Eu fico estarrecido com a alienação social que os produtores da CAPCOM estão submetidos. Os criadores de conteúdo de RE há quinze anos vivem em uma realidade intelectual de pré-adolescente. É uma fábrica de decisões conceituais cafonas, roteiros bobocas, diálogos infantis. Os caras me parecem tão mimados que insistem em não admitir a razão da franquia RE ser tão apaixonante.
Quais são os atributos de sucesso de RE? Não é nada de terror por si só. Não é nada de jogabilidade tanque. São apenas quatro elementos originais:
- Backtracking
- Gestão de inventário
- Puzzles
- Exploração.
Perceba que não é tiroteio por si só! Não é o terror por si só. A conspiração Umbrella-Raccoon é de uma criatividade ímpar. Apaixonante! Mas todos eles ajudaram e muito o sucesso da franquia, mas o fator determinante foi aquele quarteto de atributos.
Por que é tão apaixonante? Porque, diferentemente da maioria dos outros jogos da época, a franquia RE trouxe uma autonomia grandiosa ao jogador, dando-lhe a liberdade de decidir o seu próprio tempo, caminho e jeito de jogar, exigindo-lhe que pense, calcule e escolha as melhores alternativas para avançar no jogo.
Mas eles não entendem isso. Sinceramente, ou eles são idiotas motivados pela autossuficiência, ou eles são extremamente incompetentes e assim permanecem porque a CAPCOM não quer contratar profissionais mais refinados, ou eles odeiam as fórmulas antigas e creem piamente que isso não traz mais sucesso.
Já me perguntei se a turma atual da CAPCOM não seria aquela de estagiários e funcionários do baixo escalão quando do tempo de Mikami, Inafune, Kitamura, Yasuda, Kamiya, enfim, a galera que idealizou as grandes IPs da CAPCOM nos idos de 90.
Perceba, depois que esses criadores de conteúdo saíram, a CAPCOM perdeu a mão neste aspecto de idealização de IPs e especialmente nos aspectos da inteligência, qual seja, a de exigir criatividade para o level design, o gamedesign, a argumentação/roteiro (escrita).
Veja, por exemplo, a pobreza intelectual que é o level design de RE3r. É de uma linearidade pobre! O início do jogo e o após saída do esgoto é de uma mediocridade assombrosa! Qualquer programador, que tiver acesso ao orçamento e às ferramentas da CAPCOM, vai produzir aquilo com facilidade. Desconfio seriamente que não fizeram o Cenário B de RE2r porque isso exigiria um hercúleo empreendimento criativo.
O próprio
RE4 é um jogo de uma escrita extremamente rasteira, que bebe da fonte intelectual de conceitos da cultura pop da época, como o Troll de Moria, dos idos do sucesso de Senhor dos Anéis, e de outras ideias mais do que cansadas, como a do herói bonitão que há de salvar a filha loirinha do presidente dos EUA que foi sequestrada por um facção criminosa.
Os roteiristas profissionais do Japão, que trabalharam em animes e seriados daquele tempo, como Kenichi Iwao e Noboru Sugimura, os idealizadores da argumentação de RE1 e RE2, respectivamente, fizeram uma falta gigantesca aos jogos do século XXI.
Não discuto nem programação. A CAPCOM foi realmente excepcional à época de
RE4, assim como hoje com a RE Engine. Mas não é todo programador que domina os aspectos de roteirização. Esse é um ramo que exige profissionais que estudaram à miúde as ferramentas de construção de mundos, histórias, narrativas e diálogos.
Raros são os programadores que conseguiram ser sucesso em ambas as áreas, como o Neil Druckmann da NG. Aliás, o Neil estudou roteirização para produzir uma narrativa tão adulta, tocante e dramática.
Então, supondo que seja verdade, a CAPCOM quer refazer
RE4. Mas por quê? A nível de desafio e evolução, o que esse jogo tem de importante para se fazer um remake? Ele só tem apelo comercial saudosista. Mas, se for apenas uma atualização gráfica, com a repetição do gunplay e com aqueles inimigos... Espero que tragam algo mais elaborado, como adoção daqueles quatro elementos.
Esses caras da CAPCOM não conseguiram entender a diferença do sucesso da trilogia original para o do
RE4. Eles acham que a razão do sucesso é devido ao mesmo fator. O
RE4 só fez sucesso, volto a repetir, por causa do gunplay inédito e gostoso para a época e, claro, devido ao apelo comercial do título. Já a trilogia original foi exatamente pela parte intelectual da produção, e não da programação propriamente, até porque a jogabilidade não era das melhores.
O desafio do
RE4 está em atirar e avançar. O desafio da trilogia original é pensar, gerir e calcular caminhos, além de atirar (ou fugir) e avançar. Outro desafio, outra motivação, outro gênero! Algo original e próprio que poucos resolveram seguir!