Estava lendo (e tentando entender) um estudo que diz que o nível de IL-6 no sangue serve para prever a severidade dos casos de COVID-19
https://www.medrxiv.org/content/10.1101/2020.04.01.20047381v1
Fiquei um bom tempo tentando entender um pouco desses processos, e pelo que entendi (me corrijam) o IL-6 é uma proteína que faz parte do sistema complementar e atua no processo inflamatório.
A coisa é bem complicada, mas ter em excesso IL-6 pode ser que a pessoa já tem um processo inflamatório, e o virus parece que usa tal proteína para ser mais agressivo e confundir as células-T (pelo que entendi)... então tratamento inibidores do IL-6 como interferon podem ajudar a reduzir a gravidade dos casos.
É um estudo bem interessante, e talvez seja possível onde ficar pacientes que tem mais risco de terem um caso grave e tratar antes que isso ocorra.
Quem entender mais me corrija por favor, perdi muito tempo nesse buraco negro lendo sobre o assunto e entendi quase nada :/ (mas mesmo assim achei interessante)
O que o estudo fez foi analisar várias características de um pequeno número de pacientes no momento em que chegaram ao serviço e, depois de um tempo, ver quais características no momento da chegada estavam associadas ao uso de ventilação mecânica.
Olharam um monte de coisa e depois viram que certas características eram mais comuns nos caras que mais tarde precisariam ser intubados.
Algumas características não tiveram associação nenhuma com necessidade de ventilação mecânica (algumas provavelmente por ser um número relativamente pequeno de pacientes), outras tiveram associação (por exemplo, os pacientes com frequência cardíaca mais alta na chegada precisaram mais de ventilação mecânica que os que tinham frequência cardíaca mais baixa).
Aqui é importante lembrar que associação é muito diferente de correlação. Não é a frequência cardíaca mais alta que faz a pessoa precisar de ventilação mecânica, mas é uma característica de doentes mais graves.
Por exemplo, ter um isqueiro no bolso está associado a ter câncer de pulmão. Não é o fato de ter um isqueiro no bolso que faz a pessoa ter câncer de pulmão, tirar o isqueiro do bolso não previne câncer de pulmão, botar um isqueiro no bolso não causa câncer de pulmão. São só duas coisas (isqueiro no bolso e câncer de pulmão) comuns em quem fuma. Existe associação entre essas coisas, mas uma não é causa da outra.
Também é importante lembrar que associação não quer dizer marcador com 100% de acurácia: no grupo de pessoas com frequência cardíaca mais alta, foi um pouco mais comum precisar de ventilação mecânica. Não quer dizer que quem tem frequência cardíaca alta está condenado nem que quem tem frequência cardíaca baixa está seguro.
Voltando ao artigo, quando os caras olharam um monte de variáveis, viram uma associação bastante forte de interleucina 6 com necessidade de ventilação mecânica. O que isso quer dizer? Não muito.
Nesse estudo pequeno encontraram uma associação boa. Talvez se dosarmos interleucina 6 de entrada no hospital em uma população parecida com a do estudo dê pra “encontrar” precocemente doentes que vão precisar de ventilação mecânica. A proposta é essa. Encontrar pacientes em quem valeria a pena “ficar mais de olho”.
O que isso quer dizer? Muito pouca coisa. Primeiro que é um estudo pequeno, que nem foi revisado (nem publicado em forma final), não mostra (no resumo pré-publicação) qual população testou em detalhes etc...
Além disso, no próprio estudo a mediana do tempo de chegada para intubação foi de dois dias. Isso quer dizer que das pessoas que precisaram ser intubadas, metade foi intubada em até dois dias. Sabe quanto tempo demora pra sair hoje uma dosagem de interleucina 6 em um hospital de milionários? Quatro, cinco dias (eu sei porque estão dosando a porra toda em muitos lugares). Mesmo sendo um marcador perfeito que funcionasse para uma população de pronto socorro nossa, só conseguiríamos identificar os pacientes com maior risco de ser intubados depois de quatro ou cinco dias (quando a maior parte dos que evoluiria mal talvez já tivesse sido intubada).
Estudos assim são interessantes pra pesquisadores e pra gerar mais hipóteses. A aplicação prática é limitada. Sinceramente não acho que um leigo vai tirar nada de bom tentando ler isso daí.