Lá vai uma epopéia. Para facilitar a vida dos que se aventurarem a encarar esse wall, dividirei em capítulos. Força.
Ato I
Quando eu tinha 12 anos, me apaixonei pela primeira vez. Até então eu nunca tinha realmente gostado de uma menina e, claro, não tinha a menor ideia de como agir. Alimentei a paixonite durante algum tempo, e aí me pareceu que seria uma boa ideia mandar uma cartinha. Mesmo naquela época eu já escrevia legal, pra um moleque de 12 anos, né, e a cartinha ficou até bacana, mas não assinei. Pedi pra um amigo colocar no caderno dela na hora do intervalo, ele colocou e eu fiquei só acompanhando o frisson que foi quando ela encontrou a carta e mostrou pras amigas, elas ficaram em polovrosa dizendo que a cartinha era linda e não sei o que mais.
Bom, acabou que meu amigo FDP deu com a língua nos dentes e ela e as amigas souberam que era eu o dono da arte. Só que eu era muito tímido e 100% inexperiente, não tive coragem de ir lá falar com ela. Aí ficou nisso. Nos meses seguintes de vez em quando eu mandava outra cartinha, colocava um bombom junto ou algo assim, no dia seguinte ela vinha agradecer: "brigada pelo bombom =)" e eu ficava gaguejando igual um idiota: "ah ehr ahn ah de de de nada".
Bom, o tempo passou, no ano seguinte eu mudei de escola, mas mantive os contatos. Em fevereiro (eu tinha mandado a primeira cartinha em junho) teve uma festa de aniversário, e eu sabia que ela ia. Mesmo sem ser convidado eu fui na cola de um amigo, só mesmo porque queria vê-la.
Ato II
Logo ela também chegou. Engraçado como são as coisas, eu lembro até hoje da alegria que senti ao vê-la. Desde o fim das aulas eu não tinha mais a visto. Quando ela entrou parece que iluminou a sala. Melhor ainda quando ela me viu, sorriu pra mim e falou "oi Furlan =)" - na época ninguém me chamava de Furlan, mas vocês entenderam.
Mas eu continuava sem saber o que fazer. Logo ela foi lá com as amigas dela e eu continuei com meus camaradas, todo mundo tentando desatar o nó górdio naquele momento: precisamos colocar o Furlan e ela a sós. Mas como? Era um problema complicado demais para aquelas cabecinhas de 12, no máximo 13 anos, todos com zero experiência no ramo das fêmeas.
De qualquer forma, a própria noite se encarregou de criar uma oportunidade.
Em dado momento formou-se uma rodinha para brincar de verdade ou desafio. Ela estava na roda, de maneira que eu também me enfiei lá. Quando foi a minha vez de responder, perguntaram se era verdade que eu gostava dela. Eu falei que era. Algumas rodadas mais tarde ela foi responder, e perguntaram se eu tinha alguma chance com ela.
Ela sorriu. Olhou pra mim. E disse que "talvez. Pode ser que tenha sim".
Os acontecimentos se desenrolavam de forma virtuosa, e a tensão crescia. O jogo logo acabou, e a historia de que eu "talvez" tivesse chance com ela era a conversa predominante em todas as rodinhas. Meus amigos estavam eufóricos. Eu sentia, de alguma forma, que precisava fazer alguma coisa, tomar as rédeas daquela noite que, mais por sorte do que por merecimento, vinha, até então, se desdobrando tão satisfatoriamente. Era preciso domar e montar o cavalo da oportunidade, antes que ele fosse embora. Mas, afinal, o que fazer? Ela estava sempre rodeada das amigas, e eu era tímido de dar pena. Era impensável, para mim, ir lá, puxá-la de lado, "hei, vamos conversar ali um pouco". Não dava. Pensei em mandar um recado, mas meus amigos eram igualmente uns cuzões, pouco talhados para tal missão.
Ato III
Eis que aparece uma amiga gordinha e me pergunta:
- Você tá a fim de conversar com a Letícia? - chamava-se Letícia a minha bem querida, estranhamente essa informação não havia aparecido ainda.
Se eu estava? É claro que estava. Meu deus, como eu estava a fim de conversar com a Letícia. Eu estava mais a fim de conversar com ela do que estivera a fim de qualquer outra coisa na minha curta existência até ali. Bom, talvez não mais a fim de conversar com a Letícia do que estivera a fim de um Playstation em 96 ou 97. Mas a diferença era por pouco em favor do console, se é que havia de fato.
A amiga gordinha - que, aliás, hoje deixou de ser gordinha e está até bem apetitosa - me diz:
- Então, ela disse que quer conversar com você ali atrás do ônibus, bora?
O ônibus ficava no final da rua. "Atrás do ônibus" era o cantinho oficial dos amassos nas festinhas de aniversário daquela mina.
Não lembro se eu tremia de expectativa ao dizer que sim, que eu topava ir "atrás do ônibus" com a Letícia, pode ir lá falar pra ela, mas rápido, por todos os deuses, por que demoras tanto? É provável que sim, que eu tremesse. Comuniquei o desenrolar dos fatos aos meus amigos. Eles ficaram tão felizes quanto se o (potencial) triunfo fosse deles, e não meu. Não há amizades mais sinceras do que as que cultivamos na infância, isto vos digo com total convicção.
Observo a amiga gordinha conversar com a Letícia. Ela volta para falar comigo. Diz que é pra eu ir lá no ônibus, que a Letícia também vai. Eu fico pensando se não é algum tipo de pegadinha. Mas a Letícia a essa altura já se dirige ao ônibus. É mesmo verdade.
Ato IV
Eu vou atrás dela. A alcanço, vamos andando até o onibus. Eu quebro o silêncio:
- A Cláudia - pois este era o nome da amiga gordinha, ela também merece ter um nome próprio nessa trama. Meus amigos, coitados, permanecerão anônimos por todos os séculos dos seculos, e um dia, no fim dos tempos, me condenarão por isto - disse que você queria conversar comigo...
Ela riu.
- Pois ela disse que você é que queria conversar comigo.
- Ah que coisa não he he he he - eu tão sem graça que sinto pena de mim mesmo ao recordar estes fatos.
Ao que chegamos ao ônibus. Posicionamo-nos atrás dele.
- É verdade o que você falou na hora do verdade ou desafio? - pergunto.
- Ah, eu não sei. Às vezes eu acho que é... às vezes eu acho que não é. -ela sempre sorrindo ao falar comigo - Mas de qualquer jeito eu acho você muito legal.
- Ah, ehr, eu, bom, ahn, eu também acho você muito legal.
- Que bom =)
Agora chega a parte do arrependimento.
Ato V
O lógico, o certo, o correto, o bom, o adequado, o que se esperava; é que eu me aproximasse dela. Pegasse-a pela mão. Desse um abraço. E que nos beijassemos.
Mas isso não aconteceu. Eu fiquei lá, sem saber o que fazer, a uns dois metros de distância dela, olhando pro chão e esfregando nervosamente as mãos feito um idiota. Isso durou talvez um minuto inteiro, até que ela mudou de assunto. Perguntou porque eu tinha mudado de escola, se a escola nova era legal, não lembro direito. E em seguida falou "bom, acho melhor a gente voltar".
Pela primeira vez desde que eu enviara aquela primeira cartinha, ela falou comigo sem sorrir.
Voltamos para a festa, que fervia em expectativa. Meus amigos me cercaram, as amigas dela também. Não sei o que ela disse para as amigas, ou melhor, tenho uma ideia, mas já chegarei a isto. Sei que aos meus amigos eu disse, com o sorriso amarelo dos derrotados:
- É, não deu...
Coincidência ou não, a festa foi murchando. Alguns começaram a ir embora. Quando a Letícia saiu, se despediu de todo mundo. Menos de mim.
Epílogo
Alguns anos se passaram. Eu nunca mais falei com a Letícia: acabei voltando para minha antiga escola, mas aí ela é quem não estava mais lá. As amigas dela também haviam ido embora, de forma que eu nunca mais tivera contato com nenhuma delas.
Um dia encontrei uma delas na rua, por puro acaso. Ela veio me cumprimentar, perguntou como andava a vida, essas coisas. Logo eu percebi que ela queria me perguntar alguma coisa, mas estava fazendo rodeios. Não deu outra.
- Posso te perguntar uma coisa?
- Pergunta ué.
- Porque você não ficou com a Letícia aquele dia, na festa da Rafaela? - agora até mesmo a dona da festa, de quem eu nunca gostei e que sempre me tratou feito lixo ganhou nome. E meus amigos seguem anônimos. Não há mais ingrato que o ser humano, mesmo.
- Ué, ela não quis.
- Como não? Ela era doida pra ficar com você. Aquele dia ela ficou muito brava porque você não fez nada.
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E é essa a história do meu maior arrependimento. Minha vida, disso eu tenho certeza, teria sido muito diferente se os acontecimentos dessa noite houvessem resultado de outra forma.