É um pouco complicado mesmo pra entender, mas acho que você consegue.
Remédio no mundo real não funciona como nos filmes.
Estudos pequenos sugerindo benefício pra remédios existem aos montes. Pra todos os remédios, pra todas as doenças do mundo. Milhares deles. Por si só não querem dizer nada. São sugestões de coisas que devem ser mais bem estudadas depois.
A enorme maioria desses remédios, quando bem estudados, não mostra benefício nenhum. Pra cada remédio que mostra benefício, centenas ou milhares de outros tiveram que ser testados e se mostraram inúteis. Por isso demora anos, décadas, pra conseguirem estudar remédios e finalmente descobrir que um deles funciona.
Em uma doença normal levaria anos e anos estudando centenas de remédios pra encontrar um que preste. Qual a chance de um remédio específico, o primeiro que ficou famoso, funcionar? A probabilidade maior é que não funcione mesmo. Se funcionar, já seria uma cagada enorme.
Se uma analogia ajudar, pensa que você está vendo uma peneira de clube de futebol na periferia. A mãe de um moleque jogando bola te diz que o filho dela é craque e vai ser o melhor jogador do mundo. E aí só com essa previsão, sem mais nada pra embasar o que ela falou, você está querendo comprar o passe dele por milhões e milhões de dólares.
Você entende que a chance de fazer besteira sem ter mais dados é alta? Entende que de todos os moleques em peneiras no mundo a maior parte nunca vai chegar nem a se sustentar como profissional, muito menos ser o melhor do mundo? Que as mães podem te dizer o que quiser, não tem como apostar em um moleque específico só com essa informação?
E já vi que não ficou claro o que quer dizer um remédio “funcionar”.
Principalmente em doentes críticos, a maioria dos remédios faz muito pouca diferença. Mesmo os que comprovadamente fazem bem.
O mais normal em doentes críticos é um remédio reduzir tempo de internação em dois dias, tempo de ventilação mecânica em um dia, melhorar a performance em uma escala cognitiva aplicada seis meses depois etc. É muito raro demonstrar que um remédio reduz mortalidade sozinho em doentes críticos.
Pra você ter uma noção, te digo que se saísse um trabalho ano passado mostrando um remédio que reduz sozinho mortalidade em 10% em doentes críticos, os autores ficariam famosos no mundo inteiro. Seria o trabalho do ano. As ações da farmacêutica que produz o remédio subiriam pra c***lho. 10% a menos de mortalidade seria considerado um sucesso incrível pra qualquer remédio pra qualquer doença. Seria o trabalho da vida de qualquer cientista.
Como você pode ver, mesmo emendando duas coisas muito improváveis (funcionar pra alguma coisa e ainda por cima reduzir mortalidade), o que você pode esperar é um efeito nesse patamar. Poucos % de redução de mortalidade. Essa é a previsão mais otimista que podemos ter.
Seria ótimo, mas não salvaria o mundo.
Se você olhar o que é mais provável (lembra da peneira?), o mais provável é que não tenha benefício mesmo. Se tiver benefício, o que já seria muita sorte nossa, o mais provável seria que fosse um benefício modesto, como o de quase todos os outros remédios do mundo. Fazer muita diferença e mudar o cenário é a coisa menos provável disparada. Pode acontecer? Pode, mas seria praticamente um milagre.
Enquanto isso sempre existe a chance de um remédio fazer mal. Matar mais. Dar um remédio pra milhões de pessoas vai gerar efeitos colaterais em muita gente. Existe uma chance de matar mais gente e não é uma chance negligenciável.
No momento existem estudos grandes avaliando não só a cloroquina mas vários outros remédios. Vamos torcer pra algum deles se mostrar útil, torcer por um milagre. Só que não dá pra apostar que vai acontecer um milagre.
Deu pra entender?