Militância cita ‘plano de assassinato’ para justificar Bolsonaro na embaixada da Hungria
Uma teoria conspiratória mirabolante tem sido disseminada por apoiadores de
Jair Bolsonaro nas redes sociais para justificar a estadia do ex-presidente na embaixada da
Hungria no
Brasil durante o carnaval poucos dias após uma operação da
Polícia Federal (PF) que mirou o capitão da reserva e prendeu alguns de seus aliados mais próximos: a de que Bolsonaro tentou se proteger de uma tentativa de assassinato iminente.
Um longo texto intitulado “A verdade sobre a estada de Bolsonaro na embaixada húngara”, com mais de 2.500 caracteres e encerrado com “viva os húngaros [sic]”, circulou em tom de denúncia por grupos de
WhatsApp e
Telegram e também em perfis bolsonaristas no X (ex-
Twitter) e no
TikTok apontando um suposto complô da esquerda, em conluio com a
Venezuela, para matar Bolsonaro.
O ex-presidente, como se sabe, esteve na representação diplomática da Hungria no Brasil entre a segunda-feira de carnaval e a quarta-feira de cinzas – apenas quatro dias após a deflagração da operação Tempus Veritatis da PF, que apreendeu seu passaporte. Vídeos
revelados pelo The New York Times mostram Bolsonaro
recebendo travesseiros e até uma pizza nas instalações da embaixada, onde dormiu durante a estadia.
A PF
apura as circunstâncias da visita inusual do ex-presidente à representação húngara em meio a especulações de que o real objetivo seria solicitar asilo político ou se proteger de um eventual mandado de prisão.
Na versão do texto que viralizou, o ex-presidente teria permanecido sob a proteção dos húngaros até que a ameaça fosse “neutralizada” e só deixou a embaixada após o assassino, de nacionalidade venezuelana, sair do Brasil. Em resposta, o “sistema” teria vazado as imagens captadas pelas câmeras de segurança do local para o jornal americano, descrito como “comuna-global”, com a intenção de criar um pretexto para prender Bolsonaro.
“Os húngaros só estão esperando o advogado de Bolsonaro dar a resposta pro
STF, para horas depois apresentar também as provas, tanto para os bandidos de toga, como para o mundo”, sustenta o texto. O fato, obviamente, não se confirmou – como
adiantamos na última quarta-feira, sua defesa apenas alegou ao Supremo ser “ilógico” supor que o ex-presidente buscou asilo na embaixada.
Na narrativa destes apoiadores, Bolsonaro se refugiou após ser alertado sobre a conspiração por um aliado do país europeu – mas não pelo primeiro-ministro ultradireitista da Hungria,
Viktor Orbán, de quem é próximo, e sim pelo ex-premier Péter Medgyessy, que governou o país entre 2002 e 2004.
De acordo com o texto que circulou nos grupos, Medgyessy, “que foi da contrainteligência daquele país por mais de 20 anos” e “viveu o comunismo na pele e hoje é um conservador anti NOM [Nova Ordem Mundial]”, recebeu a informação e sentiu-se obrigado a “avisar e proteger seu aliado Bolsonaro”. O trecho justifica a intervenção húngara atacando os serviços de inteligência do Brasil, “cheios de melancias e esquerdistas concursados”.
O problema dessa versão é que Medgyessy é historicamente ligado à esquerda húngara e é crítico de Orbán, a quem derrotou nas eleições de 2002. E, de fato, atuou na área de inteligência – mas não como o texto sugere.
Para o pesadelo de Bolsonaro e seus instintos antiesquerdistas, o ex-premier também atuou como agente secreto do regime comunista da Hungria durante a Guerra Fria – fato que foi revelado apenas após sua eleição e provocou uma crise política no país.
A presunção de que o brasileiro e Medgyessy seriam aliados próximos soa até como uma pegadinha da esquerda contra o bolsonarismo. Mas o principal difusor da teoria no X foi o perfil Laurinha Opressora, espécie de homenagem à filha mais nova do ex-presidente, que atribuiu a informação aos “reinos espirituais” – aparentemente em tom satírico.
Irônica ou não, fato é que a mensagem, publicada na madrugada de quarta-feira, pautou parte do ecossistema bolsonarista do antigo Twitter e chegou aos chats do WhatsApp e do Telegram em tom de alarde. Alvo de zombaria da esquerda, o texto foi defendido pela militância de extrema direita como verossímil.
“Muitos dirão que é teoria da conspiração, mas sinceramente essa teoria casa muito bem com o fato”, respondeu um bolsonarista. “A Hungria tem um excelente serviço de inteligência, essa foi a motivação”.
“Onde tem fumaça, tem fogo. Hungria protegeu Bolsonaro de ser assassinado pelo Fórum [sic] de São Paulo?”, questionou outro apoiador do ex-presidente.
“Tomara que seja verdade”, torceu outra militante, dessa vez no Telegram, em resposta a um bolsonarista que atribuiu à tese conspiratória um trunfo contra “esquerdistas”.
Alguns apoiadores questionaram em chats bolsonaristas se havia fontes que corroborariam o relato não identificado, mas acabaram sem resposta. Caberá à Polícia Federal esclarecer, afinal, a resposta para o título do texto viral: a verdade sobre a estadia de Bolsonaro na embaixada húngara.
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