Não existe obra com potencial desperdiçado, seja game, música, filme etc.
Porque a obra é sua execução, se não há execução, não há obra. Uma obra sai de um esforço, de uma elaboração, é esse esforço que nos importa, é o resultado que surge de uma dedicação disciplinada que nos interessa.
É inacreditável o potencial que esse jogo tem, a ambientação dele é ABSURDA, o começo do jogo é memorável, a trilha sonora dele é de FILME, a história por mais clichê que pareça, é bem construída e desenvolvida, só que o jogo em si é simplesmente horrível.
Vamos partir de seu próprio comentário. O jogo é tudo e simultaneamente nada. Sabe por que? Porque um jogo é um jogo. O que temos que analisar antes de tudo é se teve empenho justamente nessa parte, se teve criação e execução justamente na elaboração do game enquanto um game.
Obras são como comida. Você não faz um prato ruim e na hora de servir coloca um molho ali para mascarar a comida ruim que você fez. No seu exemplo temos uma produtora que cuidou de tudo exceto do principal. Talvez o melhor nesse caso fosse eles não fazerem um game.
Vou te dar um exemplo, e você vai entender do que falo. Vamos comparar três diretores que fizeram filmes do Batman: Tim Burton, Joel Schumacher e Christopher Nolan.
Depois de assistir todos os Batmans desses três diretores alguém irá dizer: Forever e Batman & Robbin foram oportunidades desperdiçadas. Parte desse raciocínio vem da lógica de que se esses dois filmes fossem feitos pelo Tim Burton (e a princípio ele deveria ter feito o Forever ao menos) seriam filmes melhores. Mas essa lógica tem um erro. Ela parte do raciocínio de que é o Batman que abre um potencial, que ao ser minuciosamente explorado dele sairá um excelente filme. O Batman ao contrário foi construído ao longo do tempo. Foram as contribuições de Tim Burton e Nolan que elevaram a franquia. Foi precisamente o que eles compreendem por cinema e as técnicas cinematográficas que eles empregaram que fizeram de seus filmes melhores. É por isso que dizemos o Batman de Tim Burton, o Batman de Nolan, porque são coisas indissociáveis. A assinatura desses diretores está impressa nesses filmes.
Porque o mundo não é escavação, onde você se coloca numa busca para achar o que já estava ali desde sempre. O mundo é criação, as coisas precisam ser inventadas. E precisam ser colocadas em práticas, o que também não é de fácil execução, e por isso mesmo que esta é considerada parte do processo também. Uma ideia que não se coloca em prática não é nada, não é como algo que poderia ser isso ou aquilo, ela é simplesmente um caos que não apresenta uma coerência e um sentido. Juntar as coisas e dar coerência e sentido a elas é parte do processo, é parte daquilo que elogiamos nos grandes artistas. Pra dar outro exemplo, era precisamente o que o Led Zeppelin fazia. Não plágios que exploravam um potencial que estava ali, mas processos de criação e recriação do qual originavam outras músicas. O Led fez surgir groove de onde não tinha groove.
Por isso eu pessoalmente nunca lamento quando vejo um game incompleto, "ah, poderia ter sido um grande jogo". A realidade é que o potencial que aquela obra tinha era só essa mesma, de ser uma obra inacabada.