós quisermos ter um certo apreço pela verdade (ou, talvez melhor dizendo, pela justiça). Eu me recordo exatamente bem daquilo que ele representou em sua época de lançamento, pois era jogador viciado e comprada tudo quanto era de revista para me informar melhor. Ele foi, possivelmente até, o mais importante videogame de sua geração. Por quê? Ora, porque ele foi o primeiro game de que tenho notícia a tornar o (hoje predominante) gênero do open-world palpável como um novo paradigma em definitivo.
Sim, avanços anteriores já haviam sido realizados (como em Ocarina of Time, sem mencionar o maravilhoso Shenmue), mas nada tornava a sua realização algo tão tangível quanto GTA 3. Eu e meus amigos ficamos, à época, totalmente maravilhados e obcecados pelo jogo. Era como presenciar a abertura de um admirável mundo novo do entretenimento interativo. Ali havia uma "cidade de verdade", relativamente streamlined/sem grandes loading bars, com simulação de vida (ainda que com todas as suas limitações da época, é claro), uma atmosfera vibrante, com bairros diferentes, dinâmicas diferentes, etc. Ele também contava com um interessante sistema climático dinâmico que adicionava todo um charme especial ao jogo.
Ele também continha um divertido sistema de simulação de física, músicas "reais" (acessíveis nas hoje já tradicionais estações de rádio, o que fazia uma enorme diferença na nossa experiência com o jogo), o (atualmente já) tradicional sistema de "procurado pela polícia", chegando até a convocar o exército em nossa perseguição em seu mais grave estado de caos coletivo, e tudo isto, é claro, devidamente acompanhado por uma narrativa/estória que era tão profunda quanto ela precisava ser àquela altura - ou seja, muito pouco -, tudo para abarcar a constante porra-louquice maloqueira e inconsequente das nossas ações naquele universo.
Conclusão: era um jogo que exitosamente combinava um senso de realidade com um senso de irrealidade; de uma realística simulação da realidade com uma muito pouco realista liberdade de interagir com ela sem maiores consequências (exceção feita somente às puramente virtuais). Mas um "pequeno detalhe", com frequência negligenciado quando o assunto é GTA 3, são os seus gráficos: eles eram bons pra cacete - sim, mesmo contando aí a sua modelagem menos do que ideal. Pensemos apenas em seu senso de escala, até então inédito. Com todos aqueles sistemas dinâmicos correndo ao mesmo tempo e ainda conseguir segurar aqueles gráficos no PS2 ainda me parece ser um feito admirável.
É por todas estas razões (e mais tantas outras) que eu acho errado focar-se demasiadamente sobre San Andreas ou mesmo Vice City, e condenar GTA 3 apenas a um agridoce e ralo festejo de "um necessário ato inaugural". Foi GTA 3 quem deu o grande salto qualitativo. Se qualquer coisa, ele foi a grande revolução a partir da qual aqueles dois jogos (Vice City e San Andreas) foram "somente meros refinamentos" (é claro que San Andreas foi bem mais que isso, mas de maneira alguma ele se iguala em importância ao gesto de GTA 3).
Mas, finalmente respondendo à pergunta do OP (rsrs), eu só jogaria GTA 3 hoje se experienciado pelo infeccioso óculos do fator nostalgia - e isto inclui também o San Andreas, que, ao menos para mim, também se demonstra um tanto quanto tosco e rudimentar para ser amplamente apreciado pelos padrões de hoje em dia. Ainda podem ser passageiramente divertidos em uma eventualidade? Mas é claro que sim! Do mesmo modo com que basicamente qualquer outro bom jogo de videogame já produzido. Apenas não se anime muito achando que jogá-lo somente hoje e pela primeira vez o proverá necessariamente com um imediato insight da sua grandeza histórica.