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[Marxismo de direita] Esqueça a direita do Konami Code (a direita tradicional e também a alt-right)

xDoom

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Quanta baboseira pra se disfarçar de esquerdista por vergonha.
 

Ivo Maropo

Bam-bam-bam
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Marxismo de direita é bem explicado nessa passagem abaixo. É uma provocação, algo para criar confusão, mas também uma abordagem distinta sobre algumas das questões levantadas pelo barbudo:

"Marx tem um grande pensamento: os meios de produção se impõem socialmente como um imperativo efetivo. Para qualquer esquerdista, isto é, claro, patológico. Como já vimos, a biologia e a economia (de forma mais geral) estão dispostas a concordar. A digressão por si só é uma perversão da ordem natural e social. Defensores do mercado – os austríacos mais proeminentemente – tomaram o lado da economia contra Marx, negando que a autonomização do capital seja um fenômeno a ser reconhecido. Quando Marx descreve a burguesia como órgãos robóticos do capital auto-direcionador, a velha resposta liberal tem sido defender a humanidade e a agência da classe economicamente executiva, como expressa na figura do empreendedor.

O Marxismo de Direita, alinhado com a autonomização do capital (e completamente despojado da absurda TVT), tem sido uma posição não ocupada. A assinatura de seus proponentes seria uma defesa da acumulação de capital enquanto um fim-em-si-mesmo, contra-subordinando a natureza e a sociedade como um meio. Quando a otimização de inteligência é auto-montada dentro da história, ela se manifesta enquanto digressão que escapa, ou acumulação de capital real (que é mistificada por sua representação financeira). Crudificada ao limite – mas não além – ela é robótica geral (produção indireta escalada). Talvez não devêssemos esperar que ela seja claramente anunciada, porque – estrategicamente – ela tem toda a razão para se camuflar.
"

Sobre Deleuze e Guattari, eu conheço pouco esses trabalhos antigos do primeiro, à exceção de Spinoza - Filosofia Prática (que foi amor à primeira vista, um ótimo "encontro", para usar um termo espinosano), mas sei que há trabalhos interessantes sobre Hume (quem eu também tenho interesse), a revitalização de Nietzsche nos anos 60 (junto de Foucault e outros na academia francesa), uns escritos aqui e ali sobre Lucrécio, etc. Ele foi um comentador prolífico. Também sei que Diferença e Repetição é um ótimo trabalho, considerado por muitos o melhor dele.

Acho que o "encontro" do filósofo (Deleuze) com o psicanalista militante (Guattari) foi muito feliz. A partir daí se criou um "rizoma" entre os dois, aonde não há zona de distinção entre quem é o filósofo e quem é o psicanalista, quem pensou ou quem deu tal ideia - seria uma tarefa vã. Dos conceitos que eram de Guattari e sabemos, foi interessante para o niilismo radical dos dois a ideia do maquínico e do inconsciente:

"Segundo Broeckmann (2001), em Guattari o maquínico não está necessariamente ligado a objetos tecnológicos ou mecânicos:

As máquinas podem ser corpos sociais, complexos industriais, formações psicológicas ou culturais, bem como complexos de desejos agenciando indivíduos, materiais, instrumentos, regras e convenções que, em conjunto, constituem-se máquina. As máquinas são junções de pedaços heterogêneos, a agregação que transforma as forças, articula e impulsiona seus elementos e os coloca em estado de contínua transformação. (Id., Ibid. 2001, p.116, tradução nossa).
"

De "A Linguagem entre o Devir e a Alienação", capítulo 3, citando trecho de Guattari:

"Vejo o inconsciente antes como algo que se derramaria um pouco em toda
a parte em nosso redor, bem como nos gestos, nos objetos quotidianos,
na tevê, no clima do tempo e mesmo, e talvez principalmente, nos
grandes problemas do momento. (Penso, por exemplo, na questão da
"escolha da sociedade" que vem invariavelmente à tona em cada
campanha eleitoral). Logo, um inconsciente trabalhando tanto no interior
dos indivíduos, na sua maneira de perceber o mundo, de viver seus
corpos, seu território, seu sexo, quanto no interior do casal, da família, da
escola, do bairro, das usinas, dos estádios, das universidades [...] Dito de
outro modo, não um inconsciente dos especialistas do inconsciente, não
um in-consciente cristalizado no passado, petrificado num discurso
institucionalizado, mas ao contrário, voltado para o futuro, um
inconsciente cuja trama não seria senão o próprio possível, o possível à
flor da linguagem, mas também o possível à flor da pele, à flor do socius, à
flor do cosmos... Por que colar-lhe esta etiqueta de "inconsciente
maquínico"? Simplesmente para sublinhar que está povoado não somente
de imagens e de palavras, mas também de todas as espécies de
maquinismos que o conduzem a produzir e reproduzir estas imagens e
palavras.
"

O começo radical e insano do Anti-Édipo já afirma o "fluxo" da proposta ontológica dos dois, à maneira da Substância de Espinosa, o inconsciente para os dois permeia toda a natureza (novamente, sem zona de distinção entre homem e natureza), indo muito além das categorias edipianas lacanianas (real, imaginário e simbólico). É uma matéria sensível na qual inúmeros "agenciamentos" (sem passar pela consciência) ocorrem sem um roteiro definido, às vezes quebrando expectativas de especialistas (a questão do corpo - "o que um corpo é capaz?" -, presente em Espinosa deleuziano e Nietzsche retorna aqui).

Essa "zona de indistinção" também foi uma virada importante com o paradigma kantiano, no qual toda a filosofia ocidental coloca uma interioridade subjetiva (consciência, sujeito) e uma exterioridade objetiva (objetos ao sujeito se relacionar). D&G afirmam o contrário, uma dimensão aonde nós somos também objetos (a ideia de objetos parciais) e um mundo [exterioridade] subjetivo, sensível, que vibra sem a mediação humana - para conseguir essa percepção é necessária uma "arte", um agenciamento com o não-humano. (Isso abriu um leque importante para um "anti-humanismo descritivo", como disse o Land, até em filósofos recentes [de 2000 para cá], que são enquadrados no rótulo de "Object-Oriented Ontology" [OOO], que busca, por exemplo, pensar sobre a potência oculta dos objetos).

A ontologia de objetos parciais permite compreender como eles se relacionam, nunca em sentido de totalidade, sempre multiplicidade, e é uma vantagem sobre as interpretações dialéticas-hegelianas tradicionais sobre a História, como diz Wolfendale:

"2. D&G’s re-description of the transition from feudalism to capitalism – in terms of a process of deterritorialisation of social structures and norms that gives way to a process of reterritorialisation whereby these norms are selectively re-implemented – provides a vocabulary for discussing capitalism’s ability to selectively re-create feudal relations (e.g., as ever newer, more insidious forms of patriarchy, oligarchy, and colonialism) that avoids the bluntness of the discourse of real subsumption, which tends to dissolve concrete details into a homogeneous capitalist monolith (often ironically equated with 'real abstraction')."

O foco aqui é no aceler@cionismo, não em qualquer anarquismo, apenas do último como uma inspiração anárquica e caótica (não-programática), e apesar da aceleração se prestar a uma erosão contínua do Estado através da capitalização (liberação de fluxos) de seus órgãos. A tecno-ciência não é inteiramente positiva porque, como já falei na explicação da ontologia de objetos parciais de inspiração espinosana, os acoplamentos e agenciamentos são parciais, não totais. Estão no caso a caso, não na totalidade (ainda que o saldo possa ser positivo). E principalmente, podemos cavalgar os fluxos de desterritorialização, que permitem o escape, a transformação, a criação, mas a dinâmica capitalista também opera na reterritorialização capturando e se utilizando de "estruturas" tradicionais (opressivas) para gerar valorização, excitar a si mesma.

Ainda assim, pela teoria da cibernética, esse não é simplesmente um circuito de feedback, que se consome todo no final. É por conta da digressão do investimento capitalista, essa parte que é reintroduzida como "diferencial", que ele é positivo, produtivo. Não é um simples "loop", mas o movimento que serviria para descrevê-lo é uma espiral (para fora - apesar do capitalismo se expandir extensivamente, como também intensivamente). Não temos como prever claramente o que vai acontecer, mas é um processo que sem dúvidas traz abundância e sua aceleração é uma oportunidade ao desconhecido (em espaços de) pós-capitalismo na medida que ele se torna cada vez mais uma máquina independente do corpo social.

Será um processo difícil porque a nossa subjetividade está capturada nessa teia dinâmica. As teorias sociais que investigam condições de possibilidade para a emancipação (na maioria) ainda estão presas nas grandes categorias "molares" das ciências humanas (o trabalho, a nação, o Estado, o partido, o proletariado, etc.), enquanto as formas "moleculares" (ligadas ao inconsciente, à produção desejante) permanecem um campo sobre o rótulo do "pós-moderno", quando práticas materialistas/imanentes que nos façam atingir o ponto exato de perturbação do ritmo da "maré" da captura do capitalismo que são a grande questão. Já que o problema sempre foi em parte a meditação de Espinosa e Étienne de La Boétie, da "servidão voluntária", afinal desejamos a nossa própria repressão ao sustentar essa montanha de cansaço. Nossos sonhos, nosso investimento vital, nossas expectativas, são sugadas por essa máquina social.

Nossos ideais estéticos. A "hiperstição" (hyperstition, ideia do Cybernetic Culture Research Unit - CCRU) fomentada por empresas de videogame, que fazem jogos acontecerem/existirem meramente usando do nosso "hype". É preciso criar uma "máquina de guerra" que faça frente ao "sistema", não nesses aspectos indiferentes (ou até "agradáveis", como no caso dos jogos), mas justamente nesse subterrâneo de exploração, mas que é uma máquina social também mantida por esses incentivos "ideológicos". Acelerar o seu ritmo é parte da solução, é aonde as brechas surgem. Combatê-lo meramente no aspecto "molar" é um erro, porque ele se reorganizará em outro local ou escala muito fácil, dará uma volta. É preciso um quê de loucura para ultrapassá-lo.

Esse texto também é muito bom:

"Re-Aceleracionismo

Existe uma palavra para um ‘argumento’ tão ensopadamente insubstancial que tem que ser recolhido entre um par de aspas para ser apreendido, mesmo em sua auto-dissolução? Se existisse, eu a estaria usando o tempo todo recentemente. Entre as últimas ocorrências está um post do blog de Charlie Stross, que se descreve como “uma especulação política”, antes de desaparecer no gosmenon cinza. Nada nele realmente se mantém, mas é divertido à sua própria maneira, especialmente se for tomado como um sinal de alguma outra coisa.

A ‘outra coisa’ é uma cumplicidade subterrânea entre a Neorreação e o Aceleracionismo (o último linkado aqui, no estilo de Stross, em sua forma mais recente e Esquerdista). Comunicando-se com seu companheiro ‘Martelo da Neorreação’ David Brin, Stross pergunta: “David, você já se deparou com o equivalente esquerdista dos Neo-Reacionários – os Aceleracionistas?” Ele então continua, convidativamente: “Eis aqui minha (irreverente) opinião sobre ambas as ideologias: Singularitários trotskistas pelo Monarquismo!”

Stross é um romancista cômico-futurista, então é irrealista esperar muito mais do que uma diversão dramática (ou qualquer coisa mais que seja, na verdade). Depois de um divertido meandro por entre as partes do grafo social trotskista-neolibertário, que poderia ter sido depositado em uma curva de tipo tempo saindo de Singularity Sky, aprendemos que o Partido Comunista Revolucionário Britânico tem estado em um estranho caminho, mas qualquer conexão que houvesse com o Aceleracionismo, quanto mais com a Neorreação, se perdeu inteiramente. Stross tem o instinto teatral de acabar com a performance antes que ela se tornasse embaraçosa demais: “Bem-vindos ao século dos monarquistas trostskistas, dos reacionários revolucionários e da política extremista do paradoxal!” (OK.) A cortina se fecha. Ainda assim, tudo foi comparativamente bem humorado (pelo menos em contraste com o bate-cabeça cada vez mais raivoso de Brin).

A Neorreação é o Aceleracionismo com um pneu furado. Descrita de maneira menos figurativa, ela é o reconhecimento de que a tendência de aceleração é historicamente compensada. Além da máquina de velocidade, ou capitalismo industrial, há um desacelerador cada vez mais perfeitamente pesado, que gradualmente drena o impulso tecno-econômico para dentro de sua própria expansão, conforme ele retorna o processo dinâmico à meta-estase. Comicamente, a fabricação deste mecanismo de freio é proclamada como progresso. É a Grande Obra da Esquerda. A Neorreação surge como resultado de nomeá-la (sem afetação excessiva) como a Catedral.

A armadilha deve ser explodida (como advogado pelo Aceleracionismo) ou a explosão foi presa (como diagnosticado pela Neorreação)? – Esta é a casa do enigma cibernético sob investigação. Um esboço rápido do pano de fundo poderia ser útil.

O catalisador germinal para o Aceleracionismo foi um chamado, no Anti-Édipo de Deleuze & Guattari, para se “acelerar o processo”. Trabalhando como cupins dentro da mansão em decomposição do Marxismo, que foi sistematicamente eviscerada de todo hegelianismo até se tornar algo totalmente irreconhecível, D&G veementemente rejeitaram a proposta de qualquer coisa jamais tivera “morrido de contradições”, ou jamais iria. O capitalismo não nasceu de uma negação, tampouco iria ele perecer de uma. A morte do capitalismo não poderia ser entregue pelo machado do carrasco de um proletariado vingativo, porque as aproximações realizáveis mais próximas do ‘negativo’ eram inibitórias e estabilizantes. Longe de propelir ‘o sistema’ a seu fim, elas reduziam a dinâmica a um simulacro de sistematicidade, retardando sua aproximação de um limite absoluto. Ao progressivamente comatizar o capitalismo, o anti-capitalismo o arrastava de volta a uma estrutura social de auto-conservação, suprimindo sua implicação escatológica. O único caminho Para Fora era adiante.

O Marxismo é a versão filosófica de um sotaque parisiense, um tipo retórico, e, no caso de D&G, ele se torna algo semelhante a um sarcasmo superior, zombando de cada princípio significativo da fé. A bibliografia de Capitalismo e Esquizofrenia (do qual Anti-Édipo é o primeiro volume) é um compêndio de teoria contra-Marxista, desde revisões drásticas (Braudel), passando por críticas explícitas (Wittfogel), até rejeições desdenhosas (Nietzsche). O modelo de capitalismo de D&G não é dialético, mas cibernético, definido por um acoplamento positivo de comercialização (“decodificação”) e industrialização (“Desterritorialização”), tendendo intrinsecamente a um extremo (ou “limite absoluto”). O capitalismo é a instalação histórica singular de uma máquina social embasada em escalação cibernética (feedback positivo), se reproduzindo apenas incidentalmente, como um acidente na contínua revolução socio-industrial. Nada exercido contra o capitalismo pode se comparar ao antagonismo intrínseco que ele dirige à sua própria atualidade, confirme ele acelera para fora de si, arremessando-se ao fim já operacional ‘dentro’ dele. (Claro, isto é loucura.)

Uma apreciação detalhada do “Aceleracionismo de Esquerda” é uma piada para uma outra ocasião. “Falando em nome de uma facção dissidente dentro do mecanismo de freio moderno, nós realmente gostaríamos de ver as coisas progredirem muito mais rápido.” OK, talvez possamos trabalhar em alguma coisa… Se isso ‘levar a algum lugar’, só pode ficar mais divertido. (Stross está certo sobre isso.)


A Neorreação tem um ímpeto bem maior e uma diversidade associada. Se reduzida a um espectro, ela inclui um ala ainda mais Esquerdista que a Esquerda, uma vez que critica a Catedral por falhar em parar a loucura da Modernidade com nada parecido com o vigor suficiente. Você deixou este monstro sair da coleira e agora não consegue pará-lo poderia ser sua acusação característica.


Na Direita Exterior (neste sentido) se encontra um Re-Aceleracionismo Neorreacionário, o que é dizer: uma crítica do desacelerador, ou da estagnação ‘progressista’ enquanto desenvolvimento institucional identificável – a Catedral. Desta perspectiva, a Catedral adquire sua definição teleológica a partir de sua função emergente enquanto cancelamento do capitalismo: o que ela tem que se tornar é o negativo mais ou menos precisa do processo histórico primário, de tal modo que componha – junto com a cada vez mais extensa sociedade em liquidação que ela parasita – um mega-sistema cibernético metastático, ou armadilha super-social. ‘Progresso’, em sua encarnação manifesta, madura, ideológica, é a anti-tendência necessária para levar a história à imobilidade. Conceba o que é necessário para impedir a aceleração até a Singularidade tecno-comercial, e a Catedral é o que isso será.

Aparatos compensatórios auto-organizantes – ou montagens de feedback negativo – se desenvolvem de maneira errática. Eles buscam equilíbrio através de um comportamento típico rotulado ‘caça’ – ajustes ultrapassantes e re-ajustes que produzem padrões ondulatórios distintivos, garantindo a supressão da dinâmica de fuga, mas produzindo volatilidade. Esperar-se-ia que um comportamento de caça da Catedral de suficiente crueza gerasse ocasiões de ‘Singularidade da Esquerda’ (com subsequentes ‘restaurações’ dinâmicas) como ultrapassagens inibitórias de ajuste para um travamento (e reinicialização) do sistema. Mesmo estas oscilações extremas, contudo, são internas ao super-sistema metastático que elas perturbam, na medida em que um gradiente geral de Catedralização persiste. Antecipar a escapada no limite péssimo do ciclo de caça metastático é uma forma de ilusão paleo-marxista. A jaula só pode ser rompida no caminho para cima.

Para a Neorreação Re-Aceleracionista, a escapada para dentro da fuga cibernética descompensada é o objetivo guia – estritamente equivalente à explosão de inteligência, ou Singularidade tecno-comercial. Tudo o mais é uma armadilha (por necessidade definitiva da dinâmica do sistema). Pode ser que monarcas tenham algum papel a desempenhar nisso, mas não está de maneira alguma óbvio que eles tenham."

https://xenosistemas.wordpress.com/2016/09/23/re-aceleracionismo/
Há um bocado de coisa aí, não? Gostaria muito de ter tempo (bem como disposição) de debater melhor sobre os assuntos (cujas implicações ontológicas e político-ideológicas são obviamente severas). Eu literalmente não sei por onde começar. Não há como desenvolver uma linha de raciocínio de forma mais apropriada aqui, creio eu. Só chegaremos (quando muito) em pseudo-pontos e breves esboços iniciais de possíveis indicações gerais.

Contudo, uma coisa que devemos ter sempre em mente, é que uma leitura atenta e aproximada de um grande autor sempre dá trabalho. É preciso ser exaustivo ao se perscrutá-lo. Isto vale não só para Deleuze, cujo real cerne de pensamento permanece, para alguns, ainda algo indecifrável, como (principalmente) para Hegel, cuja caricatura zombeteira de "idealista absoluto" não lhe provê com outra coisa que não um desserviço. Inclusive, acho que Deleuze tem muito de hegeliano (sim, Deleuze).

A sua ontologia de, assim digamos, um "processo sem sujeito", em que, dando prosseguimento à metáfora biológica, um órgão pode funcionar sem um corpo, num incessante fluxo de devir múltiplo virtual-autonomizado, próprio da dimensão da "Vida" e da Lebensphilosophie em geral (e aqui, Deleuze revela todo o seu amor incondicional por Nietzsche e Espinoza), é certamente algo fascinante, cuja lógica básica está também presente em outros conceitos deleuzianos famosos, como o de "rizoma" e da "desterritorialização".

Sei que você está mais do lado de Deleuze, Nietzsche e Espinoza, mas eu permaneço aqui um resoluto hegeliano (mas um hegeliano que procura ler Hegel "contra os seus próprios interesses", e através de uma matriz teórica algo inesperada: a da psicanálise freudo-lacaniana). Eu acompanho a tese de alguns autores contemporâneos de que a chave para um materialismo (dialético) filosófico suficientemente capaz de igualar-se ao materialismo científico da teoria da relatividade, está numa leitura atenta e "lacan(izada)" de Hegel, e não em Deleuze, por exemplo, cujo materialismo, ao menos acredito eu, sofre de certas insuficiências.

Hegel permanece uma paradoxal "serpente dialética", sempre disposta a contorcer-se perante o próprio eixo de sua estrutura, e exitosamente devolver o golpe ao seu ofensor. Há uma série de equívocos históricos sobre Hegel. A começar de sua própria noção de "sujeito transcendental", que não tem nada a ver com um apregoado agenciamento substancial a priori (ou a velha vulgata do "idealista absoluto", onde "tudo o que é real é racional"), mas está muito mais próximo do "processo sem sujeito" de Deleuze. Não há "Substância" em Hegel, mas apenas uma "$ubstância", uma "substância barrada", ontologicamente impossível, incompleta.

"Sujeito" é apenas o nome dado para o registro transcendental da inerente falha da "Substância" em se auto-atualizar/ser idêntica a si própria; isto é, ele não passa aqui do incessante e indivisível resto retroativo (do "trabalho negativo") deste "falhar". Portanto, não é que o "monismo" da Substância espinozana é demasiado radical para ser propriamente pensado em Hegel, mas sim que ele não é radical o suficiente. É claro que isto não "responde" coisa alguma, mas pelo menos pode servir de possível esboço inicial para algumas linhas gerais de pensamento sobre o(s) assunto(s) aqui apontados.
 

Jujuba o cão idealista

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A moderação deu um ultimato nele depois de espalhar o câncer "todo homem é um estuprador em potencial" ai ele ficou pianinho
se eu responder uns posts b*sta como esse seu eu sou banido rapidão, bicho. nem tem como brincar desse jeito.

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Jujuba o cão idealista

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Interessante ouvir isso de você.


Voce anda sumido hein moleque.

O que aconteceu ?
é o que o bonogo falou, depois dessa fita eu achei que não dava muito pra confiar no julgamento da moderação, que não era um jogo muito justo. na época eu tentava ir adequando minhas postagens pra ver até onde era o limite do que eu escrevia e o do fórum. foi divertido, na verdade.
se eu fosse falar normalmente, seria banido em dois ou três posts. lol

mas faz tempo isso. hoje eu só não tenho muito saco. fórum consome muito tempo. este tópico mesmo é interessante, mas é coisa demais.


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Pingu77

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Há um bocado de coisa aí, não? Gostaria muito de ter tempo (bem como disposição) de debater melhor sobre os assuntos (cujas implicações ontológicas e político-ideológicas são obviamente severas). Eu literalmente não sei por onde começar. Não há como desenvolver uma linha de raciocínio de forma mais apropriada aqui, creio eu. Só chegaremos (quando muito) em pseudo-pontos e breves esboços iniciais de possíveis indicações gerais.

Contudo, uma coisa que devemos ter sempre em mente, é que uma leitura atenta e aproximada de um grande autor sempre dá trabalho. É preciso ser exaustivo ao se perscrutá-lo. Isto vale não só para Deleuze, cujo real cerne de pensamento permanece, para alguns, ainda algo indecifrável, como (principalmente) para Hegel, cuja caricatura zombeteira de "idealista absoluto" não lhe provê com outra coisa que não um desserviço. Inclusive, acho que Deleuze tem muito de hegeliano (sim, Deleuze).

A sua ontologia de, assim digamos, um "processo sem sujeito", em que, dando prosseguimento à metáfora biológica, um órgão pode funcionar sem um corpo, num incessante fluxo de devir múltiplo virtual-autonomizado, próprio da dimensão da "Vida" e da Lebensphilosophie em geral (e aqui, Deleuze revela todo o seu amor incondicional por Nietzsche e Espinoza), é certamente algo fascinante, cuja lógica básica está também presente em outros conceitos deleuzianos famosos, como o de "rizoma" e da "desterritorialização".

Sei que você está mais do lado de Deleuze, Nietzsche e Espinoza, mas eu permaneço aqui um resoluto hegeliano (mas um hegeliano que procura ler Hegel "contra os seus próprios interesses", e através de uma matriz teórica algo inesperada: a da psicanálise freudo-lacaniana). Eu acompanho a tese de alguns autores contemporâneos de que a chave para um materialismo (dialético) filosófico suficientemente capaz de igualar-se ao materialismo científico da teoria da relatividade, está numa leitura atenta e "lacan(izada)" de Hegel, e não em Deleuze, por exemplo, cujo materialismo, ao menos acredito eu, sofre de certas insuficiências.

Hegel permanece uma paradoxal "serpente dialética", sempre disposta a contorcer-se perante o próprio eixo de sua estrutura, e exitosamente devolver o golpe ao seu ofensor. Há uma série de equívocos históricos sobre Hegel. A começar de sua própria noção de "sujeito transcendental", que não tem nada a ver com um apregoado agenciamento substancial a priori (ou a velha vulgata do "idealista absoluto", onde "tudo o que é real é racional"), mas está muito mais próximo do "processo sem sujeito" de Deleuze. Não há "Substância" em Hegel, mas apenas uma "$ubstância", uma "substância barrada", ontologicamente impossível, incompleta.

"Sujeito" é apenas o nome dado para o registro transcendental da inerente falha da "Substância" em se auto-atualizar/ser idêntica a si própria; isto é, ele não passa aqui do incessante e indivisível resto retroativo (do "trabalho negativo") deste "falhar". Portanto, não é que o "monismo" da Substância espinozana é demasiado radical para ser propriamente pensado em Hegel, mas sim que ele não é radical o suficiente. É claro que isto não "responde" coisa alguma, mas pelo menos pode servir de possível esboço inicial para algumas linhas gerais de pensamento sobre o(s) assunto(s) aqui apontados.

Com certeza, em relação a essas caricaturas da filosofia. Penso que essa era uma questão da época, os anos 60 e 70 na academia francesa. Em relação a Marx e Espinosa, por exemplo, Pierre Macherey escreveu o enfático "Hegel ou Spinoza" (1977). Além de ser conhecida a tentativa de Althusser de anular o hegelianismo em Marx tendo o Espinosa como via. E, principalmente, os esforços do Negri (autor ao qual também gosto) em interpretações originais sobre o judeu-português para o materialismo marxiano. Isso sem repetir o trabalho do Deleuze.

"First steps in such a thought-experiment have already been taken. Most notably, Althusser's efforts to expunge Hegelianism from Marx's work involved replacing Hegel with Spinoza in many respects, although the extent of Althusser's reliance on and confidence in Spinoza remains unclear. More dramatically, Antonio Negri has argued in favor of Spinoza's materialism, suggesting it is an important, early-modern precursor of Marx's fully modern materialism. Pierre Macherey has staged a direct confrontation between Spinoza and Hegel, stressing the degree to which the former eludes the grasp of the latter's history of philosophy, and therefore represents an important alternative to Hegelian views. Gilles Deleuze, finally, has mined the western philosophical tradition for alternatives to Hegel, among which Spinoza must be counted as one of the most important.2 These are the primary resources upon which I will draw in tracing the outlines of a Spinozan alternative to Hegelian Marxism.

First, though, a brief sketch of why alternatives to Hegel and Hegelian Marxism have seemed so desirable over the course of the last few decades. In Althusser's own case, there were battles to be fought against Stalinism within the French Communist Party.3 For Deleuze and much of poststructuralism, there was the attraction of Nietzsche (who had himself cited Spinoza as a precursor), whose views and method contrasted sharply with those of Hegel, if not of Marx himself.4 More generally, the impetus to reevaluate Hegelian Marxism in France arose in response to a number of post-war developments, in the fields of politics and academics alike: the decline of the French working class as a "class-conscious" political actor, and of the French Communist Party as its "revolutionary" vanguard, in Fifth Republic politics and society; but also the demise of Soviet and Chinese Communisms as viable or attractive Marx-inspired regimes; and within academics, the growing dissatisfaction with certain Hegelian elements of Marxism, among historians as well as philosophers themselves.5

(...)


But in a subsequent (and so far un-translated) work, Hegel ou Spinoza (1979), he returns to the source of that distinction, and examines the issues at stake in choosing between Spinoza and Hegel.10 Althusser had, in his Essays in self-criticism, already outlined some of the benefits of Spinozan materialism to the project of freeing Marxism from Hegelian idealism: a conception of ideology as a "materialism of the imaginary" and of science as basically mathematical (derived from the first two of Spinoza's three kinds of knowledge); a model of non-transcendent causality whereby the ("absent") cause is immanent in its effects (which Althusser later regretted calling "structural" causality); and a view of human action and history that was anti-subjective and resolutely non-teleological. Against the backdrop of Althusser's work (cited p.11), but without considering the implications for Marx or Marxism, Macherey sets out in Hegel ou Spinoza to explain why Spinoza represents the "true alternative to Hegelian philosophy" (13)."

Eu ainda sou atento a produções hegelianas e acompanho esporadicamente textos lacanianos-hegelianos do Christian Dunker, do Safatle e do Zizek. Tem algo a recomendar? Os comentadores (de D&G) dizem que há resquícios de dialética no Anti-Édipo, principalmente na oposição entre os polos esquizo e paranoico. A pura afirmação, a eliminação do "negativo", só seria alcançada no "trabalho maduro" dos autores, que seria o Mil Platôs. Ainda assim, conforme eu li até agora (não terminei o Mil Platôs ainda), se perderia do trabalho anterior (Anti-Édipo) o processo esquizofrênico como uma forma anárquica, caótica, livre, que criaria caminhos imprevisíveis.
 

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O tópico vai continuar esse monólogo com o OP citando textões , só pra validar esse termo que ele mesmo criou ?


Parece que ninguém se importa, e o OP fica insistindo nesse assunto ..


Por favor, deixe o livre diálogo em paz, assim como o livre mercado, e parem de acreditar em teorias ultrapassadas.


Marx está morto, e precisa ser enterrado. As viuvinhas parem de chorar por favor.
 

sparcx86_GHOST

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para que o marxismo de direita funcione ele teria de tolhir algumas liberdades individuais assim como, querem alguns conservadores. pelo visto acho que iriamos cair no mesmo erro.
 

Ivo Maropo

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353
Com certeza, em relação a essas caricaturas da filosofia. Penso que essa era uma questão da época, os anos 60 e 70 na academia francesa. Em relação a Marx e Espinosa, por exemplo, Pierre Macherey escreveu o enfático "Hegel ou Spinoza" (1977). Além de ser conhecida a tentativa de Althusser de anular o hegelianismo em Marx tendo o Espinosa como via. E, principalmente, os esforços do Negri (autor ao qual também gosto) em interpretações originais sobre o judeu-português para o materialismo marxiano. Isso sem repetir o trabalho do Deleuze.

"First steps in such a thought-experiment have already been taken. Most notably, Althusser's efforts to expunge Hegelianism from Marx's work involved replacing Hegel with Spinoza in many respects, although the extent of Althusser's reliance on and confidence in Spinoza remains unclear. More dramatically, Antonio Negri has argued in favor of Spinoza's materialism, suggesting it is an important, early-modern precursor of Marx's fully modern materialism. Pierre Macherey has staged a direct confrontation between Spinoza and Hegel, stressing the degree to which the former eludes the grasp of the latter's history of philosophy, and therefore represents an important alternative to Hegelian views. Gilles Deleuze, finally, has mined the western philosophical tradition for alternatives to Hegel, among which Spinoza must be counted as one of the most important.2 These are the primary resources upon which I will draw in tracing the outlines of a Spinozan alternative to Hegelian Marxism.

First, though, a brief sketch of why alternatives to Hegel and Hegelian Marxism have seemed so desirable over the course of the last few decades. In Althusser's own case, there were battles to be fought against Stalinism within the French Communist Party.3 For Deleuze and much of poststructuralism, there was the attraction of Nietzsche (who had himself cited Spinoza as a precursor), whose views and method contrasted sharply with those of Hegel, if not of Marx himself.4 More generally, the impetus to reevaluate Hegelian Marxism in France arose in response to a number of post-war developments, in the fields of politics and academics alike: the decline of the French working class as a "class-conscious" political actor, and of the French Communist Party as its "revolutionary" vanguard, in Fifth Republic politics and society; but also the demise of Soviet and Chinese Communisms as viable or attractive Marx-inspired regimes; and within academics, the growing dissatisfaction with certain Hegelian elements of Marxism, among historians as well as philosophers themselves.5

(...)


But in a subsequent (and so far un-translated) work, Hegel ou Spinoza (1979), he returns to the source of that distinction, and examines the issues at stake in choosing between Spinoza and Hegel.10 Althusser had, in his Essays in self-criticism, already outlined some of the benefits of Spinozan materialism to the project of freeing Marxism from Hegelian idealism: a conception of ideology as a "materialism of the imaginary" and of science as basically mathematical (derived from the first two of Spinoza's three kinds of knowledge); a model of non-transcendent causality whereby the ("absent") cause is immanent in its effects (which Althusser later regretted calling "structural" causality); and a view of human action and history that was anti-subjective and resolutely non-teleological. Against the backdrop of Althusser's work (cited p.11), but without considering the implications for Marx or Marxism, Macherey sets out in Hegel ou Spinoza to explain why Spinoza represents the "true alternative to Hegelian philosophy" (13)."

Eu ainda sou atento a produções hegelianas e acompanho esporadicamente textos lacanianos-hegelianos do Christian Dunker, do Safatle e do Zizek. Tem algo a recomendar? Os comentadores (de D&G) dizem que há resquícios de dialética no Anti-Édipo, principalmente na oposição entre os polos esquizo e paranoico. A pura afirmação, a eliminação do "negativo", só seria alcançada no "trabalho maduro" dos autores, que seria o Mil Platôs. Ainda assim, conforme eu li até agora (não terminei o Mil Platôs ainda), se perderia do trabalho anterior (Anti-Édipo) o processo esquizofrênico como uma forma anárquica, caótica, livre, que criaria caminhos imprevisíveis.
Acredito que estas já sejam boas referências em geral. Um livro de que gosto muito sobre Hegel é o The Future of Hegel, de Catherine Malabou, onde ela articula em detalhe a "sua" famosa noção de "plasticidade" (que ela pegou de Hegel). É um livro interessante, entre outras coisas, também por ter como o seu prefaciador Jacques Derrida, que foi convencido por Malabou (a sua então "orientanda") sobre a iminente (bem como eminente) relevância de Hegel na atualidade, assim como no transcorrer do século XXI.

Já sobre a noção de "pura positividade", que só é superada pela maturação da negatividade, eu já sou um pouco cético (mas ainda simpatizo com a ideia, e vejo nela certo bom potencial). É uma noção (ao menos a mim) fundamentalmente problemática, pois eu permaneço nos confins do Real lacaniano (que é tudo menos o domínio da positivação pura), da pulsão de morte freudiana (que também é algo extremamente radical e paradoxal) e da negatividade absoluta hegeliana.

Eu não acho que aquilo que fugidiamente sempre "escapa à cadeia significante" possa ser "superado". A negatividade está aqui para ficar. Assertar uma "positividade pura", ao menos para mim, é uma movimentação ilícita, descabida. Como eu já falei, eu creio mais no Real lacaniano, que é uma radical espécie de "datidade" que jamais pode determinar a priori aquilo que se é porventura "dado". Mas esta é, certamente, uma longa e dispendiosa discussão...
 

Pingu77

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Acredito que estas já sejam boas referências em geral. Um livro de que gosto muito sobre Hegel é o The Future of Hegel, de Catherine Malabou, onde ela articula em detalhe a "sua" famosa noção de "plasticidade" (que ela pegou de Hegel). É um livro interessante, entre outras coisas, também por ter como o seu prefaciador Jacques Derrida, que foi convencido por Malabou (a sua então "orientanda") sobre a iminente (bem como eminente) relevância de Hegel na atualidade, assim como no transcorrer do século XXI.

Já sobre a noção de "pura positividade", que só é superada pela maturação da negatividade, eu já sou um pouco cético (mas ainda simpatizo com a ideia, e vejo nela certo bom potencial). É uma noção (ao menos a mim) fundamentalmente problemática, pois eu permaneço nos confins do Real lacaniano (que é tudo menos o domínio da positivação pura), da pulsão de morte freudiana (que também é algo extremamente radical e paradoxal) e da negatividade absoluta hegeliana.

Eu não acho que aquilo que fugidiamente sempre "escapa à cadeia significante" possa ser "superado". A negatividade está aqui para ficar. Assertar uma "positividade pura", ao menos para mim, é uma movimentação ilícita, descabida. Como eu já falei, eu creio mais no Real lacaniano, que é uma radical espécie de "datidade" que jamais pode determinar a priori aquilo que se é porventura "dado". Mas esta é, certamente, uma longa e dispendiosa discussão...

Sobre Deleuze e a dimensão do negativo, recomendo muito essa entrevista:

"Deleuze Dark: entrevista com o autor

Entrevista com Andrew Culp. Por Alexandre L. Galloway. Publicada originalmente em inglês na boundary 2 editorial collective, em 29 de junho de 2016. O livro “Dark Deleuze” (Minnesota Press: 2016) ainda não tem tradução ao português.


Alexander R. Galloway: Você tem um livro novo chamado Dark Deleuze. Eu particularmente gosto da expressão “cânone da alegria” que guia a sua pesquisa. Você poderia explicar o que ela significa e por que faz sentido usá-la quando falamos sobre Deleuze?

Andrew Culp: O pontapé inicial do livro, na verdade, eu surrupiei de uma carta que Deleuze escreveu ao filósofo e crítico literário Arnaud Villani, no começo dos anos 1980. Deleuze sugere que qualquer livro que valha a pena ser lido deve ter três coisas: uma polêmica contra um erro, um resgate de algo esquecido e uma inovação. Seguindo essas três linhas, primeiro me posiciono contra aqueles que veneram Deleuze como o santo padroeiro da afirmação, segundo, reabilito o negativo que, no fundo, já satura o trabalho dele, e terceiro, proponho o que nem ele próprio nunca foi capaz de propor: um “ódio por este mundo”. Então, assim como Marx vira de ponta-cabeça Hegel, eu começo o livro com aqueles que defendem um Deleuze como um eterno otimista, porém, não o faço para subir nos ombros deles, mas para pôr abaixo a igreja da afirmação.

Para isso, a parte canônica do “cânone da alegria” não tem uma importância pequena no livro. Talvez mais do que qualquer outro pensador recente, Deleuze subverte a linha sucessória da filosofia. Boa parte de seus livros é preenchida de comentários a pensadores clandestinos, que ele resgata do exílio. Por exemplo, Deleuze teimava em não descartar Nietzsche como fascista, Bergson como espiritualista ou Spinoza como racionalista. Aparentemente, isso o levou a ser bastante importunado pelos colegas da academia, na universidade de Sorbonne, no final da década de ’40. Para comprovar ainda mais a sua jornada esquisita através da história da filosofia, a única monografia publicada por Deleuze em quase uma década foi uma leitura antitranscendental de Hume, exatamente num período em que a fenomenologia era rainha na França. Esse itinerário facilitou a recepção de Deleuze, nos termos de suas próprias palavras, como um autoprofessado praticante da filosofia menor. Mas, olhe para os deleuzianos de hoje em dia! A consagração de Deleuze no panteão da Filosofia transferiu aceitação até para figuras relativamente esquecidas, como o sociólogo Gabriel Tarde. A popularidade de Deleuze hoje, então, não deixa de levantar uma questão espinhosa para nós: como podemos continuar a linha deleuziana menor quando Deleuze ele próprio foi transformado num “pensador maior”? Para mim, o primeiro passo consiste em separar Deleuze (e Guattari) de seus comentadores.

Identifico duas interpretações do “cânone da alegria” deleuziano que têm sido bem populares: 1) recalcitrantes deleuzianos devotados à tarefa de libertar todos os fluxos, e 2) realistas com o compromisso de acreditar neste mundo. A primeira posição não pára de macaquear o jargão da revolução molecular, devires, esquizos, transversalidades e por aí vai. Alguns até chegam a usar esses termos sem nem sequer transformá-los! A monotonia resultante aprisiona o destino de Deleuze e Guattari num idioma de pedra, usado por pessoas que ainda parecem habitar os anos 1980. Tamanha calcificação dos conceitos de Deleuze e Guattari é uma injustiça especialmente grave, porque Deleuze conscientemente deslocou a terminologia empregada de livro em livro, justamente para evitar isso. Mas não me confunda, tenho uma dívida profunda com os primeiros trabalhos sobre Deleuze! Por exemplo, eu insisto no cerne marxista-freudiano de Deleuze e Guattari, como trabalhado por um dos primeiros comentadores anglófonos, Eugene Holland, a quem procurei para orientar-me a dissertação. Mas para mim, a linha do Tiqqun que “a revolução foi molecular, e também a contrarrevolução” retrata à perfeição o problema de advogar nos tempos atuais por uma política molecular. Por quê? Porque hoje as técnicas de controle são moleculares. O resultado é que as sociedades de controle esvaziaram a cartola de mágico do pensador molecular (Bifo é um bom exemplo para testarmos esta hipótese), o que nos deixa na mão com uma revolução que vai apenas numa única direção e não é para frente.

Mas estou igualmente insatisfeito com os deleuzianos realistas que cavucam profundamente as primeiras camadas de Mil Platôs e para bem longe da “velocidade infinita do pensamento” que anima O que é a filosofia?. Estou pensando das primeiras recepções da teoria dos sistemas dinâmicos, o espanto dos anos ’90 com qualquer coisa que parecesse serendipianamente como um rizoma, a emergência de meados dos ’00 do realismo especulativo, e a virada “ontológica” em andamento. Qualquer um que tenha lido Manuel DeLanda vai conhecer o exato dilema entre materialidade e pensamento. No caso dele, ocorre uma desaceleração dos conceitos de Deleuze e Guattari, para alguma coisa que seja facilmente apreensível. Em seu primeiro livro, DeLanda narra a história de um “historiador robô”, em A Thousand Years of Nonlinear History, ele literalmente retraça os últimos mil anos de economia, biologia e linguagem, remetendo-as a invenções tecnológicas claramente identificáveis. Tais leituras são perigosamente convincentes devido à sua lucidez, que todavia vem a um custo exorbitante: o realismo androide joga fora o sujeito desejante, que seria necessário para uma teoria da revolução através da insistência psicanalítica na habilidade humana de superar os instintos biológicos (e.g., As pulsões e suas vicissitudes e Além do princípio de prazer, de Freud). Interpretações realistas de Deleuze, a seu passo, concebem o sujeito como plenamente estabelecido neste mundo. Mas ao fazer isso, o pensamento como um todo evapora debaixo do peso deste mesmo mundo. O livro de Deleuze sobre Hume é uma primeira versão de crítica a isso, mas os realistas não prestaram atenção nele. Sejam eles emergentes, redistas ou actantes, os realistas — no sentido forte do termo — ignoram um ponto relevante de O que é a filosofia?, de que o pensamento sempre vem do Fora, e no exato momento em que somos confrontados por algo tão intolerável que a única coisa que resta a fazer é pensar.

Galloway: A esquerda sempre foi ambivalente quando se trata de mídia e tecnologia, às vezes denunciando a sua influência corrosiva (Escola de Frankfurt), outras vezes abraçando o seu potencial revolucionário (cibercultura hippy). Ainda assim, você deixa de lado a “aceleração” técnica em favor da “fuga”. Você poderia expandir o seu posicionamento sobre mídia e tecnologia, através da noção de Deleuze do maquínico?

Culp: Foucault diz que uma épistémè pode ser entendida se nós a deixarmos pra trás. Talvez possamos finalmente catalogar todas as posições contemporâneas sobre a tecnologia? A romântica (um computador nunca vai capturar a minha alma), a paranoica (há uma força desconhecida que puxa os cordões), a pessimista-fascista (computadores vão controlar tudo)…

Deleuze e Guattari certamente não são alérgicos à tecnologia. A minha citação favorita vem do livro sobre Foucault em que Deleuze diz que “a tecnologia sempre é social antes de ser técnica”. A lição que pode ser aprendida disso é que cada formação social extrai capacidades diferentes de cada tecnologia. Um exemplo fácil está nos nômades que tanto Deleuze amou. Anarcoprimitivistas conjecturam que os humanos aprenderam a opressão com a domesticação dos animais e estabeleceram a agricultura durante a revolução neolítica. Divergindo dessa narrativa, Deleuze celebra os povos cavaleiros da estepe da Eurásia, como descritos por Arnold Toynbee. Ameaçado por forças que exigiriam que eles mudem de habitat, Toynbee diz, eles preferem em vez disso mudar os seus hábitos. A domesticação subsequente do cavalo não semeou o estado, que na realidade foi feito por aqueles que migraram das estepes na última Idade Glacial para começar o cultivo úmido do arroz nos vales aluviais (mais sobre isso, em The art of not being governed, por James C. Scott). Ao contrário, a nova relação entre humanos e cavalos permitiu ao nomadismo alcançar uma velocidade maior, que era necessária para evadir o esquema pilhagem-e-comércio usado pelos estados padis para sustentar a força de trabalho massiva para a agricultura do arroz. É por isso que o nômade é “aquele que não se move” e não o imigrante (Mil Platôs, p. 381 [NT. Todas as páginas se referem às edições em inglês, referenciadas ao final]).

O aceleracionismo tenta superar a oposição capitalista entre humano e máquina por meio da demanda por automação total. Desse jeito, ele contrabandeia um proudhonismo tecnológico que crê que se possa escolher o que é bom na tecnologia e rejeitar o que é ruim. A réplica marxista é que o desenvolvimento avança pelo seu lado ruim. Então, em vez de coisas chamativas como carros que se autodirigem, a verdadeira questão dot-comunista seria: como a Amazon vai automatizar os empregos maçantes e mal pagos que os computadores não são capazes de fazer? O que vai acontecer com os funcionários que preenchem dados em formulários, com os gerenciadores de conteúdo abusivo, com os técnicos que trabalham em serviços de atendimento? Enquanto não se tiver uma ideia clara sobre quem vai esvaziar a lixeira de reciclagem, o aceleracionismo não passa de um socialismo da classe criativa.

O maquínico é mais do que apenas máquinas — ele aborda a tecnologia a partir da questão da organização. O termo foi primeiro usado por Guattari num artigo de 1968 intitulado “Máquina e estrutura” [NT. contido no livro “Psicanálise e Transversalidade”, com edição em português], que ele apresentou à Escola Freudiana de Lacan em Paris, um artigo que fez decolar a parceria com Deleuze. Nesse artigo, Guattari defende o conceito de máquina em relação ao de estrutura. Estruturas transformam partes de um todo mediante a troca ou substituição de particularidades, de modo que cada parte compartilhe a forma geral (noutras palavras, a produção do isomorfismo). Um exemplo político fácil disso seria o Partido Leninista, que faz a mediação entre interesses privados até que se forme a vontade geral da classe. Máquinas, ao contrário, tratam a relação entre as coisas como um problema de comunicação. O resultado é o “controle e comunicação” da cibernética de Norbert Wiener, que conecta coisas distintas num circuito, em vez de implantá-las numa lógica geral. A palavra “máquina” nunca realmente pegou, mas o conceito fez incursões nas ciências sociais, onde a teoria ator-rede, teoria dos jogos, behaviorismo, teoria dos sistemas e outras abordagens cibernéticas ganharam aceitação.

Estrutura ou máquina, cada uma engendra um tipo diferente de subjetividade, e cada um realiza um modelo diferente de comunicação. As duas podem ser achadas em Mil Platôs, onde Deleuze e Guattari anotam dois tipos diferente de assujeitamento: a sujeição social e a servidão maquínica (p. 456–460). Embora ocupe apenas algumas páginas do livro, a distinção é essencial no trabalho de Bernard Stiegler e foi elaborada habilmente por Maurizio Lazzarato no livro Signos e Máquinas. Estamos todos muito bem familiarizados com sinônimos para o regime da sujeição social, com a “agência” — o poder que resulta de indivíduos preenchendo a lacuna entre eles e estruturas maiores de representação, papéis sociais e demandas institucionais. Essa subjetividade está bem delineada pelos lacanianos e outros teóricos da virada linguística (Virno, Rancière, Butler, Agamben). O que falta nas análises deles é a servidão maquínica, que trata as pessoas como simples rodas dentadas da máquina. Tal subjetividade é vastamente subavaliada porque ela contorna questões existenciais de reconhecimento e identidade. Isto se dá na medida em que a servidão maquínica opera no nível do infrassocial e do pré-individual, através de operadores moleculares de afetos não-individuados, sensações, desejos não consignáveis a um sujeito. Para oferecer um exemplo concreto, a referência de Deleuze e Guattari às megamáquinas de Mumford, de sociedades do excedente, construídas ao redor de imensos trabalhos baseados no tratamento dos humanos como meras engrenagens. O capitalismo ressuscitou a megamáquina no século 16 e, mais recentemente, entramos na “terceira idade” da servidão, marcada pelo desenvolvimento das máquinas informáticas e cibernéticas. No lugar de pirâmides, as máquinas técnicas é que usam humanos no lugar de circuitos técnicos, quando os computadores não são capazes de substituí-los ou são caros demais, por exemplo, na Amazon.

Eu também deveria esclarecer que nem todas as máquinas são ruins. Na verdade, Dark Deleuze apenas acredita num tipo de máquina, a máquina de guerra. E máquinas de guerra seguem uma trajetória única — uma linha de fuga para fora deste mundo. Uma tarefa maior da máquina de guerra se alinha com a minha política de tecnoanarquismo: destruir as redes de comunicação criadas pelo estado.

Galloway: Eu não consigo resistir a um trocadilho infame: canhão da alegria [NT. trocadilho de canon = cânone e cannon = canhão]. Parte do seu projeto é sobre resistir a certa tendência masculinista. Essa é uma avaliação justa? Como o feminismo e a teoria queer influenciam o seu trabalho?

Culp: O feminismo está rebitado no Dark Deleuze através da crítica do trabalho emocional e da exposição de corpos — “Um Deleuze revolucionário para o mundo digital atual de felicidade compulsória, controle descentralizado e superexposição”. O maior tema que eu pressiono ao longo do livro é um tema materialista feminista: algo intolerável sobre este mundo é o fato que somos exigidos a participar de sua acumulação e reprodução. Então que tal um jogo de palavras diferente: o conceito de “desmancha-prazeres feminista” de Sara Ahmed, a recusa do contrato sexual que requer à mulher que apareça sempre grata e agradável? Ou melhor ainda, Joy Division [NT. ou seja, Divisão da alegria]? O nome associaria o meu projeto com o pós-punk, com o seu ataque conceitual ao mainstream, e o aceno da banda ao trabalho sexual retratado na novela House of Dolls [NT. novela do escritor judeu “Ka-Tsetnik 135633", que retrata as “Joy Divisions”, isto é, seções do campo de extermínio em que mulheres judias eram selecionadas para servir como escravas sexuais de seus captores nazistas].

A minha crítica da acumulação também é um argumento sobre a conexão. Os críticos mais populares da cultura de rede estão preocupados que nesse processo estaríamos perdendo a nós próprios. Então, por um lado, temos Sherry Turkle que está preocupado com o isolamento crescente dos humanos num estado de “sozinhos-juntos”; por outro lado, está Bernard Stiegler, que pensa que a rede suplanta partes importantes do que significa ser humano. Eu acho esses tipos de crítica socialmente conservadores. Eles igualmente vitimizam-acusam antes de qualquer coisa aqueles que usam as redes sociais. Lembremos os incontáveis artigos atacando as mulheres que tiram selfies como parte de seu regime de auto-ajuda ou adolescentes que, criativamente, escapam da autoridade dos pais. Estou mais interessado na crítica da cultura de rede do começo dos anos 90 e o seu entusiasmo pela rede. Em geral, eu sustento no livro que as abordagens redecêntricas são agora uma forma dominante de poder. Estou muito mais interessado em como o rizoma prefigura as redes digitalmente coordenadas de exploração que tornaram a Apple, a Amazon e o Google as empresas mais poderosas do mundo. Embora não seja feminista por seu valor de face, é fácil ver a relevância ao feminismo disso, quando consideramos a divisão do trabalho por gênero, que geralmente torna as mulheres as empregadas mais usuais para empregos mal pagos na fabricação de eletrônicos, em call centers e noutras indústrias digitais.

Por último, o feminismo e a teoria queer se encontram abertamente na minha crítica da reprodução. Um argumento chave para Deleuze e Guattari no Anti-Édipo é a autoprodução do real, o que significa dizer que nós já vivemos num “mundo sem nós”. O meu argumento consiste em que nós precisamos aprender como odiar algumas das coisas que ele produz. Claro, essa é uma crítica retrabalhada da alienação e da exploração capitalistas, que é um sistema que nos concede bens e salário apenas porque ele já os roubou pelas nossas costas, ao separar-nos dos meios de subsistência e do mais-valor. Tal ambivalência é a realidade cotidiana do trabalhador das maquiladoras que precisa de seu emprego, mas que secretamente torce para que todas as fábricas queimem até o chão. Tais sentimentos destrutivos são resultado dos compromissos que somos constrangidos a fazer para nos conservarmos e reproduzirmos. No livro, eu dou voz a esses sentimentos, ao fundir a noção de vergonha gay da obra de David Halperin e Valerie Traub, que atua como um solvente contra tudo aquilo que nos vincula à identidade, e a vergonha de Deleuze de não sermos capazes de evitar o intolerável. Mas sentir vergonha não é suficiente. Para completar o argumento, temos de aproveitar elementos da crítica feminista queer à reprodução, o que está apenas latente em Marx ou Freud. E dessa maneira deturpar uma velha frase: a ação direta começa no momento da reprodução. O meu primeiro impulso é contar com a atitude punk rock de Lee Edelman e Paul Preciado, quando instauram um inquérito sobre a reprodução. Mas você está certo, no sentido que eles também têm os seus momentos masculinistas, então o que precisaríamos mesmo é de algo mais na linha do pós-punk — um pouco menos agressivo e muito mais experimental. Esperançosamente, Dark Deleuze é isso.

Galloway: A passagem “f**a-se Annie”, de Lee Edelman, em No Future: Queer Theory and the Death Drive [NT Sem futuro: teoria queer e o instinto de morte, 2004], é uma das melhores na teoria recente. “f**a-se a ordem social e a Criança em cujo nome somos aterritorizados coletivamente; f**a-se Annie; f**a-se a criança abandonada de Os miseráveis, f**a-se toda a rede de relações Simbólicas e o futuro que serve como seu motor” (No future, 29). O seu livro reivindica, em essência, que os Fuck Annies são mais interessantes do que os materialistas aleatórios. Como podemos escapar do longo braço de Lucrécio?

Culp: A minha sensação é que a política do materialismo aleatório permanece ambígua. Além do sentido literal de “alegria”, existem importantes recortes feministas a respeito do Spinoza materialista dos encontros que merecem a nossa atenção. O trabalho de Isabelle Stengers está entre os mais abrangentes, ainda que os dois mais famosos provavelmente sejam o feminismo ciborgue de Donna Haraway e o realismo agencial de Karen Barad. Curiosamente, embora o Novo Materialismo tem sido uma baita mão para o mundo da arte e do design, as suas apostas sociopolíticas nunca foram tão incertas. Seria de esperar que os apelos ao assunto dessem credibilidade filosófica a eventos tópicos, como o Black Lives Matter. Contudo, para muitos, o Novo Materialismo apenas conduziu a um novo formalismo, focado em formas materiais ou considerações realistas de sistemas físicos, com o fito de eclipsar os “excessos epistemológicos” do pós-estruturalismo. Essa divergência não se perdeu entre os comentadores no mais recente número da revista October, que exerceu o papel de uma espécie de referendo sobre o Novo Materialismo. Por um lado, o assunto inclui uma avaliação generosa das muitas avenidas que os artistas assumiram ao explorar as várias direções “neo-materialistas”. Dessas, gosto do lembrete de Mel Chen que o materialismo não pode servir de “passe livre para sair da cadeia” no tocante à história do racismo, machismo, capacitismo e especismo. Por outro lado, o número da revista incluiu o primeiro ataque consistente contra o novo materialismo. Certamente, a instância do novo materialismo em ver o mundo da perspectiva de “objetos reais” pode ser valiosa, mas só se não excluir com isso a velha política materialista do trabalho. No livro, aproveito elementos das feministas deleuzianas neo-materialistas, em minha crítica da acumulação e da reprodução, mas somente depois de curtocircuitar a construção de mundo que elas fazem. Essa é uma jogada que aprendi com Sue Ruddick, cujo artigo Teoria, cultura & sociedade sobre o afeto do grito filosófico é um tour de force absoluto. E então existe a observação de Graham Burnett que os materialismos recentes são como “Etsy [NT. Webvenda de produtos vintage] beijado pela filosofia”. A frase cristaliza perfeitamente a controvérsia, que talvez esteja quente demais para ser tocada, por pelo menos uma década…

Galloway: Vamos nos concentrar mais no tema da afirmação e negação, já que a maré parece estar virando. Em anos recentes, um número de teóricos deu as costas à afirmação para voltar-se a um conjunto diferente de direções, tais como a negação, o eclipse, a extinção ou o pessimismo. Batemos no teto com a afirmação?

Culp: Primeiro, deveríamos estabelecer o que a afirmação quer dizer neste contexto. Existe a versão metafísica da afirmação, como na auto-intitulação orgulhosa de Foucault como “positivista feliz”. Na declaração dele, em Arqueologia dos Saberes e em A Ordem do discurso, Foucault não está se reivindicando um positivista lógico. Em vez disso, está demarcando a sua abordagem em relação à totalidade de Sartre, ao transcendentalismo e às origens genéticas (o seu alvo secundário é o método ler-nas-entrelinhas, da sintomatologia de Althusser). Foucault passa a formalizar o desacordo com a sua famosa declaração sobre o método genealógico, “Nietzsche, Genealogia, História” (NT. Na coletânea Microfísica do poder). Apesar de ser um admirador de Sartre, Deleuze compartilha essa metafísica afirmativa com Foucault, que os comentadores geralmente descrevem como uma alternativa ao sistema hegeliano da identidade, contradição, negação determinada e subsunção. Mas nada nesse “positivismo feliz” de Foucault nos força a sermos otimistas. Na realidade, apenas aumenta as apostas ao apontar como todos os sentidos não-metafísicos do negativo persistem.

A afirmação vem junto com um simples lógica “mais é melhor” na teoria do agenciamento e no composicionalismo de Latour. Por trás dessa lógica, existe um princípio de acumulação mas sem uma teoria da exploração, falhando em levar em conta o poder do desligamento, do desconectar. A definição spinozana de alegria não faz muito para dissolver esse mito. Penso que nós estaríamos melhor se seguíssemos, em vez disso, as correntes de elaborações políticas radicais nos últimos vinte anos que vêm seguindo uma trilha cada vez mais do negativo. Pois uma parte da história é história dos fracassos. A manifestação de 15 de fevereiro de 2003, contra a Guerra no Iraque, foi o maior protesto da história, mas ele não resultou em efeito algum para impedir o curso da guerra. Mais recentemente, a eleição de governos socialistas democráticos na Europa fez muito pouco para evitar a manutenção da austeridade, mesmo quando os economistas publicamente descrevem-na como um modelo falido, destinado a aprofundar a crise. Na realidade, encontro esperança no atual ciclo de luta e penso que a falta de aspirações pela construção de mundo alterglobalização aqui talvez seja um plus. As minhas pistas vêm do black bloc anarquista e daqueles da geração pós-Occupy, grupos que preferem não avançar nenhuma reivindicação. É por isso que eu volto ao último Deleuze, o do ensaio das “sociedades de controle”, e a sua recomendação de embaralhar os códigos, buscar espaços onde nada precise ser dito, e instituir vacúolos de não-comunicação. Tais ações alimentam a fonte subterrânea da escuridão de Dark Deleuze e o poço de onde brotam o ódio, a crueldade, a interrupção, a desvirada, a fuga, o cataclisma e a destruição de mundos.

Galloway: Teria o ódio pelo mundo um efeito semelhante para você do que o julgamento e o moralismo têm para outros escritores? Como evitamos as formas mais violentas e corrosivas de ódio?

Culp: A tentativa do escritor Antonin Artaud de “acabar com o julgamento de Deus” exerce um papel crucial em Dark Deleuze. Acabar não apenas com alguma autoridade específica, mas com quaisquer deuses que tenham sobrado. O modo mais fácil de resumir isso é pelas “três mortes”. Deleuze já tomou nota dessas mortes no prefácio à Diferença e repetição, mas para mim isso só se tornou claro depois que li Gilles Deleuze e a fabulação da filosofia, de Gregg Flaxman. Todos conhecemos a Morte de Deus nietzschiana. Com ela, Nietzsche constata que Deus não serve mais como princípio central e organizador para nós, os modernos. Importante a Dark Deleuze é o Nietzsche de Pierre Klossowski, que participa de uma conspiração contra toda a humanidade. Por quê? Porque quando Deus está morto, a humanidade o substitui por si própria. Então, a seguir, vem a Morte do Homem, cujo cadáver jaz aos pés de Foucault. Mais do que em qualquer outro texto, A ordem do discurso demonstra como o nascimento do homem moderno foi uma invenção desde o princípio fadada ao fracasso. Então se aquela morte que já está escrita na areia prestes a ser levada pelo vento, o que vem depois? Aqui eu me volto para o mundo, o fazer mundo. Parece óbvio quando olhamos para os problemas que infestam o nosso mundo: a mudança climática global, o capitalismo mundial e integrado, e outras catástrofes em escala planetária. Nós poderíamos tentar lidar com cada um desses problemas, um por um. Mas por que não colocamos uma proposta ainda mais radical? E se largássemos mão da tentativa de salvar o mundo? Nós já estamos encharcados de ficção científica que busca fazer isso, ainda que a maior parte dela seja incrivelmente conservadora. Talvez agora tenha chegado a hora de pensadores como nós alcançá-las. Fragmentos de Deleuze já arranjam os termos do projeto. Ele termina o prefácio de Diferença e repetição consignando à filosofia a tarefa de escrever uma ficção científica apocalíptica. O livro de Deleuze abre com um raio num céu negro e termina com um mundo inchando num único e imenso oceano de excesso. Dark Deleuze colhe todos esses momentos e os nomeia: a Morte do Mundo.

Galloway: Falando da mudança climática, me faz lembrar como pensadores ecológicos podem ser bastante religiosos, senão nas palavras, nos atos. Ecologistas gostam de criticar a “natureza” e todas as suas credenciais anti-essencialistas, enquanto ao mesmo tempo promulgam uma “virada” telúrica como necessária e até salutar. Teriam eles simplesmente substituído uma força irresistível por outra? Mas o seu “ódio pelo mundo” segue uma lógica diferente…

Culp: Irresistível realmente! Ainda assim, é muito perigoso deixar a última palavra à Terra. Não apenas a psicanálise nos ensina que é necessário rechaçar o julgamento da natureza, que a distinção é/deve ser no coração filosófico do pensamento mais ético recusa deixar que o fato natural defina o bem. Introduzo o ódio para marcar uma distância crítica do que é — e, como tal, o ódio é uma reivindicação do futuro no que ele contém de recusa a permitir o que é de prevalecer sobre o que pode ser. Tal orientação na direção do futuro já está em Deleuze e Guattari. Que mais poderia ser a desterritorialização? Eu apenas dei-a um nome. Eles têm outro nome para o que eu chamo de ódio: utopia.

Falando de utopia, a definição de Deleuze e Guattari de utopia em O que é a filosofia?, como simultaneamente aqui-agora [now-here] e não-aqui [no-where], é usada frequentemente por comentadores para justificar posições estranhas, de compromisso com o presente estado de coisas. A referência imediata aqui é o livro Erewhon, de 1872, por Samuel Butler, uma soletração de trás para frente da palavra nowhere (nenhum lugar), que Deleuze também referencia através do outro trabalho dele. Eu imaginaria que a maior parte das pessoas assumiria que é um romance utópico na esteira de Looking Backward, de Edward Bellamy [NT. Daqui a cem anos: revendo o futuro, de 1888, traduzido ao português, romance famoso em que o autor descreve um estado socialista utópico].

E Erewhon, de fato, toma emprestadas convenções da literatura utopista, mas apenas para espetá-las por meio da sátira. Um exame mais de perto revela que o livro é realmente um jab contra a religião, os valores da sociedade vitoriana e a colonização britânica da Nova Zelândia! Então, se tem algo que o aqui-agora de Erehhow tem a contribuir à utopia, é que o presente merece a nossa crítica a mais rude. Em vez de estar simultaneamente aqui-agora (now-here) e nenhum-lugar (no-where), o ódio se desenvolve a partir da sugestão de Deleuze e Guattari em Mil Platôs de “derrubar a ontologia” (25). Portanto, a utopia somente pode ser achada em Erewhon ao nos despedirmos do now-here (aqui-agora) para chegar ao no-where (nenhum-lugar).

Galloway: Em Dark Deleuze, você fala em evitar “a armadilha liberal da tolerância, da compaixão e do respeito”. E então conclui dizendo que “o pior crime do culto da alegria é a tolerância”. Você poderia explicar o que significa, particularmente àqueles para quem a tolerância é um valor?

Culp: Entre os muitos seguidores de Deleuze hoje, existe uma fração de deleuzianos liberais. Talvez essa seja a maior fortaleza da ciência política, onde há um grupo comprometido de autoprofessados liberais radicais. Outros estendem pontes entre Deleuze e o liberalismo de John Rawls. Eu fiquei um pouco chocado quando descobri ambas as abordagens, mas suponho que é inexorável, dada a capacidade do liberalismo de assimilar praticamente qualquer forma de pensamento.

Herbert Marcuse definiu a “tolerância repressiva” como o incrível poder do liberalismo de justificar a violência com posições vestidas de neutralidade. Os exemplos que Marcuse cita são os governos que dizem que respeitam as liberdades democráticas ao permitir manifestações, embora ao mesmo tempo ignorem os manifestantes ao rotulá-los como um grupo especial de interesses. Para aqueles entre nós que têm visto as administrações universitárias serenamente anotando as demandas dos estudantes, formando grupos de trabalho sem perspectiva real, e tascando fotos de manifestantes em materiais promocionais, como uma prova da diversidade, não deveria ser surpresa que Marcuse tenha dedicado o ensaio aos seus alunos. Uma importante reelaboração sobre a tolerância repressiva é o livro Regulating Aversion: Tolerance in the Age of Identity and Empire, por Wendy Brown. Ela sustenta que a polícia externa americana imperialista estende a cortina do discurso da tolerância. Brown ajuda a diagnosticar porque grupos feministas liberais apoiaram a invasão americana do Afeganistão (pois o Talibã é patriarcal) e explica como a simples menção ao ISIS inflama até o mais progressista dos liberais a apoiar ultrajantes orçamentos de guerra.

Por causa de seu compromisso com a democracia, Brown e Marcuse somente podem qualificar os procedimentos universais do liberalismo para um sujeito ético. Cada um critica certos usos da tolerância mas não quer dispensá-la por completo. O ódio de Deleuze à democracia tornou as coisas bem mais fáceis para mim. Ao invés, eu abraço a perspectiva do militante comunista porque os comunistas lutam a partir de uma posição estrutural diferente daquela do capitalista.

Galloway: Falando de estrutura e posição, você tem uma seção no livro sobre a assimetria. A maioria dos autores evita a assimetria, para favorecer conceitos como troca e reciprocidade. Estou pensando de textos sobre “o encontro” ou “a dádiva”, sem mencionar a própria dialética como um sistema de trocas. Ainda assim, você quer abraçar a irreversibilidade, a incomensurabilidade, e a inoperosidade formal — por quê?

Culp: Existem muitas razões para que a assimetria seja preferível, mas, para mim, no frigir dos ovos, tais razões se resumem à questão da estratégia política.

Primeiro, um pouco de pano de fundo. A crítica da troca é importante no Anti-Édipo, em que foi encenada por Deleuze e Guattari como um desafio a Claude Lévi-Strauss. É por isso que eles deslocam a análise marxista tradicional em termos de modo de produção para o estudo antropológico da antiprodução, no que eles mobilizam a obra de Pierre Clastres e Georges Bataille, para desenhar formas não-econômicas de poder que conjuraram a formação do capitalismo. Antropólogos contemporâneos renovaram essa linha de pesquisa, por exemplo, Eduardo Viveiros de Castro, que sustenta em Metafísicas canibais que a cosmologia difere tão radicalmente entre povos diferentes que eles essencialmente vivem em mundos diferentes. O canibal, diz Castro, não é sujeito de um modo de produção, mas de um modo de predação.

Essas não são as apostas que mais me interessam. Considere, em vez disso, a consequência de sistemas éticos construídos a partir do princípio da dádiva e sistemas políticos de incomensurabilidade. A abordagem ética é exemplificada por Derrida, cuja responsabilidade diante do outro vem da tradição teológica liberal de acolher o estrangeiro. Embora exista uma distância entre o eu e o outro, ela é preenchida por meio de um projeto democrático de inclusão radical, mesmo se tal incorporação só pode ser aporeticamente descrita como uma impossibilidade-necessária. Em contraste, a política da assimetria usa a incomensurabilidade para alargar o abismo aberto pela diferença. Ela apresenta uma estratégia de geração de antagonismo sem a equivalência formal da dialética, e provê uma imagem da revolução com base numa transformação fundamental. A primeira pode ser vista na diferença inerente entre a perspectiva do trabalho e a do capital, enquanto a última é uma saída ao que Guy Debord chama de “presente perpétuo”.

Galloway: Você está explorando um Deleuze “dark” e eu me lembro como os conceitos de escuridão e negritude expandiram e se entreteceram nos últimos anos em tudo, desde o afropessimismo até a teoria do black metal (que sabemos ser assustadoramente branca). Como você diferencia entre escuridão e negritude? Ou talvez esse não seja o ponto?

Culp: A escrita sobre Deleuze e raça é desigual. Muito da culpa pode ser atribuída à definição imprecisa de devir. A versão mais vulgar de devir foi assimilada pelos sujeitos neoliberais que sustentam um processo sempre-incompleto de vir mais a ser (encontrando, identificando as suas capacidades, comandando-as). A versão molecular é um pouquinho melhor pelo fato que nela a subjetividade se desenvolve por fora da identidade ou em tensão com ela. Ainda assim, os usos proeminentes de devir e raça raramente escapam da órbita pós-moderna da hibridação, da diferença e da disjunção inclusiva — a face do Homem Branco como significante-mestre, a miscigenação como prática antirracista, “eu sou todos os nomes da história”. Você está certo em mencionar o afropessimismo, na medida em que ele traça um novo recorte do problema. Como escrevi noutro lugar, Frantz Fanon descreve ter sido pego entre o “infinito” e o “nada”, no seu célebre capítulo sobre o fato da negritude, em Pele negra, máscaras brancas. A posição do infinito é patrocinada por Fred Moten, cujo conceito de negro fugitivo é o efeito de uma vitalidade excessiva que sobreviveu a 500 anos de cativeiro. Moten captura momentos fugazes dele nas performances de jazz, arte e poesia. Essa posição combina bem com as figuras familiares da política deleuze-guattariana: o nômade itinerante, o estrangeiro que fala numa língua menor, o virtuoso preso no limiar entre as terras. Em suma, a combinação abastardada de dois ou mais mundos distintos. Diversamente, o afropessimismo não é o oposto da tradição negra radical, mas é o seu Fora. De acordo com o afropessimismo, a definição da negritude não é nada mais do que morte social do cativeiro. Lembra da cena da sujeição mencionada por Fanon? Durante aquele momento repulsivo, ele é assaltado por uma série de associações culturais atreladas a ele por estranhos na rua. “Eu me vi levado ao chão por tantãs, canibalismo, deficiência intelectual, fetichismo, defeitos raciais, navios negreiros e, sobretudo, ‘Sho’ good eatin’ [NT: no original em francês, do escritor de Martinica, “Y a bon banania”, slogan do achocolatado francês que usava clichês racistas nas propagandas, no começo do século 20] (112)”. O afropessimismo aprendeu a lição que representações culturais da negritude apenas refletem o interior da sociedade civil branca. A conclusão é que combinar a morte social com a cultura de resistência, tal como incorporada pelo mentor de Fanon, Aimé Césaire, é uma armadilha que termina por nos levar de volta à branquitude. Afropessimismo, então, segue a rota alternativa da escuridão. Ela lança uma linha ao Fora através de uma desvirada, que dissolve a identidade que nos é dada como um símbolo para a vergonha de ser um sobrevivente.

Galloway: Numa recente entrevista, o cineasta Haile Gerime falou sobre a branquitude como uma “realização”. Como isso, ele significou tanto a realização como tal — autorrealização, a realização do self, a habilidade de realizar o self — como também a sua versão mais nefasta como “realização através do outro”. O mais espantoso é que nessa frase se pode substituir “através” por qualquer outra proposição — para, contra, com, sem etc — e a dinâmica ainda se mantém. A branquitude é uma coisa que torna todo o resto, inclusive os corpos negros, em forragem para a sua própria realização. É por isso que você deixa para lá a realização, para preferir algo como a profanação? E seria a escuridão apenas outro tipo de brancura?

Culp: Talvez a negritude esteja para o profano assim como a escuridão para o Fora. O que é o black metal senão um projeto de uma profanação político-estética? Mas como outros comentadores assinalaram, a política do black metal é ultimamente telúrica (exemplo, o texto “Remain True to the Earth!: Remarks on the Politics of Black Metal”, de Benjamin Noys). A esquerda do black metal é anarquista anticivilizatória e a direita é nativista fascista. Mas ambas traçam a autoridade até a terra, que eles tratam como juíza última e usurpada por ídolos falsos.

O processo segue o que Badiou chama de “paixão pelo real”, o seu diagnóstico da obsessão do século 20 com a identidade verdadeira, as cópias falsas e as farsas inautênticas. A sua crítica igualmente se aplica aos deleuzianos realistas. É por isso que eu penso ser essencial um retorno ao trabalho de Deleuze sobre o cinema e as potências do falso. Um exemplo-chave está no filme F for Fake, de Orson Welles. Ainda assim, a minha escolha favorita seria o romance noir, que ele louva no ensaio “A filosofia dos romances policiais” [NT. Em língua portuguesa, incluído na coletânea A ilha deserta e outros textos, com o título “Filosofia da Série Negra”]. O protagonista noir nunca segue as pegadas de Sherlock Holmes ou de outros detetives clássicos na busca pelo real, que cheiram a verdade através de uma calibragem científica dos sentidos. Em vez disso, as ruas sujas levam o detetive a descer o suficiente, até becos sem saída, que ele procede por meio de uma série de erros. O noir revela que o crime e a polícia “nada tem a ver com a busca metafísica ou científica pela verdade” (82). A verdade é raramente decisiva no noir porque descobertas decisivas apenas acontecem mediante “a grande trindade da falsidade”: informante-corrupção-tortura. A contribuição definitiva do noir é uma nova visão do mundo em que pessoas honestas não passam de trouxas, porque a sociedade é abastecida de fio a pavio pelo combustível da falsidade.

Para especificar a descida ao dark, eu uso dark para significar o Fora. O Fora tem muitos nomes: o contingente, o vazio, o inesperado, o acidente, a rachadura, a catástrofe. Os afetos dominantes associados ao Fora são antecipação, pressentimento, e terror. Para dar alguns exemplos, os mais horripilantes monstros de Lovecraft são aqueles tão alienígenas que os personagens não conseguem sequer descrevê-los com clareza. O desastre de Maurice Blanchot é o Holocausto, assim como qualquer outro evento tão terrível que chega a interromper o próprio pensar. O “evento tóxico aerotransportado” de Don DeLillo é um incidente esquisito a tal ponto que somente pode ser descrito nos termos mais banais. Dos vários diferentes Corpos sem Órgãos que aparecem em Deleuze e Guattari, um em versão conservadora vem de um modelo freudiano de mente que a compara a uma concha, uma capa protetora do ego ante as perturbações externas. Todos nós temos essas barreiras defensivas feitas de hábitos que nos ajudam a navegar num mundo incerto — esse é o propósito do ritornelo de Guattari, essa pequena cantilena que murmuramos para lembrar-nos de algo familiar, ao viajarmos por terras estranhas. Aí existem duas partes que trabalham juntas, o refrão e a terra estrangeira. Mas enquanto os refrãos só cresceram, as viagens parecem ter terminado.

Vou terminar com um exemplo que me é caro. Deleuze e Guattari hoje vêm sendo usados para respaldar uma nova “política prefigurativa” anarquista, que se define pela busca de construir uma nova sociedade dentro dos limites da existente. A consequência disso é que o horizonte político do futuro colapsa com o presente. Isto é frustrante para alguém como eu, que mantém a esperança por um futuro revolucionário, um que ponha fim às milhões de pequenas humilhações que constituem a vida cotidiana. Eu gosto da crítica feminista de J.K. Giblson-Graham da economia política, porém, moedas comunitárias, bancos de tempo de trabalho e cooperativas de trabalhadores não perfazem a minha imagem do comunismo. É por isso que eu pego influências do gótico. Uma revolução que emerja da escuridão mantém o potencial apocalíptico de terminar com o mundo tal como o conhecemos.




Andrew Culp é professor no Whitman College. Especializado em teorias cultural-comunicativas do poder, a política das mídias emergentes e respostas de gênero à urbanização. O seu trabalho aparece em publicações como Radical Philosophy, Angelaki, Affinities, e outras.

Alexander R. Galloway é escritor e programador, trabalha com filosofia, tecnologia e teorias da mediação. Professor na Universidade de Nova Iorque, é autor de vários livros e artigos sobre mídia digital e teoria crítica: Protocol: How Control Exists after Decentralization (MIT, 2006), Gaming: Essays in Algorithmic Culture (University of Minnesota, 2006); The Interface Effect(Polity, 2012), and most recently Laruelle: Against the Digital (University of Minnesota, 2014), reviewed here in 2014. Publica textos no The b2 Review."

Fonte:

Os trechos mais interessantes a essa discussão estão destacados.
 

Ivo Maropo

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Sobre Deleuze e a dimensão do negativo, recomendo muito essa entrevista:

"Deleuze Dark: entrevista com o autor

Entrevista com Andrew Culp. Por Alexandre L. Galloway. Publicada originalmente em inglês na boundary 2 editorial collective, em 29 de junho de 2016. O livro “Dark Deleuze” (Minnesota Press: 2016) ainda não tem tradução ao português.


Alexander R. Galloway: Você tem um livro novo chamado Dark Deleuze. Eu particularmente gosto da expressão “cânone da alegria” que guia a sua pesquisa. Você poderia explicar o que ela significa e por que faz sentido usá-la quando falamos sobre Deleuze?

Andrew Culp: O pontapé inicial do livro, na verdade, eu surrupiei de uma carta que Deleuze escreveu ao filósofo e crítico literário Arnaud Villani, no começo dos anos 1980. Deleuze sugere que qualquer livro que valha a pena ser lido deve ter três coisas: uma polêmica contra um erro, um resgate de algo esquecido e uma inovação. Seguindo essas três linhas, primeiro me posiciono contra aqueles que veneram Deleuze como o santo padroeiro da afirmação, segundo, reabilito o negativo que, no fundo, já satura o trabalho dele, e terceiro, proponho o que nem ele próprio nunca foi capaz de propor: um “ódio por este mundo”. Então, assim como Marx vira de ponta-cabeça Hegel, eu começo o livro com aqueles que defendem um Deleuze como um eterno otimista, porém, não o faço para subir nos ombros deles, mas para pôr abaixo a igreja da afirmação.

Para isso, a parte canônica do “cânone da alegria” não tem uma importância pequena no livro. Talvez mais do que qualquer outro pensador recente, Deleuze subverte a linha sucessória da filosofia. Boa parte de seus livros é preenchida de comentários a pensadores clandestinos, que ele resgata do exílio. Por exemplo, Deleuze teimava em não descartar Nietzsche como fascista, Bergson como espiritualista ou Spinoza como racionalista. Aparentemente, isso o levou a ser bastante importunado pelos colegas da academia, na universidade de Sorbonne, no final da década de ’40. Para comprovar ainda mais a sua jornada esquisita através da história da filosofia, a única monografia publicada por Deleuze em quase uma década foi uma leitura antitranscendental de Hume, exatamente num período em que a fenomenologia era rainha na França. Esse itinerário facilitou a recepção de Deleuze, nos termos de suas próprias palavras, como um autoprofessado praticante da filosofia menor. Mas, olhe para os deleuzianos de hoje em dia! A consagração de Deleuze no panteão da Filosofia transferiu aceitação até para figuras relativamente esquecidas, como o sociólogo Gabriel Tarde. A popularidade de Deleuze hoje, então, não deixa de levantar uma questão espinhosa para nós: como podemos continuar a linha deleuziana menor quando Deleuze ele próprio foi transformado num “pensador maior”? Para mim, o primeiro passo consiste em separar Deleuze (e Guattari) de seus comentadores.

Identifico duas interpretações do “cânone da alegria” deleuziano que têm sido bem populares: 1) recalcitrantes deleuzianos devotados à tarefa de libertar todos os fluxos, e 2) realistas com o compromisso de acreditar neste mundo. A primeira posição não pára de macaquear o jargão da revolução molecular, devires, esquizos, transversalidades e por aí vai. Alguns até chegam a usar esses termos sem nem sequer transformá-los! A monotonia resultante aprisiona o destino de Deleuze e Guattari num idioma de pedra, usado por pessoas que ainda parecem habitar os anos 1980. Tamanha calcificação dos conceitos de Deleuze e Guattari é uma injustiça especialmente grave, porque Deleuze conscientemente deslocou a terminologia empregada de livro em livro, justamente para evitar isso. Mas não me confunda, tenho uma dívida profunda com os primeiros trabalhos sobre Deleuze! Por exemplo, eu insisto no cerne marxista-freudiano de Deleuze e Guattari, como trabalhado por um dos primeiros comentadores anglófonos, Eugene Holland, a quem procurei para orientar-me a dissertação. Mas para mim, a linha do Tiqqun que “a revolução foi molecular, e também a contrarrevolução” retrata à perfeição o problema de advogar nos tempos atuais por uma política molecular. Por quê? Porque hoje as técnicas de controle são moleculares. O resultado é que as sociedades de controle esvaziaram a cartola de mágico do pensador molecular (Bifo é um bom exemplo para testarmos esta hipótese), o que nos deixa na mão com uma revolução que vai apenas numa única direção e não é para frente.

Mas estou igualmente insatisfeito com os deleuzianos realistas que cavucam profundamente as primeiras camadas de Mil Platôs e para bem longe da “velocidade infinita do pensamento” que anima O que é a filosofia?. Estou pensando das primeiras recepções da teoria dos sistemas dinâmicos, o espanto dos anos ’90 com qualquer coisa que parecesse serendipianamente como um rizoma, a emergência de meados dos ’00 do realismo especulativo, e a virada “ontológica” em andamento. Qualquer um que tenha lido Manuel DeLanda vai conhecer o exato dilema entre materialidade e pensamento. No caso dele, ocorre uma desaceleração dos conceitos de Deleuze e Guattari, para alguma coisa que seja facilmente apreensível. Em seu primeiro livro, DeLanda narra a história de um “historiador robô”, em A Thousand Years of Nonlinear History, ele literalmente retraça os últimos mil anos de economia, biologia e linguagem, remetendo-as a invenções tecnológicas claramente identificáveis. Tais leituras são perigosamente convincentes devido à sua lucidez, que todavia vem a um custo exorbitante: o realismo androide joga fora o sujeito desejante, que seria necessário para uma teoria da revolução através da insistência psicanalítica na habilidade humana de superar os instintos biológicos (e.g., As pulsões e suas vicissitudes e Além do princípio de prazer, de Freud). Interpretações realistas de Deleuze, a seu passo, concebem o sujeito como plenamente estabelecido neste mundo. Mas ao fazer isso, o pensamento como um todo evapora debaixo do peso deste mesmo mundo. O livro de Deleuze sobre Hume é uma primeira versão de crítica a isso, mas os realistas não prestaram atenção nele. Sejam eles emergentes, redistas ou actantes, os realistas — no sentido forte do termo — ignoram um ponto relevante de O que é a filosofia?, de que o pensamento sempre vem do Fora, e no exato momento em que somos confrontados por algo tão intolerável que a única coisa que resta a fazer é pensar.

Galloway: A esquerda sempre foi ambivalente quando se trata de mídia e tecnologia, às vezes denunciando a sua influência corrosiva (Escola de Frankfurt), outras vezes abraçando o seu potencial revolucionário (cibercultura hippy). Ainda assim, você deixa de lado a “aceleração” técnica em favor da “fuga”. Você poderia expandir o seu posicionamento sobre mídia e tecnologia, através da noção de Deleuze do maquínico?

Culp: Foucault diz que uma épistémè pode ser entendida se nós a deixarmos pra trás. Talvez possamos finalmente catalogar todas as posições contemporâneas sobre a tecnologia? A romântica (um computador nunca vai capturar a minha alma), a paranoica (há uma força desconhecida que puxa os cordões), a pessimista-fascista (computadores vão controlar tudo)…

Deleuze e Guattari certamente não são alérgicos à tecnologia. A minha citação favorita vem do livro sobre Foucault em que Deleuze diz que “a tecnologia sempre é social antes de ser técnica”. A lição que pode ser aprendida disso é que cada formação social extrai capacidades diferentes de cada tecnologia. Um exemplo fácil está nos nômades que tanto Deleuze amou. Anarcoprimitivistas conjecturam que os humanos aprenderam a opressão com a domesticação dos animais e estabeleceram a agricultura durante a revolução neolítica. Divergindo dessa narrativa, Deleuze celebra os povos cavaleiros da estepe da Eurásia, como descritos por Arnold Toynbee. Ameaçado por forças que exigiriam que eles mudem de habitat, Toynbee diz, eles preferem em vez disso mudar os seus hábitos. A domesticação subsequente do cavalo não semeou o estado, que na realidade foi feito por aqueles que migraram das estepes na última Idade Glacial para começar o cultivo úmido do arroz nos vales aluviais (mais sobre isso, em The art of not being governed, por James C. Scott). Ao contrário, a nova relação entre humanos e cavalos permitiu ao nomadismo alcançar uma velocidade maior, que era necessária para evadir o esquema pilhagem-e-comércio usado pelos estados padis para sustentar a força de trabalho massiva para a agricultura do arroz. É por isso que o nômade é “aquele que não se move” e não o imigrante (Mil Platôs, p. 381 [NT. Todas as páginas se referem às edições em inglês, referenciadas ao final]).

O aceleracionismo tenta superar a oposição capitalista entre humano e máquina por meio da demanda por automação total. Desse jeito, ele contrabandeia um proudhonismo tecnológico que crê que se possa escolher o que é bom na tecnologia e rejeitar o que é ruim. A réplica marxista é que o desenvolvimento avança pelo seu lado ruim. Então, em vez de coisas chamativas como carros que se autodirigem, a verdadeira questão dot-comunista seria: como a Amazon vai automatizar os empregos maçantes e mal pagos que os computadores não são capazes de fazer? O que vai acontecer com os funcionários que preenchem dados em formulários, com os gerenciadores de conteúdo abusivo, com os técnicos que trabalham em serviços de atendimento? Enquanto não se tiver uma ideia clara sobre quem vai esvaziar a lixeira de reciclagem, o aceleracionismo não passa de um socialismo da classe criativa.

O maquínico é mais do que apenas máquinas — ele aborda a tecnologia a partir da questão da organização. O termo foi primeiro usado por Guattari num artigo de 1968 intitulado “Máquina e estrutura” [NT. contido no livro “Psicanálise e Transversalidade”, com edição em português], que ele apresentou à Escola Freudiana de Lacan em Paris, um artigo que fez decolar a parceria com Deleuze. Nesse artigo, Guattari defende o conceito de máquina em relação ao de estrutura. Estruturas transformam partes de um todo mediante a troca ou substituição de particularidades, de modo que cada parte compartilhe a forma geral (noutras palavras, a produção do isomorfismo). Um exemplo político fácil disso seria o Partido Leninista, que faz a mediação entre interesses privados até que se forme a vontade geral da classe. Máquinas, ao contrário, tratam a relação entre as coisas como um problema de comunicação. O resultado é o “controle e comunicação” da cibernética de Norbert Wiener, que conecta coisas distintas num circuito, em vez de implantá-las numa lógica geral. A palavra “máquina” nunca realmente pegou, mas o conceito fez incursões nas ciências sociais, onde a teoria ator-rede, teoria dos jogos, behaviorismo, teoria dos sistemas e outras abordagens cibernéticas ganharam aceitação.

Estrutura ou máquina, cada uma engendra um tipo diferente de subjetividade, e cada um realiza um modelo diferente de comunicação. As duas podem ser achadas em Mil Platôs, onde Deleuze e Guattari anotam dois tipos diferente de assujeitamento: a sujeição social e a servidão maquínica (p. 456–460). Embora ocupe apenas algumas páginas do livro, a distinção é essencial no trabalho de Bernard Stiegler e foi elaborada habilmente por Maurizio Lazzarato no livro Signos e Máquinas. Estamos todos muito bem familiarizados com sinônimos para o regime da sujeição social, com a “agência” — o poder que resulta de indivíduos preenchendo a lacuna entre eles e estruturas maiores de representação, papéis sociais e demandas institucionais. Essa subjetividade está bem delineada pelos lacanianos e outros teóricos da virada linguística (Virno, Rancière, Butler, Agamben). O que falta nas análises deles é a servidão maquínica, que trata as pessoas como simples rodas dentadas da máquina. Tal subjetividade é vastamente subavaliada porque ela contorna questões existenciais de reconhecimento e identidade. Isto se dá na medida em que a servidão maquínica opera no nível do infrassocial e do pré-individual, através de operadores moleculares de afetos não-individuados, sensações, desejos não consignáveis a um sujeito. Para oferecer um exemplo concreto, a referência de Deleuze e Guattari às megamáquinas de Mumford, de sociedades do excedente, construídas ao redor de imensos trabalhos baseados no tratamento dos humanos como meras engrenagens. O capitalismo ressuscitou a megamáquina no século 16 e, mais recentemente, entramos na “terceira idade” da servidão, marcada pelo desenvolvimento das máquinas informáticas e cibernéticas. No lugar de pirâmides, as máquinas técnicas é que usam humanos no lugar de circuitos técnicos, quando os computadores não são capazes de substituí-los ou são caros demais, por exemplo, na Amazon.

Eu também deveria esclarecer que nem todas as máquinas são ruins. Na verdade, Dark Deleuze apenas acredita num tipo de máquina, a máquina de guerra. E máquinas de guerra seguem uma trajetória única — uma linha de fuga para fora deste mundo. Uma tarefa maior da máquina de guerra se alinha com a minha política de tecnoanarquismo: destruir as redes de comunicação criadas pelo estado.

Galloway: Eu não consigo resistir a um trocadilho infame: canhão da alegria [NT. trocadilho de canon = cânone e cannon = canhão]. Parte do seu projeto é sobre resistir a certa tendência masculinista. Essa é uma avaliação justa? Como o feminismo e a teoria queer influenciam o seu trabalho?

Culp: O feminismo está rebitado no Dark Deleuze através da crítica do trabalho emocional e da exposição de corpos — “Um Deleuze revolucionário para o mundo digital atual de felicidade compulsória, controle descentralizado e superexposição”. O maior tema que eu pressiono ao longo do livro é um tema materialista feminista: algo intolerável sobre este mundo é o fato que somos exigidos a participar de sua acumulação e reprodução. Então que tal um jogo de palavras diferente: o conceito de “desmancha-prazeres feminista” de Sara Ahmed, a recusa do contrato sexual que requer à mulher que apareça sempre grata e agradável? Ou melhor ainda, Joy Division [NT. ou seja, Divisão da alegria]? O nome associaria o meu projeto com o pós-punk, com o seu ataque conceitual ao mainstream, e o aceno da banda ao trabalho sexual retratado na novela House of Dolls [NT. novela do escritor judeu “Ka-Tsetnik 135633", que retrata as “Joy Divisions”, isto é, seções do campo de extermínio em que mulheres judias eram selecionadas para servir como escravas sexuais de seus captores nazistas].

A minha crítica da acumulação também é um argumento sobre a conexão. Os críticos mais populares da cultura de rede estão preocupados que nesse processo estaríamos perdendo a nós próprios. Então, por um lado, temos Sherry Turkle que está preocupado com o isolamento crescente dos humanos num estado de “sozinhos-juntos”; por outro lado, está Bernard Stiegler, que pensa que a rede suplanta partes importantes do que significa ser humano. Eu acho esses tipos de crítica socialmente conservadores. Eles igualmente vitimizam-acusam antes de qualquer coisa aqueles que usam as redes sociais. Lembremos os incontáveis artigos atacando as mulheres que tiram selfies como parte de seu regime de auto-ajuda ou adolescentes que, criativamente, escapam da autoridade dos pais. Estou mais interessado na crítica da cultura de rede do começo dos anos 90 e o seu entusiasmo pela rede. Em geral, eu sustento no livro que as abordagens redecêntricas são agora uma forma dominante de poder. Estou muito mais interessado em como o rizoma prefigura as redes digitalmente coordenadas de exploração que tornaram a Apple, a Amazon e o Google as empresas mais poderosas do mundo. Embora não seja feminista por seu valor de face, é fácil ver a relevância ao feminismo disso, quando consideramos a divisão do trabalho por gênero, que geralmente torna as mulheres as empregadas mais usuais para empregos mal pagos na fabricação de eletrônicos, em call centers e noutras indústrias digitais.

Por último, o feminismo e a teoria queer se encontram abertamente na minha crítica da reprodução. Um argumento chave para Deleuze e Guattari no Anti-Édipo é a autoprodução do real, o que significa dizer que nós já vivemos num “mundo sem nós”. O meu argumento consiste em que nós precisamos aprender como odiar algumas das coisas que ele produz. Claro, essa é uma crítica retrabalhada da alienação e da exploração capitalistas, que é um sistema que nos concede bens e salário apenas porque ele já os roubou pelas nossas costas, ao separar-nos dos meios de subsistência e do mais-valor. Tal ambivalência é a realidade cotidiana do trabalhador das maquiladoras que precisa de seu emprego, mas que secretamente torce para que todas as fábricas queimem até o chão. Tais sentimentos destrutivos são resultado dos compromissos que somos constrangidos a fazer para nos conservarmos e reproduzirmos. No livro, eu dou voz a esses sentimentos, ao fundir a noção de vergonha gay da obra de David Halperin e Valerie Traub, que atua como um solvente contra tudo aquilo que nos vincula à identidade, e a vergonha de Deleuze de não sermos capazes de evitar o intolerável. Mas sentir vergonha não é suficiente. Para completar o argumento, temos de aproveitar elementos da crítica feminista queer à reprodução, o que está apenas latente em Marx ou Freud. E dessa maneira deturpar uma velha frase: a ação direta começa no momento da reprodução. O meu primeiro impulso é contar com a atitude punk rock de Lee Edelman e Paul Preciado, quando instauram um inquérito sobre a reprodução. Mas você está certo, no sentido que eles também têm os seus momentos masculinistas, então o que precisaríamos mesmo é de algo mais na linha do pós-punk — um pouco menos agressivo e muito mais experimental. Esperançosamente, Dark Deleuze é isso.

Galloway: A passagem “f**a-se Annie”, de Lee Edelman, em No Future: Queer Theory and the Death Drive [NT Sem futuro: teoria queer e o instinto de morte, 2004], é uma das melhores na teoria recente. “f**a-se a ordem social e a Criança em cujo nome somos aterritorizados coletivamente; f**a-se Annie; f**a-se a criança abandonada de Os miseráveis, f**a-se toda a rede de relações Simbólicas e o futuro que serve como seu motor” (No future, 29). O seu livro reivindica, em essência, que os Fuck Annies são mais interessantes do que os materialistas aleatórios. Como podemos escapar do longo braço de Lucrécio?

Culp: A minha sensação é que a política do materialismo aleatório permanece ambígua. Além do sentido literal de “alegria”, existem importantes recortes feministas a respeito do Spinoza materialista dos encontros que merecem a nossa atenção. O trabalho de Isabelle Stengers está entre os mais abrangentes, ainda que os dois mais famosos provavelmente sejam o feminismo ciborgue de Donna Haraway e o realismo agencial de Karen Barad. Curiosamente, embora o Novo Materialismo tem sido uma baita mão para o mundo da arte e do design, as suas apostas sociopolíticas nunca foram tão incertas. Seria de esperar que os apelos ao assunto dessem credibilidade filosófica a eventos tópicos, como o Black Lives Matter. Contudo, para muitos, o Novo Materialismo apenas conduziu a um novo formalismo, focado em formas materiais ou considerações realistas de sistemas físicos, com o fito de eclipsar os “excessos epistemológicos” do pós-estruturalismo. Essa divergência não se perdeu entre os comentadores no mais recente número da revista October, que exerceu o papel de uma espécie de referendo sobre o Novo Materialismo. Por um lado, o assunto inclui uma avaliação generosa das muitas avenidas que os artistas assumiram ao explorar as várias direções “neo-materialistas”. Dessas, gosto do lembrete de Mel Chen que o materialismo não pode servir de “passe livre para sair da cadeia” no tocante à história do racismo, machismo, capacitismo e especismo. Por outro lado, o número da revista incluiu o primeiro ataque consistente contra o novo materialismo. Certamente, a instância do novo materialismo em ver o mundo da perspectiva de “objetos reais” pode ser valiosa, mas só se não excluir com isso a velha política materialista do trabalho. No livro, aproveito elementos das feministas deleuzianas neo-materialistas, em minha crítica da acumulação e da reprodução, mas somente depois de curtocircuitar a construção de mundo que elas fazem. Essa é uma jogada que aprendi com Sue Ruddick, cujo artigo Teoria, cultura & sociedade sobre o afeto do grito filosófico é um tour de force absoluto. E então existe a observação de Graham Burnett que os materialismos recentes são como “Etsy [NT. Webvenda de produtos vintage] beijado pela filosofia”. A frase cristaliza perfeitamente a controvérsia, que talvez esteja quente demais para ser tocada, por pelo menos uma década…

Galloway: Vamos nos concentrar mais no tema da afirmação e negação, já que a maré parece estar virando. Em anos recentes, um número de teóricos deu as costas à afirmação para voltar-se a um conjunto diferente de direções, tais como a negação, o eclipse, a extinção ou o pessimismo. Batemos no teto com a afirmação?

Culp: Primeiro, deveríamos estabelecer o que a afirmação quer dizer neste contexto. Existe a versão metafísica da afirmação, como na auto-intitulação orgulhosa de Foucault como “positivista feliz”. Na declaração dele, em Arqueologia dos Saberes e em A Ordem do discurso, Foucault não está se reivindicando um positivista lógico. Em vez disso, está demarcando a sua abordagem em relação à totalidade de Sartre, ao transcendentalismo e às origens genéticas (o seu alvo secundário é o método ler-nas-entrelinhas, da sintomatologia de Althusser). Foucault passa a formalizar o desacordo com a sua famosa declaração sobre o método genealógico, “Nietzsche, Genealogia, História” (NT. Na coletânea Microfísica do poder). Apesar de ser um admirador de Sartre, Deleuze compartilha essa metafísica afirmativa com Foucault, que os comentadores geralmente descrevem como uma alternativa ao sistema hegeliano da identidade, contradição, negação determinada e subsunção. Mas nada nesse “positivismo feliz” de Foucault nos força a sermos otimistas. Na realidade, apenas aumenta as apostas ao apontar como todos os sentidos não-metafísicos do negativo persistem.

A afirmação vem junto com um simples lógica “mais é melhor” na teoria do agenciamento e no composicionalismo de Latour. Por trás dessa lógica, existe um princípio de acumulação mas sem uma teoria da exploração, falhando em levar em conta o poder do desligamento, do desconectar. A definição spinozana de alegria não faz muito para dissolver esse mito. Penso que nós estaríamos melhor se seguíssemos, em vez disso, as correntes de elaborações políticas radicais nos últimos vinte anos que vêm seguindo uma trilha cada vez mais do negativo. Pois uma parte da história é história dos fracassos. A manifestação de 15 de fevereiro de 2003, contra a Guerra no Iraque, foi o maior protesto da história, mas ele não resultou em efeito algum para impedir o curso da guerra. Mais recentemente, a eleição de governos socialistas democráticos na Europa fez muito pouco para evitar a manutenção da austeridade, mesmo quando os economistas publicamente descrevem-na como um modelo falido, destinado a aprofundar a crise. Na realidade, encontro esperança no atual ciclo de luta e penso que a falta de aspirações pela construção de mundo alterglobalização aqui talvez seja um plus. As minhas pistas vêm do black bloc anarquista e daqueles da geração pós-Occupy, grupos que preferem não avançar nenhuma reivindicação. É por isso que eu volto ao último Deleuze, o do ensaio das “sociedades de controle”, e a sua recomendação de embaralhar os códigos, buscar espaços onde nada precise ser dito, e instituir vacúolos de não-comunicação. Tais ações alimentam a fonte subterrânea da escuridão de Dark Deleuze e o poço de onde brotam o ódio, a crueldade, a interrupção, a desvirada, a fuga, o cataclisma e a destruição de mundos.

Galloway: Teria o ódio pelo mundo um efeito semelhante para você do que o julgamento e o moralismo têm para outros escritores? Como evitamos as formas mais violentas e corrosivas de ódio?

Culp: A tentativa do escritor Antonin Artaud de “acabar com o julgamento de Deus” exerce um papel crucial em Dark Deleuze. Acabar não apenas com alguma autoridade específica, mas com quaisquer deuses que tenham sobrado. O modo mais fácil de resumir isso é pelas “três mortes”. Deleuze já tomou nota dessas mortes no prefácio à Diferença e repetição, mas para mim isso só se tornou claro depois que li Gilles Deleuze e a fabulação da filosofia, de Gregg Flaxman. Todos conhecemos a Morte de Deus nietzschiana. Com ela, Nietzsche constata que Deus não serve mais como princípio central e organizador para nós, os modernos. Importante a Dark Deleuze é o Nietzsche de Pierre Klossowski, que participa de uma conspiração contra toda a humanidade. Por quê? Porque quando Deus está morto, a humanidade o substitui por si própria. Então, a seguir, vem a Morte do Homem, cujo cadáver jaz aos pés de Foucault. Mais do que em qualquer outro texto, A ordem do discurso demonstra como o nascimento do homem moderno foi uma invenção desde o princípio fadada ao fracasso. Então se aquela morte que já está escrita na areia prestes a ser levada pelo vento, o que vem depois? Aqui eu me volto para o mundo, o fazer mundo. Parece óbvio quando olhamos para os problemas que infestam o nosso mundo: a mudança climática global, o capitalismo mundial e integrado, e outras catástrofes em escala planetária. Nós poderíamos tentar lidar com cada um desses problemas, um por um. Mas por que não colocamos uma proposta ainda mais radical? E se largássemos mão da tentativa de salvar o mundo? Nós já estamos encharcados de ficção científica que busca fazer isso, ainda que a maior parte dela seja incrivelmente conservadora. Talvez agora tenha chegado a hora de pensadores como nós alcançá-las. Fragmentos de Deleuze já arranjam os termos do projeto. Ele termina o prefácio de Diferença e repetição consignando à filosofia a tarefa de escrever uma ficção científica apocalíptica. O livro de Deleuze abre com um raio num céu negro e termina com um mundo inchando num único e imenso oceano de excesso. Dark Deleuze colhe todos esses momentos e os nomeia: a Morte do Mundo.

Galloway: Falando da mudança climática, me faz lembrar como pensadores ecológicos podem ser bastante religiosos, senão nas palavras, nos atos. Ecologistas gostam de criticar a “natureza” e todas as suas credenciais anti-essencialistas, enquanto ao mesmo tempo promulgam uma “virada” telúrica como necessária e até salutar. Teriam eles simplesmente substituído uma força irresistível por outra? Mas o seu “ódio pelo mundo” segue uma lógica diferente…

Culp: Irresistível realmente! Ainda assim, é muito perigoso deixar a última palavra à Terra. Não apenas a psicanálise nos ensina que é necessário rechaçar o julgamento da natureza, que a distinção é/deve ser no coração filosófico do pensamento mais ético recusa deixar que o fato natural defina o bem. Introduzo o ódio para marcar uma distância crítica do que é — e, como tal, o ódio é uma reivindicação do futuro no que ele contém de recusa a permitir o que é de prevalecer sobre o que pode ser. Tal orientação na direção do futuro já está em Deleuze e Guattari. Que mais poderia ser a desterritorialização? Eu apenas dei-a um nome. Eles têm outro nome para o que eu chamo de ódio: utopia.

Falando de utopia, a definição de Deleuze e Guattari de utopia em O que é a filosofia?, como simultaneamente aqui-agora [now-here] e não-aqui [no-where], é usada frequentemente por comentadores para justificar posições estranhas, de compromisso com o presente estado de coisas. A referência imediata aqui é o livro Erewhon, de 1872, por Samuel Butler, uma soletração de trás para frente da palavra nowhere (nenhum lugar), que Deleuze também referencia através do outro trabalho dele. Eu imaginaria que a maior parte das pessoas assumiria que é um romance utópico na esteira de Looking Backward, de Edward Bellamy [NT. Daqui a cem anos: revendo o futuro, de 1888, traduzido ao português, romance famoso em que o autor descreve um estado socialista utópico].

E Erewhon, de fato, toma emprestadas convenções da literatura utopista, mas apenas para espetá-las por meio da sátira. Um exame mais de perto revela que o livro é realmente um jab contra a religião, os valores da sociedade vitoriana e a colonização britânica da Nova Zelândia! Então, se tem algo que o aqui-agora de Erehhow tem a contribuir à utopia, é que o presente merece a nossa crítica a mais rude. Em vez de estar simultaneamente aqui-agora (now-here) e nenhum-lugar (no-where), o ódio se desenvolve a partir da sugestão de Deleuze e Guattari em Mil Platôs de “derrubar a ontologia” (25). Portanto, a utopia somente pode ser achada em Erewhon ao nos despedirmos do now-here (aqui-agora) para chegar ao no-where (nenhum-lugar).

Galloway: Em Dark Deleuze, você fala em evitar “a armadilha liberal da tolerância, da compaixão e do respeito”. E então conclui dizendo que “o pior crime do culto da alegria é a tolerância”. Você poderia explicar o que significa, particularmente àqueles para quem a tolerância é um valor?

Culp: Entre os muitos seguidores de Deleuze hoje, existe uma fração de deleuzianos liberais. Talvez essa seja a maior fortaleza da ciência política, onde há um grupo comprometido de autoprofessados liberais radicais. Outros estendem pontes entre Deleuze e o liberalismo de John Rawls. Eu fiquei um pouco chocado quando descobri ambas as abordagens, mas suponho que é inexorável, dada a capacidade do liberalismo de assimilar praticamente qualquer forma de pensamento.

Herbert Marcuse definiu a “tolerância repressiva” como o incrível poder do liberalismo de justificar a violência com posições vestidas de neutralidade. Os exemplos que Marcuse cita são os governos que dizem que respeitam as liberdades democráticas ao permitir manifestações, embora ao mesmo tempo ignorem os manifestantes ao rotulá-los como um grupo especial de interesses. Para aqueles entre nós que têm visto as administrações universitárias serenamente anotando as demandas dos estudantes, formando grupos de trabalho sem perspectiva real, e tascando fotos de manifestantes em materiais promocionais, como uma prova da diversidade, não deveria ser surpresa que Marcuse tenha dedicado o ensaio aos seus alunos. Uma importante reelaboração sobre a tolerância repressiva é o livro Regulating Aversion: Tolerance in the Age of Identity and Empire, por Wendy Brown. Ela sustenta que a polícia externa americana imperialista estende a cortina do discurso da tolerância. Brown ajuda a diagnosticar porque grupos feministas liberais apoiaram a invasão americana do Afeganistão (pois o Talibã é patriarcal) e explica como a simples menção ao ISIS inflama até o mais progressista dos liberais a apoiar ultrajantes orçamentos de guerra.

Por causa de seu compromisso com a democracia, Brown e Marcuse somente podem qualificar os procedimentos universais do liberalismo para um sujeito ético. Cada um critica certos usos da tolerância mas não quer dispensá-la por completo. O ódio de Deleuze à democracia tornou as coisas bem mais fáceis para mim. Ao invés, eu abraço a perspectiva do militante comunista porque os comunistas lutam a partir de uma posição estrutural diferente daquela do capitalista.

Galloway: Falando de estrutura e posição, você tem uma seção no livro sobre a assimetria. A maioria dos autores evita a assimetria, para favorecer conceitos como troca e reciprocidade. Estou pensando de textos sobre “o encontro” ou “a dádiva”, sem mencionar a própria dialética como um sistema de trocas. Ainda assim, você quer abraçar a irreversibilidade, a incomensurabilidade, e a inoperosidade formal — por quê?

Culp: Existem muitas razões para que a assimetria seja preferível, mas, para mim, no frigir dos ovos, tais razões se resumem à questão da estratégia política.

Primeiro, um pouco de pano de fundo. A crítica da troca é importante no Anti-Édipo, em que foi encenada por Deleuze e Guattari como um desafio a Claude Lévi-Strauss. É por isso que eles deslocam a análise marxista tradicional em termos de modo de produção para o estudo antropológico da antiprodução, no que eles mobilizam a obra de Pierre Clastres e Georges Bataille, para desenhar formas não-econômicas de poder que conjuraram a formação do capitalismo. Antropólogos contemporâneos renovaram essa linha de pesquisa, por exemplo, Eduardo Viveiros de Castro, que sustenta em Metafísicas canibais que a cosmologia difere tão radicalmente entre povos diferentes que eles essencialmente vivem em mundos diferentes. O canibal, diz Castro, não é sujeito de um modo de produção, mas de um modo de predação.

Essas não são as apostas que mais me interessam. Considere, em vez disso, a consequência de sistemas éticos construídos a partir do princípio da dádiva e sistemas políticos de incomensurabilidade. A abordagem ética é exemplificada por Derrida, cuja responsabilidade diante do outro vem da tradição teológica liberal de acolher o estrangeiro. Embora exista uma distância entre o eu e o outro, ela é preenchida por meio de um projeto democrático de inclusão radical, mesmo se tal incorporação só pode ser aporeticamente descrita como uma impossibilidade-necessária. Em contraste, a política da assimetria usa a incomensurabilidade para alargar o abismo aberto pela diferença. Ela apresenta uma estratégia de geração de antagonismo sem a equivalência formal da dialética, e provê uma imagem da revolução com base numa transformação fundamental. A primeira pode ser vista na diferença inerente entre a perspectiva do trabalho e a do capital, enquanto a última é uma saída ao que Guy Debord chama de “presente perpétuo”.

Galloway: Você está explorando um Deleuze “dark” e eu me lembro como os conceitos de escuridão e negritude expandiram e se entreteceram nos últimos anos em tudo, desde o afropessimismo até a teoria do black metal (que sabemos ser assustadoramente branca). Como você diferencia entre escuridão e negritude? Ou talvez esse não seja o ponto?

Culp: A escrita sobre Deleuze e raça é desigual. Muito da culpa pode ser atribuída à definição imprecisa de devir. A versão mais vulgar de devir foi assimilada pelos sujeitos neoliberais que sustentam um processo sempre-incompleto de vir mais a ser (encontrando, identificando as suas capacidades, comandando-as). A versão molecular é um pouquinho melhor pelo fato que nela a subjetividade se desenvolve por fora da identidade ou em tensão com ela. Ainda assim, os usos proeminentes de devir e raça raramente escapam da órbita pós-moderna da hibridação, da diferença e da disjunção inclusiva — a face do Homem Branco como significante-mestre, a miscigenação como prática antirracista, “eu sou todos os nomes da história”. Você está certo em mencionar o afropessimismo, na medida em que ele traça um novo recorte do problema. Como escrevi noutro lugar, Frantz Fanon descreve ter sido pego entre o “infinito” e o “nada”, no seu célebre capítulo sobre o fato da negritude, em Pele negra, máscaras brancas. A posição do infinito é patrocinada por Fred Moten, cujo conceito de negro fugitivo é o efeito de uma vitalidade excessiva que sobreviveu a 500 anos de cativeiro. Moten captura momentos fugazes dele nas performances de jazz, arte e poesia. Essa posição combina bem com as figuras familiares da política deleuze-guattariana: o nômade itinerante, o estrangeiro que fala numa língua menor, o virtuoso preso no limiar entre as terras. Em suma, a combinação abastardada de dois ou mais mundos distintos. Diversamente, o afropessimismo não é o oposto da tradição negra radical, mas é o seu Fora. De acordo com o afropessimismo, a definição da negritude não é nada mais do que morte social do cativeiro. Lembra da cena da sujeição mencionada por Fanon? Durante aquele momento repulsivo, ele é assaltado por uma série de associações culturais atreladas a ele por estranhos na rua. “Eu me vi levado ao chão por tantãs, canibalismo, deficiência intelectual, fetichismo, defeitos raciais, navios negreiros e, sobretudo, ‘Sho’ good eatin’ [NT: no original em francês, do escritor de Martinica, “Y a bon banania”, slogan do achocolatado francês que usava clichês racistas nas propagandas, no começo do século 20] (112)”. O afropessimismo aprendeu a lição que representações culturais da negritude apenas refletem o interior da sociedade civil branca. A conclusão é que combinar a morte social com a cultura de resistência, tal como incorporada pelo mentor de Fanon, Aimé Césaire, é uma armadilha que termina por nos levar de volta à branquitude. Afropessimismo, então, segue a rota alternativa da escuridão. Ela lança uma linha ao Fora através de uma desvirada, que dissolve a identidade que nos é dada como um símbolo para a vergonha de ser um sobrevivente.

Galloway: Numa recente entrevista, o cineasta Haile Gerime falou sobre a branquitude como uma “realização”. Como isso, ele significou tanto a realização como tal — autorrealização, a realização do self, a habilidade de realizar o self — como também a sua versão mais nefasta como “realização através do outro”. O mais espantoso é que nessa frase se pode substituir “através” por qualquer outra proposição — para, contra, com, sem etc — e a dinâmica ainda se mantém. A branquitude é uma coisa que torna todo o resto, inclusive os corpos negros, em forragem para a sua própria realização. É por isso que você deixa para lá a realização, para preferir algo como a profanação? E seria a escuridão apenas outro tipo de brancura?

Culp: Talvez a negritude esteja para o profano assim como a escuridão para o Fora. O que é o black metal senão um projeto de uma profanação político-estética? Mas como outros comentadores assinalaram, a política do black metal é ultimamente telúrica (exemplo, o texto “Remain True to the Earth!: Remarks on the Politics of Black Metal”, de Benjamin Noys). A esquerda do black metal é anarquista anticivilizatória e a direita é nativista fascista. Mas ambas traçam a autoridade até a terra, que eles tratam como juíza última e usurpada por ídolos falsos.

O processo segue o que Badiou chama de “paixão pelo real”, o seu diagnóstico da obsessão do século 20 com a identidade verdadeira, as cópias falsas e as farsas inautênticas. A sua crítica igualmente se aplica aos deleuzianos realistas. É por isso que eu penso ser essencial um retorno ao trabalho de Deleuze sobre o cinema e as potências do falso. Um exemplo-chave está no filme F for Fake, de Orson Welles. Ainda assim, a minha escolha favorita seria o romance noir, que ele louva no ensaio “A filosofia dos romances policiais” [NT. Em língua portuguesa, incluído na coletânea A ilha deserta e outros textos, com o título “Filosofia da Série Negra”]. O protagonista noir nunca segue as pegadas de Sherlock Holmes ou de outros detetives clássicos na busca pelo real, que cheiram a verdade através de uma calibragem científica dos sentidos. Em vez disso, as ruas sujas levam o detetive a descer o suficiente, até becos sem saída, que ele procede por meio de uma série de erros. O noir revela que o crime e a polícia “nada tem a ver com a busca metafísica ou científica pela verdade” (82). A verdade é raramente decisiva no noir porque descobertas decisivas apenas acontecem mediante “a grande trindade da falsidade”: informante-corrupção-tortura. A contribuição definitiva do noir é uma nova visão do mundo em que pessoas honestas não passam de trouxas, porque a sociedade é abastecida de fio a pavio pelo combustível da falsidade.

Para especificar a descida ao dark, eu uso dark para significar o Fora. O Fora tem muitos nomes: o contingente, o vazio, o inesperado, o acidente, a rachadura, a catástrofe. Os afetos dominantes associados ao Fora são antecipação, pressentimento, e terror. Para dar alguns exemplos, os mais horripilantes monstros de Lovecraft são aqueles tão alienígenas que os personagens não conseguem sequer descrevê-los com clareza. O desastre de Maurice Blanchot é o Holocausto, assim como qualquer outro evento tão terrível que chega a interromper o próprio pensar. O “evento tóxico aerotransportado” de Don DeLillo é um incidente esquisito a tal ponto que somente pode ser descrito nos termos mais banais. Dos vários diferentes Corpos sem Órgãos que aparecem em Deleuze e Guattari, um em versão conservadora vem de um modelo freudiano de mente que a compara a uma concha, uma capa protetora do ego ante as perturbações externas. Todos nós temos essas barreiras defensivas feitas de hábitos que nos ajudam a navegar num mundo incerto — esse é o propósito do ritornelo de Guattari, essa pequena cantilena que murmuramos para lembrar-nos de algo familiar, ao viajarmos por terras estranhas. Aí existem duas partes que trabalham juntas, o refrão e a terra estrangeira. Mas enquanto os refrãos só cresceram, as viagens parecem ter terminado.

Vou terminar com um exemplo que me é caro. Deleuze e Guattari hoje vêm sendo usados para respaldar uma nova “política prefigurativa” anarquista, que se define pela busca de construir uma nova sociedade dentro dos limites da existente. A consequência disso é que o horizonte político do futuro colapsa com o presente. Isto é frustrante para alguém como eu, que mantém a esperança por um futuro revolucionário, um que ponha fim às milhões de pequenas humilhações que constituem a vida cotidiana. Eu gosto da crítica feminista de J.K. Giblson-Graham da economia política, porém, moedas comunitárias, bancos de tempo de trabalho e cooperativas de trabalhadores não perfazem a minha imagem do comunismo. É por isso que eu pego influências do gótico. Uma revolução que emerja da escuridão mantém o potencial apocalíptico de terminar com o mundo tal como o conhecemos.




Andrew Culp é professor no Whitman College. Especializado em teorias cultural-comunicativas do poder, a política das mídias emergentes e respostas de gênero à urbanização. O seu trabalho aparece em publicações como Radical Philosophy, Angelaki, Affinities, e outras.

Alexander R. Galloway é escritor e programador, trabalha com filosofia, tecnologia e teorias da mediação. Professor na Universidade de Nova Iorque, é autor de vários livros e artigos sobre mídia digital e teoria crítica: Protocol: How Control Exists after Decentralization (MIT, 2006), Gaming: Essays in Algorithmic Culture (University of Minnesota, 2006); The Interface Effect(Polity, 2012), and most recently Laruelle: Against the Digital (University of Minnesota, 2014), reviewed here in 2014. Publica textos no The b2 Review."

Fonte:

Os trechos mais interessantes a essa discussão estão destacados.

Para te ser perfeitamente sincero, quanto mais eu leio, mais claramente eu me assumo como burro e inoperante. A minha relação com estes grandes autores e pensadores é a de um claustrofóbico e desesperador espaço "entre as duas mortes", como o diria Lacan; é a severa e excruciante agonia entre duas intensas impossibilidades paradoxalmente inabdicáveis, em que eu nem consigo alcançar as minhas ambições (de me tornar um filósofo), nem tampouco me livrar de sua incessante busca (já a priori destinada ao fracasso).

É o famoso "neither/nor" levado ao extremo ("neither get it, nor get rid of"). Esta é a minha angustiante relação com a "alta teoria" em geral. É com este mood de m**** que eu te respondo agora. Acho que nenhum brasileiro deveria se meter a ser filósofo. Eu continuo achando que não há filósofo "propriamente dito" no Brasil; só existem fanfarrões pretendentes-à; "professores de filosofia" e leitores de segunda categoria. Acho que você deverá discordar de mim, mas eu nunca encontrei forte evidência que me demonstrasse o contrário (de que nós temos, sim, grandes filósofos por aqui).
 

Pingu77

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Para te ser perfeitamente sincero, quanto mais eu leio, mais claramente eu me assumo como burro e inoperante. A minha relação com estes grandes autores e pensadores é a de um claustrofóbico e desesperador espaço "entre as duas mortes", como o diria Lacan; é a severa e excruciante agonia entre duas intensas impossibilidades paradoxalmente inabdicáveis, em que eu nem consigo alcançar as minhas ambições (de me tornar um filósofo), nem tampouco me livrar de sua incessante busca (já a priori destinada ao fracasso).

É o famoso "neither/nor" levado ao extremo ("neither get it, nor get rid of"). Esta é a minha angustiante relação com a "alta teoria" em geral. É com este mood de m**** que eu te respondo agora. Acho que nenhum brasileiro deveria se meter a ser filósofo. Eu continuo achando que não há filósofo "propriamente dito" no Brasil; só existem fanfarrões pretendentes-à; "professores de filosofia" e leitores de segunda categoria. Acho que você deverá discordar de mim, mas eu nunca encontrei forte evidência que me demonstrasse o contrário (de que nós temos, sim, grandes filósofos por aqui).

Eu também tenho essa sensação, mas eu vou pela tentativa e erro, tateando referências no que eu gosto e mergulhando, principalmente porque sou do Direito, um campo aonde as teorias positivistas-linguísticas-analíticas dominam as academias mais prestigiadas. Do outro lado desse campo (Direito), a teoria da universidade que se apresenta como crítica, que mobiliza autores que analisam culturalmente/historicamente o Estado, a sociedade, o Direito, entre outros aspectos, se comportam como o freio (a "Catedral"), eles tornam-se carreiristas, se encastelam em suas "utopias negativas" (o que é sempre postergar contra o mal inevitável: o capital, o "neoliberalismo", etc.) e usando "teoria" apenas para manterem seus privilégios.

Para complicar mais ainda, até supostamente em alguma instituição privada (PUC, por exemplo) que compre as minhas reflexões, ela hoje ainda é marginal, sem falar que subversiva (à direita e à esquerda). (Nick L@nd é persona non grata na academia anglo-saxã, como Negri era antigamente na Itália.) E, por último, há um quê de paradoxo no que eu penso - em deixar tudo que não tem valor para trás, deixar morrer -, colocado adiante da própria base desse pensamento (meu), que é o ápice de, como você, disse a "alta teoria", uma linguagem por vezes impenetrável, coisa dos novos monges das universidades medievais que se refugiam em suas torres de marfim (um "lero-lero" francês). Não é algo que todo mundo está disposto a valorizar, seja "comercial".

Para ser "otimista", vejo o exemplo do CCRU (o Cybernetic Culture Research Unit, antigo coletivo do Nick Land, da Sadie Plant, também de nomes hoje influentes na filosofia/ficção como Ray Brassier, Ian Hamilton Grant, Kodwo Eshun, Mark Fisher [falecido em janeiro], Reza Negarestani, etc.):

"The CCRU existed as a fully functional entity for less than five years. For some of that time, it was based in a single office in the tight corridors of the Warwick philosophy department, of which it was an unofficial part. Later, the unit’s headquarters was a rented room in the Georgian town centre of nearby Leamington Spa, above a branch of the Body Shop.

For decades, tantalising references to the CCRU have flitted across political and cultural websites, music and art journals, and the more cerebral parts of the style press. “There are groups of students in their 20s who re-enact our practices,” says Robin Mackay. (...) Former CCRU members still use its language, and are fiercely attached to the idea that it became a kind of group mind. Land told me in an email: “Ccru was an entity ... irreducible to the agendas, or biographies, of its component sub-agencies ... Utter submission to The Entity was key.”

The CCRU gang formed reading groups and set up conferences and journals. They squeezed into the narrow CCRU room in the philosophy department and gave each other impromptu seminars. Land and Plant’s offices in the department also became CCRU hubs. “They were generous with their time,” said Grant, “And he had good drugs – skunk [cannabis]. Although it could be grim going in there, once he started living in his office. There would be a tower of Pot Noodles and underwear drying on the radiator, which he had washed in the staff loos.”

The Warwick campus stayed open late. When the philosophy department shut for the night, the CCRU decamped to the student union bar across the road, where Land would pay for all the drinks, and then to each other’s houses, where the group mind would continue its labours. “It was like Andy Warhol’s Factory,” said Grant. “Work and production all the time.”

In 1996, the CCRU listed its interests as “cinema, complexity, currencies, dance music, e-cash, encryption, feminism, fiction, images, inorganic life, jungle, markets, matrices, microbiotics, multimedia, networks, numbers, perception, replication, sex, simulation, sound, telecommunications, textiles, texts, trade, video, virtuality, war”. Today, many of these topics are mainstream media and political fixations. Two decades ago, says Grant, “We felt we were the only people on the planet who were taking all this stuff seriously.” The CCRU’s aim was to meld their preoccupations into a groundbreaking, infinitely flexible intellectual alloy – like the shape-shifting cyborg in the 1991 film Terminator 2, a favourite reference point – which would somehow sum up both the present and the future.
"
 

sparcx86_GHOST

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Para te ser perfeitamente sincero, quanto mais eu leio, mais claramente eu me assumo como burro e inoperante. A minha relação com estes grandes autores e pensadores é a de um claustrofóbico e desesperador espaço "entre as duas mortes", como o diria Lacan; é a severa e excruciante agonia entre duas intensas impossibilidades paradoxalmente inabdicáveis, em que eu nem consigo alcançar as minhas ambições (de me tornar um filósofo), nem tampouco me livrar de sua incessante busca (já a priori destinada ao fracasso).

É o famoso "neither/nor" levado ao extremo ("neither get it, nor get rid of"). Esta é a minha angustiante relação com a "alta teoria" em geral. É com este mood de m**** que eu te respondo agora. Acho que nenhum brasileiro deveria se meter a ser filósofo. Eu continuo achando que não há filósofo "propriamente dito" no Brasil; só existem fanfarrões pretendentes-à; "professores de filosofia" e leitores de segunda categoria. Acho que você deverá discordar de mim, mas eu nunca encontrei forte evidência que me demonstrasse o contrário (de que nós temos, sim, grandes filósofos por aqui).
post magistral pensei que era o único que pensava desta maneira.
todos que já arranharam os grandes clássicos e filosofos mundiais tem a mesma impressão.
 

Ivo Maropo

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Eu também tenho essa sensação, mas eu vou pela tentativa e erro, tateando referências no que eu gosto e mergulhando, principalmente porque sou do Direito, um campo aonde as teorias positivistas-linguísticas-analíticas dominam as academias mais prestigiadas. Do outro lado desse campo (Direito), a teoria da universidade que se apresenta como crítica, que mobiliza autores que analisam culturalmente/historicamente o Estado, a sociedade, o Direito, entre outros aspectos, se comportam como o freio (a "Catedral"), eles tornam-se carreiristas, se encastelam em suas "utopias negativas" (o que é sempre postergar contra o mal inevitável: o capital, o "neoliberalismo", etc.) e usando "teoria" apenas para manterem seus privilégios.

Para complicar mais ainda, até supostamente em alguma instituição privada (PUC, por exemplo) que compre as minhas reflexões, ela hoje ainda é marginal, sem falar que subversiva (à direita e à esquerda). (Nick L@nd é persona non grata na academia anglo-saxã, como Negri era antigamente na Itália.) E, por último, há um quê de paradoxo no que eu penso - em deixar tudo que não tem valor para trás, deixar morrer -, colocado adiante da própria base desse pensamento (meu), que é o ápice de, como você, disse a "alta teoria", uma linguagem por vezes impenetrável, coisa dos novos monges das universidades medievais que se refugiam em suas torres de marfim (um "lero-lero" francês). Não é algo que todo mundo está disposto a valorizar, seja "comercial".

Para ser "otimista", vejo o exemplo do CCRU (o Cybernetic Culture Research Unit, antigo coletivo do Nick Land, da Sadie Plant, também de nomes hoje influentes na filosofia/ficção como Ray Brassier, Ian Hamilton Grant, Kodwo Eshun, Mark Fisher [falecido em janeiro], Reza Negarestani, etc.):

"The CCRU existed as a fully functional entity for less than five years. For some of that time, it was based in a single office in the tight corridors of the Warwick philosophy department, of which it was an unofficial part. Later, the unit’s headquarters was a rented room in the Georgian town centre of nearby Leamington Spa, above a branch of the Body Shop.

For decades, tantalising references to the CCRU have flitted across political and cultural websites, music and art journals, and the more cerebral parts of the style press. “There are groups of students in their 20s who re-enact our practices,” says Robin Mackay. (...) Former CCRU members still use its language, and are fiercely attached to the idea that it became a kind of group mind. Land told me in an email: “Ccru was an entity ... irreducible to the agendas, or biographies, of its component sub-agencies ... Utter submission to The Entity was key.”

The CCRU gang formed reading groups and set up conferences and journals. They squeezed into the narrow CCRU room in the philosophy department and gave each other impromptu seminars. Land and Plant’s offices in the department also became CCRU hubs. “They were generous with their time,” said Grant, “And he had good drugs – skunk [cannabis]. Although it could be grim going in there, once he started living in his office. There would be a tower of Pot Noodles and underwear drying on the radiator, which he had washed in the staff loos.”

The Warwick campus stayed open late. When the philosophy department shut for the night, the CCRU decamped to the student union bar across the road, where Land would pay for all the drinks, and then to each other’s houses, where the group mind would continue its labours. “It was like Andy Warhol’s Factory,” said Grant. “Work and production all the time.”

In 1996, the CCRU listed its interests as “cinema, complexity, currencies, dance music, e-cash, encryption, feminism, fiction, images, inorganic life, jungle, markets, matrices, microbiotics, multimedia, networks, numbers, perception, replication, sex, simulation, sound, telecommunications, textiles, texts, trade, video, virtuality, war”. Today, many of these topics are mainstream media and political fixations. Two decades ago, says Grant, “We felt we were the only people on the planet who were taking all this stuff seriously.” The CCRU’s aim was to meld their preoccupations into a groundbreaking, infinitely flexible intellectual alloy – like the shape-shifting cyborg in the 1991 film Terminator 2, a favourite reference point – which would somehow sum up both the present and the future.
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Não tem jeito: estou num astral de m****, mesmo. Para mim, não vale mais a pena. Alta teoria é coisa para 1 em dez milhões. O resto, é enganação. Abraço, meu caro.
 

sparcx86_GHOST

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Não tem jeito: estou num astral de m****, mesmo. Para mim, não vale mais a pena. Alta teoria é coisa para 1 em dez milhões. O resto, é enganação. Abraço, meu caro.
Cara voce tem de ver que está no país onde Olavo de Carvalho se considera o último grande autor brasileiro vivo, por aí voce já pode tirar uma lição.
 

Doutor Sono

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Pra mim Marxismo de direita foi a ditadura militar aqui no Brasil:
-Estado grande e intervencionista
-Censura
-Repressão a quem pensa diferente
-Tortura
-Um monte de estatais criadas
-Grave crise
-Protecionismo
etc
A única diferença para o Marxismo de esquerda é o discurso
 

sparcx86_GHOST

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Pra mim Marxismo de direita foi a ditadura militar aqui no Brasil:
-Estado grande e intervencionista
-Censura
-Repressão a quem pensa diferente
-Tortura
-Um monte de estatais criadas
-Grave crise
-Protecionismo
etc
A única diferença para o Marxismo de esquerda é o discurso
:kpensasem apelar a nenhum konami code sua teoria faz algum sentido.
 

Ivo Maropo

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Cara voce tem de ver que está no país onde Olavo de Carvalho se considera o último grande autor brasileiro vivo, por aí voce já pode tirar uma lição.
Eu entendo, mas eu nunca gostei muito desta maneira de pensar ("ah, mas estamos no Brasil, um lugar tomado de idiotas... Do que estás reclamando de si próprio!???"). A minha "consciência" não deve tanto prestar contas ao que acontece localmente, mas sim no campo do conhecimento que eu admiro (e cuja influência brasileira é praticamente nula). Olavo de Carvalho não conta, pois é uma aberração que beira ao incompreensível (assim como o tal Nando Moura).

Tem muito idiota por aqui (inclusive o próprio Nando) que acha que, pelo Olavo ter conseguido um "visto especial" para morar nos Estados Unidos, isto é alguma espécie de "prova cabal" ou "reconhecimento oficial" (e ainda por cima concedida pela maior potência do mundo) que atesta, acima de qualquer dúvida, a verdadeira genialidade do dito-cujo. Mal sabem eles que tal visto não passa de uma cordial relação diplomática entre dois países, e não um julgamento do mérito em si.

A ideia implícita é: "você é influente no Brasil como um "intelectual" de direita? Então venha para os Estados Unidos!". Não tem nada a ver com o juízo do mérito em si. A influência de Olavo de Carvalho no cenário filosófico mundial é ZERO. Nenhuma grande referência o cita em seus trabalhos. Seus livros são uma b*sta ingênua, narcisista e que carece de insight.

Até mesmo a sua "obra-magna" ("O Jardim das Aflições") é uma b*sta ególatra pseudo-intelectual (acredite, eu tentei mesmo ler aquela bobagem). O único pior é o Nando Moura, que acredita piamente que aquele paspalho paranóico e teórico da conspiração é uma espécie de genial e incompreendido "Sócrates moderno".
 

Pingu77

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Pra mim Marxismo de direita foi a ditadura militar aqui no Brasil:
-Estado grande e intervencionista
-Censura
-Repressão a quem pensa diferente
-Tortura
-Um monte de estatais criadas
-Grave crise
-Protecionismo
etc
A única diferença para o Marxismo de esquerda é o discurso

É bem diferente. Isso que você falou eu acho que é um socialismo de direita.

Recomendo os textos desse tópico. Acho até que você vai gostar. Encaixa muito bem com o libertarianismo.
 

sparcx86_GHOST

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Eu entendo, mas eu nunca gostei muito desta maneira de pensar ("ah, mas estamos no Brasil, um lugar tomado de idiotas... Do que estás reclamando de si próprio!???"). A minha "consciência" não deve tanto prestar contas ao que acontece localmente, mas sim no campo do conhecimento que eu admiro (e cuja influência brasileira é praticamente nula). Olavo de Carvalho não conta, pois é uma aberração que beira ao incompreensível (assim como o tal Nando Moura).

Tem muito idiota por aqui (inclusive o próprio Nando) que acha que, pelo Olavo ter conseguido um "visto especial" para morar nos Estados Unidos, isto é alguma espécie de "prova cabal" ou "reconhecimento oficial" (e ainda por cima concedida pela maior potência do mundo) que atesta, acima de qualquer dúvida, a verdadeira genialidade do dito-cujo. Mal sabem eles que tal visto não passa de uma cordial relação diplomática entre dois países, e não um julgamento do mérito em si.

A ideia implícita é: "você é influente no Brasil como um "intelectual" de direita? Então venha para os Estados Unidos!". Não tem nada a ver com o juízo do mérito em si. A influência de Olavo de Carvalho no cenário filosófico mundial é ZERO. Nenhuma grande referência o cita em seus trabalhos. Seus livros são uma b*sta ingênua, narcisista e que carece de insight.

Até mesmo a sua "obra-magna" ("O Jardim das Aflições") é uma b*sta ególatra pseudo-intelectual (acredite, eu tentei mesmo ler aquela bobagem). O único pior é o Nando Moura, que acredita piamente que aquele paspalho paranóico e teórico da conspiração é uma espécie de genial e incompreendido "Sócrates moderno".
Foi apenas uma observação, tem muita gente zoada atualmente ganhando espaço.
 

Goris

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Para quem não quer ler estes diversos textões em inglês e português, a parte em negrito resume totalmente o Marxismo de Direita:

Marxismo de direita é bem explicado nessa passagem abaixo. É uma provocação, algo para criar confusão, mas também uma abordagem distinta sobre algumas das questões levantadas pelo barbudo:

Espero ter ajudado.
 

Pingu77

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Para quem não quer ler estes diversos textões em inglês e português, a parte em negrito resume totalmente o Marxismo de Direita:



Espero ter ajudado.

Fala, amigo. Tudo bem?

Por que a má vontade? É uma provocação intelectual, não provocação de deboche, zoeira, essas coisas. rs

É algo para fugir aos binarismos, destruir o Konami Code. Isso porque logo abaixo do trecho que você destacou eu coloco o trecho do autor que criou a expressão, aonde ele fundamenta o porquê dessa abordagem. Mas pelo visto você ignorou, né?
 

tiagobronson

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Jesus, até quebrou a barra de rolagem aqui.


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NÃOMEQUESTIONE

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Queria saber onde diabos alguém pensa que textão pura e simples serve como argumento? :kpensa
 

sparcx86_GHOST

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O texto é grande por estar recheado de muitos conceitos é por isto. Não é porque seja encher de linguiça.
 

xDoom

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Beren_

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To juntando tempo e paciencia para continuar lendo o topico pq eu quero colocar uma duvidas pro @Pingu77 responder no final. Mas não quero perguntar sem antes ter lido tudo até por respeito ao user.
 

Protogen

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The Left can't meme
Its a insult for the left leaning people who make memes about the left. The insult is mostly used by the alt-right, /pol/acks or simply people who hate the left.
Kek the left try to meme Bernie Sanders into presidency. We all know that the Left can't meme.
#alt-right#liberal
by Running in the nyetis May 18, 2017

Acho que duas causas são que os esquerdistas estão limitados ao que é politicamente correto aceitável, o que tira grande parte do impacto da meme; e o fato de esquerdistas viverem em bolhas intelectuais que têm um dialeto próprio, com termos que não significam nada fora da bolha, ou então que tem significados distorcidos e que se perdem ao saírem das bolhas, o que atrofia o alcance e potencial de repercussão.

Fora as memes forçadas. Por exemplo, olha esse artigo do Pragmatismo Político:

https://www.pragmatismopolitico.com.br/2016/12/os-memes-mais-marcantes-e-engracados-de-2016.html

Nessa bolha esquerdista, entre as memes mais populares do ano passado estão a reforma trabalhista:

meme7.jpg


Renan Calheiros:

meme6.jpg


E a prisão do japonês da federal, coincidentemente, com essa imagem:

meme17.jpg


Dá pra ter uma idéia.
 

Goris

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Um tópico sobre marxismo de direita se degradou ao nivel de o assunto serem memes e que a esquerda não sabe fazer memes?

E eu achando que seria um topico 100% fail, esse lance dos memes salvou o topico!
 

Protogen

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Um tópico sobre marxismo de direita se degradou ao nivel de o assunto serem memes e que a esquerda não sabe fazer memes?

E eu achando que seria um topico 100% fail, esse lance dos memes salvou o topico!

Eu acho que o tópico não deslanchou porque primeiro, "Konami Code" não é exatamente um termo que você associe facilmente à idéia de que a definição de esquerda e direita meio que se perdeu e hoje ela foi simplificada a ponto de que muita gente considere o PSDB como um partido de direita. Quando nem as pessoas que conheçam o termo Konami Code conseguem fazer a ligação entre uma coisa e outra, significa que a analogia não funcionou.

Segundo que tem uma verdadeira dissertação de mestrado no tópico, com paredes de texto truncadas em inglês e outros textos complexos, e o termo continua impossível de sintetizar de uma forma clara e acessível. Com um detalhe: num fórum de joguinho.

Minha opinião: masturbação de ego.
 
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