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Mulheres que optaram por não ter filhos levantam a voz para defender decisão e constituem a chamada ‘Geração NoMo’ – ‘Not Mothers’; especialistas garantem que maternidade não é sinônimo de felicidade
Por LETÍCIA FONTES
01/10/20 - 03h00
A artista digital Caroline Barrueco, 34, está entre a geração de mulheres que escolheram não serem mães
Quando você vai engravidar? Bem que poderia ser exceção, mas atire a primeira pedra a mulher que nunca escutou essa pergunta. A chegada aos 30 então ainda é anunciada para as mulheres como o momento ideal para se pensar em ter filhos – alguns até dizem que o corpo parece “pedir por uma gravidez”, como se o relógio biológico começasse a apitar. O problema é que o questionamento esconde a afirmação de um futuro que é dado como certo, como se a maternidade fosse um caminho natural para todas as mulheres.
Mas, enquanto há quem tenha o sonho de engravidar e garanta que o sorriso do filho faça tudo valer a pena, há também quem não sinta essa vontade, seja pela decisão de priorizar os objetivos profissionais e os estudos, fazer uma viagem sozinha pelo mundo ou simplesmente por não se identificar com a maternidade. Ser mãe não é sinônimo de felicidade, garantem os especialistas.
“Vivemos em uma sociedade que historicamente coloca a maternidade como um ideal feminino. Mas por que não podemos optar pelo nosso próprio corpo? Acreditar e dizer que toda mulher deve sonhar ou viver um sonho com a maternidade é uma pressão cruel e que pode ser traduzida como pesadelo até para algumas mães que se sentem de maneira diferente”, afirma a psicóloga Daiana Quadros Fidelis. Mestre em psicologia clínica, Daiana estuda em seu doutorado atualmente a não maternidade e maternidade tardia. “A simples afirmação ‘não quero ter filhos’ é seguida pela pergunta: ‘mas por que não?’ É como se a mulher fosse obrigada a se justificar, porque toda menina cresceu ouvindo que se ‘nasce’ com esse desejo”, pontua.
Caroline Mesquita, professora do curso de pós-graduação do departamento de psicologia da PUC Minas, é categórica: “Quando uma mulher disser que não quer ser mãe, acredite. E ela nem precisa se explicar sobre isso. É preciso trabalhar a ideia de que a mulher é livre para escolher não viver a maternidade e esquecer o mito de que ela só será completa com um filho”, explica.
E os números estão aí para provar: cada vez mais mulheres estão desistindo da maternidade ou simplesmente estão fazendo prevalecer a vontade de nunca ter filhos. No Brasil, 37% das mulheres não querem ter filhos apesar da série de pressões sociais e culturais do inabalável relógio biológico e da ideia de feminilidade relacionada a maternidade. Segundo uma pesquisa global realizada pela farmacêutica Bayer, com apoio da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) e do Think about Needs in Contraception (TANCO), no mundo, o índice chega a 72%.
De acordo com socióloga, Bruna Angotti, os motivos são vários e vão desde os gastos que se tem com uma criança até pelo aumento do número de mulheres no mercado de trabalho. Mas a professora da USP, ressalta que o principal é: "Muitas mulheres simplesmente não querem ser mães. É um direito. A mulher que faz essa escolha não é incapaz ou irá se arrepender", explica.
Só que na prática, mesmo com toda liberdade conquistada pelas mulheres nos últimos anos, ainda existe estigma em torno daquelas que nunca sentiram o tal desejo materno. A mulher que opta por não ter filhos constantemente é acusada de ser egoísta e fadada a ser solitária o resto da vida. O preconceito é tão enraizado que, segundo um estudo, publicado pela revista Sex Roles, em 2017, muitas mulheres que não optaram pela maternidade afirmaram se sentir culpadas e moralmente erradas.
"A maternidade está ligada ao papel social e cultural da mulher construído pela sociedade. A gente vê isso nos brinquedos de meninas e nos brinquedos de meninos. A mulher cresce acreditando que tem a função de cuidar e isso só compete a ela. Desde a infância, existe uma exposição muito grande a vários estímulos que reforçam que ela só será reconhecida socialmente se exercer a função do cuidado", avalia Caroline Mesquita.
Decidida.
A artista digital, Caroline Barrueco, 34, já cansou de escutar frases como "você vai ficar sozinha" ou ainda "isso é egoísmo, você vai mudar de ideia" por defender a escolha. "Acho até estranho ter que justificar isso. A maternidade nunca me atraiu, assim como também nunca tive vontade de pular de bungee jumping. Crianças são ótimas. Mas toda a nossa sociedade acaba por excluir, sobrecarregar e invisibilizar as mães. A maternidade, do jeito que existe hoje em dia, não é o que quero para minha vida. Não ser mãe também é uma possibilidade, e não tem nada de errado nisso”, avalia.
Há alguns anos, a artista fez um aborto na Alemanha, onde mora, e teve mais certeza da decisão. “Quando descobri que estava grávida, fiquei sem ar, me senti mal e assustada. Eu soube instantaneamente que queria interromper a gravidez. Eu fiz um aborto legalizado e sob acompanhamento médico e psicológico. Acho importante assegurar que toda gravidez seja desejada. Assim todo mundo fica melhor, as crianças, as mulheres e a sociedade como um todo também”, afirma Caroline.
Esse também é o caso da roteirista e mestra em Sociologia Samira Ramalho, 32, que até a suspeita de uma gravidez acreditava no sonho de ser mãe. Mas hoje, mesmo casada e em uma relação estável, não inclui nos planos um filho. “Assim que eu comecei a namorar meu atual companheiro, houve um mês em que minha menstruação atrasou uma semana. E isso me assustou e gerou tanto estresse que eu ‘tomei ranço’ da ideia. Percebi que naquele momento seria um grande transtorno, e isso não mudou muito. Continuo estudando, cheia de projetos que ainda não quero dividir com a maternidade. Eu simplesmente não tenho nenhum bom motivo para ter filhos, e está tudo bem. A sociedade tradicional quer que a gente tenha filhos, mas demite e desampara as mães”, reflete.
Restrições
Apesar das normas para se realizar a laqueadura no Brasil, a socióloga Bruna Angotti pondera. "Com certeza tem muito a se discutir e aprimorar, mas a grande questão é que vivemos processos de esterilização em massa nos anos 80. As mulheres iam dar à luz e só descobriram que tiveram o útero retirado, porque paravam de menstruar. Isso tudo na tentativa de evitar a reprodução de mulheres pobres. A lei veio como uma forma de coibir essa violência", observa.
Critérios para laqueadura
- No Brasil, o procedimento pode ser feito pelo SUS. Mas, segundo a Lei 9.263, a cirurgia só é permitida para mulheres maiores de 25 anos ou, pelo menos, com dois filhos vivos.
- O procedimento é proibido em mulher durante os períodos de parto ou aborto, exceto nos casos de comprovada necessidade, por cesarianas sucessivas anteriores.
- Para aqueles que são casados, a esterilização só pode acontecer após comprovado o consentimento de ambos os cônjuges.
- Atualmente tramita no Senado um projeto de lei que tenta alterar a Lei do Planejamento Familiar. Entre os pontos discutidos está a retirada da exigência que o cônjuge autorize a laqueadura ou a vasectomia.
Por LETÍCIA FONTES
01/10/20 - 03h00
A artista digital Caroline Barrueco, 34, está entre a geração de mulheres que escolheram não serem mães
Quando você vai engravidar? Bem que poderia ser exceção, mas atire a primeira pedra a mulher que nunca escutou essa pergunta. A chegada aos 30 então ainda é anunciada para as mulheres como o momento ideal para se pensar em ter filhos – alguns até dizem que o corpo parece “pedir por uma gravidez”, como se o relógio biológico começasse a apitar. O problema é que o questionamento esconde a afirmação de um futuro que é dado como certo, como se a maternidade fosse um caminho natural para todas as mulheres.
Mas, enquanto há quem tenha o sonho de engravidar e garanta que o sorriso do filho faça tudo valer a pena, há também quem não sinta essa vontade, seja pela decisão de priorizar os objetivos profissionais e os estudos, fazer uma viagem sozinha pelo mundo ou simplesmente por não se identificar com a maternidade. Ser mãe não é sinônimo de felicidade, garantem os especialistas.
“Vivemos em uma sociedade que historicamente coloca a maternidade como um ideal feminino. Mas por que não podemos optar pelo nosso próprio corpo? Acreditar e dizer que toda mulher deve sonhar ou viver um sonho com a maternidade é uma pressão cruel e que pode ser traduzida como pesadelo até para algumas mães que se sentem de maneira diferente”, afirma a psicóloga Daiana Quadros Fidelis. Mestre em psicologia clínica, Daiana estuda em seu doutorado atualmente a não maternidade e maternidade tardia. “A simples afirmação ‘não quero ter filhos’ é seguida pela pergunta: ‘mas por que não?’ É como se a mulher fosse obrigada a se justificar, porque toda menina cresceu ouvindo que se ‘nasce’ com esse desejo”, pontua.
Caroline Mesquita, professora do curso de pós-graduação do departamento de psicologia da PUC Minas, é categórica: “Quando uma mulher disser que não quer ser mãe, acredite. E ela nem precisa se explicar sobre isso. É preciso trabalhar a ideia de que a mulher é livre para escolher não viver a maternidade e esquecer o mito de que ela só será completa com um filho”, explica.
E os números estão aí para provar: cada vez mais mulheres estão desistindo da maternidade ou simplesmente estão fazendo prevalecer a vontade de nunca ter filhos. No Brasil, 37% das mulheres não querem ter filhos apesar da série de pressões sociais e culturais do inabalável relógio biológico e da ideia de feminilidade relacionada a maternidade. Segundo uma pesquisa global realizada pela farmacêutica Bayer, com apoio da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) e do Think about Needs in Contraception (TANCO), no mundo, o índice chega a 72%.
De acordo com socióloga, Bruna Angotti, os motivos são vários e vão desde os gastos que se tem com uma criança até pelo aumento do número de mulheres no mercado de trabalho. Mas a professora da USP, ressalta que o principal é: "Muitas mulheres simplesmente não querem ser mães. É um direito. A mulher que faz essa escolha não é incapaz ou irá se arrepender", explica.
Só que na prática, mesmo com toda liberdade conquistada pelas mulheres nos últimos anos, ainda existe estigma em torno daquelas que nunca sentiram o tal desejo materno. A mulher que opta por não ter filhos constantemente é acusada de ser egoísta e fadada a ser solitária o resto da vida. O preconceito é tão enraizado que, segundo um estudo, publicado pela revista Sex Roles, em 2017, muitas mulheres que não optaram pela maternidade afirmaram se sentir culpadas e moralmente erradas.
"A maternidade está ligada ao papel social e cultural da mulher construído pela sociedade. A gente vê isso nos brinquedos de meninas e nos brinquedos de meninos. A mulher cresce acreditando que tem a função de cuidar e isso só compete a ela. Desde a infância, existe uma exposição muito grande a vários estímulos que reforçam que ela só será reconhecida socialmente se exercer a função do cuidado", avalia Caroline Mesquita.
Decidida.
A artista digital, Caroline Barrueco, 34, já cansou de escutar frases como "você vai ficar sozinha" ou ainda "isso é egoísmo, você vai mudar de ideia" por defender a escolha. "Acho até estranho ter que justificar isso. A maternidade nunca me atraiu, assim como também nunca tive vontade de pular de bungee jumping. Crianças são ótimas. Mas toda a nossa sociedade acaba por excluir, sobrecarregar e invisibilizar as mães. A maternidade, do jeito que existe hoje em dia, não é o que quero para minha vida. Não ser mãe também é uma possibilidade, e não tem nada de errado nisso”, avalia.
Há alguns anos, a artista fez um aborto na Alemanha, onde mora, e teve mais certeza da decisão. “Quando descobri que estava grávida, fiquei sem ar, me senti mal e assustada. Eu soube instantaneamente que queria interromper a gravidez. Eu fiz um aborto legalizado e sob acompanhamento médico e psicológico. Acho importante assegurar que toda gravidez seja desejada. Assim todo mundo fica melhor, as crianças, as mulheres e a sociedade como um todo também”, afirma Caroline.
Esse também é o caso da roteirista e mestra em Sociologia Samira Ramalho, 32, que até a suspeita de uma gravidez acreditava no sonho de ser mãe. Mas hoje, mesmo casada e em uma relação estável, não inclui nos planos um filho. “Assim que eu comecei a namorar meu atual companheiro, houve um mês em que minha menstruação atrasou uma semana. E isso me assustou e gerou tanto estresse que eu ‘tomei ranço’ da ideia. Percebi que naquele momento seria um grande transtorno, e isso não mudou muito. Continuo estudando, cheia de projetos que ainda não quero dividir com a maternidade. Eu simplesmente não tenho nenhum bom motivo para ter filhos, e está tudo bem. A sociedade tradicional quer que a gente tenha filhos, mas demite e desampara as mães”, reflete.
Restrições
Apesar das normas para se realizar a laqueadura no Brasil, a socióloga Bruna Angotti pondera. "Com certeza tem muito a se discutir e aprimorar, mas a grande questão é que vivemos processos de esterilização em massa nos anos 80. As mulheres iam dar à luz e só descobriram que tiveram o útero retirado, porque paravam de menstruar. Isso tudo na tentativa de evitar a reprodução de mulheres pobres. A lei veio como uma forma de coibir essa violência", observa.
Critérios para laqueadura
- No Brasil, o procedimento pode ser feito pelo SUS. Mas, segundo a Lei 9.263, a cirurgia só é permitida para mulheres maiores de 25 anos ou, pelo menos, com dois filhos vivos.
- O procedimento é proibido em mulher durante os períodos de parto ou aborto, exceto nos casos de comprovada necessidade, por cesarianas sucessivas anteriores.
- Para aqueles que são casados, a esterilização só pode acontecer após comprovado o consentimento de ambos os cônjuges.
- Atualmente tramita no Senado um projeto de lei que tenta alterar a Lei do Planejamento Familiar. Entre os pontos discutidos está a retirada da exigência que o cônjuge autorize a laqueadura ou a vasectomia.
'Geração NoMo': no Brasil, 37% das mulheres não querem ser mães | O TEMPO
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