Já tenho apartamento quitado, to pensando em alugar o meu e alugar mais próximo do trabalho da esposa antes da gente sair do Brasil.
Eu não posso ser radical no meu conselho até porque existem coisas que simplesmente não tem preço. Realização pessoal é algo intangível, e que dinheiro nenhum alcança. A satisfação psicológica que esse “algo” te traz, conforta a alma de uma maneira que não dá para explicar. Estou falando porque preciso defender o motivo pelo qual eu me aventurei em comprar o imóvel próprio: qualidade de vida + ego ferido.
Trabalho desde os 12 anos. Minha família, como a de muitos brasileiros, era de baixíssima renda. Minha mãe, por exemplo, é semi-analfabeta. Ignorância, poranto, sempre predominou com conselho. Aos 15 anos consegui o meu primeiro emprego com carteira assinada. Saí de casa aos 18 anos, quando ganhava um salário comercial razoável, além da poupança acumulada (sempre guardei 1/3 do que ganhava) que não era lá grandes coisas, mas me dava alguma segurança. No meu último emprego CLT, trabalhando de vendedor, eu ganhava bem (salário + comissão), e somado aos ganhos do meu segundo emprego (técnico em informática) me gerava uma renda bem satisfatória. Mas era uma rotina cansativa: 08h00 as 18h00, no regime CLT, com 1 hora de almoço, segunda a sábado. Depois, 18h30 até as 23h00 em trabalhos avulsos como técnico em informática e freelancer de suporte. Sim: eu trabalhava algo em torno de 12 horas por dia, e me acostumei. Quando percebi que 60% das minhas receitas financeiras vinham exclusivamente do meu trampo com informática, tomei uma decisão radical e perigosa: pedi demissão da empresa na qual trabalhei por 10 anos como vendedor. Sempre guardei 1/3 dos meus holerites, e a essa altura eu já tinha dinheiro suficiente para ficar sossegado (mantendo o meu padrão de vida) por cerca de 10 anos. Eu morava de aluguel num apartamento de 65 metros, não tinha que me preocupar com manutenções, e também não tinha maiores dívidas. Sem filhos, dependentes e nem nada para atrapalhar o meu sossego. O ano era março de 2015 e eu estava pedindo demissão da empresa na qual trabalhei por 10 anos, ao mesmo tempo que a economia do Brasil despencava 3,5% ao ano, e afundava numa recessão. Eu morava de aluguel, tinha meus trabalhos avulsos com informática, e a minha poupança de segurança. Foi aí que as coisas começaram a ficar estranhas. Com a retração da economia, os custos de praticamente tudo começou a subir vertiginosamente. De um ano para o outro, a projeção de segurança de 10 anos das minhas economias, caiu para 7 anos se eu mantivesse o mesmo padrão de vida. Em 2016, por exemplo, o meu aluguel aumentava 10%. Enquanto isso, o Brasil estava alcançando quase 12 milhões de desempregados. Acabei percebendo que todos os meus custos estavam ficando, na média, 12% mais altos. Minhas suadas economias derretiam. Decidi bater o pé, e disse ao proprietário do imóvel (no qual eu morava) que ele teria que aguardar a economia estabilizar um pouco para promover o reajuste do aluguel. Que ele precisava ser flexível à situação do país. Mas ele soltou um curto e grosso: se você não pode pagar, procura outro lugar, porque tem gente na fila para morar nesse imóvel. Eu vou reajustar o aluguel sim senhor. Proprietário sequer levou em consideração que eu morava lá há 10 anos, pagava sempre em dia, e jamais havia questionado os reajustes anteriores. Mas a situação econômica do país era completamente diferente dos outros anos, não dava para engolir todos os aumentos. Enfim, ele elevou o valor do aluguel do imóvel em seus 10%, me mandou o contrato de renovação, e isso me enfureceu bastante. Decidi, naquele mesmo dia eu compraria um imóvel próprio, e não me sujeitaria mais a esse tipo de situação: refém do dono do imóvel.
Antes fiz algumas ponderações mínimas:
1 – Precisava de um imóvel mais próximo do centro de Brasília, para economizar combustível e tempo. No imóvel alugado eu estava numa média de 50Km do centro de Brasília. Ida e volta: 100Km/diários, e perdia 1,5 horas diárias no carro.
2 – Precisava de um imóvel com uma boa posição em relação ao Sol, preferencialmente apenas sol nascente. No imóvel alugado eu tinha um gasto considerável com energia elétrica, pois ele recebia o sol da tarde inteira, superaquecia o imóvel, o que me obrigava a usar ar-condicionado (e até ventiladores) com uma frequência fora do normal.
3 – Em 2013 eu já imaginava a possibilidade de uma grande crise hídrica no DF. Falava para os meus parentes, mas eles me rotulavam de louco. A disponibilidade de um bom reservatório de água seria uma prioridade incondicional no novo imóvel que eu fosse adquiri. O antigo imóvel alugado possuía uma caixa d’água de 500 litros apenas (por unidade domiciliar), e me servia bem, embora não me tivesse tanta segurança com relação a falta d'água. A crise hídrica explodiria no DF em 2017.
4 – Precisava de um imóvel localizado em alguma área com facilidade para acesso ao comércio local (a pé) e uma parada de ônibus relativamente próxima. Eu não queria ter que ligar o carro para resolver besteiras como comprar um papel higiênico. Eu já tinha essa comodidade no imóvel anterior, e não gostaria de perder. A parada de ônibus seria para facilitar a vida da minha diarista.
5 – O imóvel precisava estar localizado numa região com poucos quebra-molas. Odeio com todas as minhas forças os quebra-molas, e me mataria de raiva se tivesse que enfrentar 30 ou 40 deles todos os dias. Imagina num ano inteiro!
6 – O imóvel precisava ter estacionamento fechado para pelo menos 2 veículos: o meu e o da minha namorada. Já tentaram me assaltar no acesso do estacionamento do imóvel anterior, mas o bandido não conseguiu penetrar o local.
7 – O imóvel precisava estar num local assistido por internet cabeada de razoável velocidade, no mínimo, com a disponibilidade de pelo menos os 15Mbs. Era a velocidade que eu tinha contratado na época, e me atendia muito bem para os trabalhos com assistência remota.
8 – O imóvel não poderia ultrapassar o custo de R$ 220.000,000, e nem ser menor que 50m². A essa altura o meu aluguel já estava reajustado em R$ 1.000,00, num imóvel de 72m².
9 – A sala do novo imóvel deveria ser a mais ampla possível, porque era outro critério que eu estava acostumado no imóvel anterior, e não gostaria de abrir mão.
10 – O imóvel não poderia estar em local irregular, porque eu não estava disposto a participar de nenhum embate judicial no futuro, e ainda correr o risco de perder o meu suado dinheiro.
Cheguei a visitar uns 30 apartamentos, mais ou menos, na nova cidade escolhida, até que finalmente encontrei o que me agradou. Porém o proprietário queria R$ 268.000,00, na época, e me pareceu irredutível. No final a negociação deu certo, e ambos ficaram satisfeitos.
E aqui cito os requisitos atendidos: de 1 a 10
1 – O novo imóvel estava estrategicamente localizado a 18Km do centro de Brasília. Proveria uma economia de 32km por percurso, totalizando 64km diários (em vez de 100Km anteriores). Minha economia diária seria de 36Km (ida/volta) e o tempo diário ganho seria de -1 hora. Imagina 1 hora de vida fora do trânsito durante 1 ano, durante 10 anos, durante 20 anos!
2 – Este imóvel era vazado, com o Sol na posição Nascente para Poente. Com uma janela imensa na sala medindo 4.5m² (sim a janela tem 4.5m², não a sala). Isso permitiria uma troca de calor bastante eficiente, pois o fluxo de ventos era totalmente favorável. Além disso, esse prédio era pastilhado (revestido) 85% na cor branca, o que praticamente o impedia de absorver os comprimentos de onda do Sol. Resultado: prédio frio com o calor do sol na medida certa.
3 – A questão da água era interessante. O prédio possuía 24 apartamentos, mas com 2 tanques reservatórios (subterrâneo e superior) que totalizavam 40.000L. 40.000L / 24 unidades = 1600L/unidade. Mas geralmente a ocupação dos APS gira na ordem de 80%. Então, 40.000L/20 = 2000L por unidade. A crise hídrica estourou em meados de 2016. O DF sofreu racionamento severo, mas os apartamentos desse prédio escolhido não ficaram 1 único dia sequer sem água. A crise hídrica durou até 2018, e nunca faltou água no prédio.
4 – Plenamente atendido, e sem ruídos. Tenho uma infinidade de serviços relativamente próximos: padaria, mercados, choperia, hamburgueria, farmácias, restaurantes, etc. Dá para fazer tudo a pé, se eu quiser.
5 – 2 quebra-molas apenas é o que me separa da felicidade: pista com velocidade constante. Isso mesmo: 2 quebra-molas!
6 – Precisava de 2 vagas. O novo imóvel oferecia 1 vaga particular (e coberta), porém mais 50 vagas rotativas em local fechado. Isso me permitiu possuir 3 veículos, e mesmo assim observar que sempre há mais de 15 vagas livres mesmo quando está em ocupação máxima. Ou seja eu nunca precisei disputar vagas de garagem, mesmo possuindo 3 carros. Meus amigos podem me visitar e estacionar os seus carros na garagem coletiva, e sem mimimis.
7 – Até então eu poderia continuar com os meus 15mbps de internet. Porém... porém... porém.... o prédio oferecia infraestrutura livre para operadoras concorrentes: disponibilizando 2 antenas 4G (Oi e Tim) 99% de sinal, além de operadoras de fibra óptica Oi ou Vivo, ou cabo Net limitado a 240 Megas. Acabei migrando a tecnologia para Oi Fibra, ficando 400 Megas Down por 200 Megas Up, e uma latência ridícula. Oferecem já 1Gb aqui, mas não tenho como usar tanta velocidade.
8 – Aqui ocorreu um embate. Sujeito queria R$ 268.000,00 porque alegava uma séria de questões verdadeiramente pertinentes, inclusive o pastilhamento do prédio (revestimento) que havia acabado de ser concluído. Porém, é bom lembrar que o ano era 2016, negociações quase avançado para 2017, e o país estava mergulhando numa recessão séria. Eu barganhei até o limite do limite: ofertando os R$ 220.000,00 apenas (e a vista). Foram 3 meses de negociações. Ele não encontrava comprador, e o imóvel já completava 1 ano de anunciado. O proprietário já havia quitado 24 prestações. O imóvel estava financiado para 30 anos, com a prestações de R$ 2.400,00 na época. Por fim, eu acabei fazendo a última oferta, xeque-mate, que foi de R$ 236.000,00. Calculei os R$ 220.000,00 (que julguei justo como valor real) + 12.000,00 (que eu pagaria de aluguel para aquele proprietário que eu tomei um ódio profundo), + R$ 4.000,00 de “cala a a boca” e se conforma. Mas só paguei esse montante mesmo porque a parte complicada da reforma ele já tinha realizado: troca de piso, janelas, portas, e o layout do ap me agravada. Estava, aparentemente, em bom estado de conservação, embora eu tivesse que executar outra reforma para adequá-lo as minhas necessidades. Enfim, o sujeito perderia uns R$ 35.000,00 apenas com a reforma e o ITBI pagos, numa única transação. Mas era isso e encerrar a dívida de 28 anos, ou arriscar propostas cansativas. Não quis entrar no mérito de motivos da venda, mas em 2017 o Brasil atingiria a marca dos 14 milhões de desempregados. Eu estava fazendo o que tinha que fazer: barganhar na minha tacada, antes que a economia do país derretesse o valor do meu dinheiro cada vez mais.
9 – Uma sala boa: com 12 metros quadrados. Me atendeu plenamente.
10 – Imóvel perfeitamente regular, tanto que era financiado pelo Banco do Brasil. Quitei a dívida do sujeito, paguei os impostos e cartórios, em menos de 24 horas, estava tudo já no meu nome.
Aí entrou aquele ponto inicial da satisfação psicológica, e a vontade de fazer o inevitável: eu era proprietário de um apartamento já, e poderia me mudar imediatamente se quisesse. Eu poderia mandar o dono do imóvel anterior socar os 10% de reajuste, bem no meio do rabo dele, rasgar o contrato de aluguel não assinado, e manda-lo ofertar aquele imóvel outro trouxa. Eu estava cagando para o aumento do aluguel dele. Mas essa era apenas a minha expectativa do que gostaria de fazer para comemorar a aquisição. A realidade foi que eu segurei o meu “ego”, e fiquei despistando-o, quase 2 meses, para não assinar o novo contrato de aluguel anual. A reforma que eu precisei promover no novo imóvel me custaria R$ 40.000,00, e levaria 2 meses para ser plenamente concluída.
No final das contas, 2 meses se passaram. Entreguei as chaves, e saí caladinho. Preferi manter a boa relação, até porque a gente nunca sabe o que o futuro pode reservar para as nossas atitudes.
Mudei em fevereiro de 2017, com o apartamento reformado de acordo com as minhas necessidades, e vamos as vantagens:
- Sistema elétrico 100% reformado, com abertura de 2 postos de tomadas (cada qual com 3 tomadas), em cada parede existente. Não importa a comutação que eu precise fazer (em qualquer dos cômodos), há sempre tomadas disponíveis nas paredes, dispensado uso de extensões elétricas, T elétrico ou qualquer similar.
- Reforma completa do banheiro, tirando ele da década de 90 e trazendo para o século 21. É lá que que me sinto limpo, me transformo em cantor, e tomo todas as decisões da minha vida. Os R$ 14.000,00 mais bem gastos da minha vida.
- Transformei 1 quarto num escritório, apoiado com 3 telas, prevendo (ainda em 2016) que eu trabalharia cada vez mais em casa, prestando assistência remota. A essa altura eu jamais imaginaria que o Covid19 se tornaria uma crise mundial, e que eu usaria cada vez mais esse espaço.
- Automatizei o apartamento todo. Aliás, os sensores de temperatura e humidade indicaram que eu não precisaria instalar ar-condicionado, apenas humidificadores para os meses de estiagem aqui no DF. Mesmo assim o ap está pronto para receber 3 condicionadores de ar, se no futuro necessitar.
- A crise hídrica estourou em 2017 eu nem senti nesse prédio. Passou tranquila. Minha previsão deu bom com o grande reservatório de água desse prédio.
- A crise dos caminhoneiros de 2018, eu não havia previsto. Mas com 3 Carros, com os tanques cheios, e com -36Km diários, imagina a sorte que eu tive por ter me mudado de endereço!
- A crise do Covid estourou e o AP já estava completamente adequado a nova modalidade de trabalho.
- Vista livre e verde, na sala e no quarto, sem ninguém para bisbilhotar a minha privacidade. Não só isso, mas 75% de abertura num janelão de 4 folhas, totalizando 4,5m²
- O prédio é cheio de idosos: eles não transam, não gritam, não fazem barulho, não fazem festa, nem porra nenhuma. Parece até que moro num prédio fantasma. Fora isso, as paredes dos imóveis possuem 22Cm de espessura a base de tijolo de cimento. De noite, de dia, ou de tarde, é um silêncio total. As minhas melhores noites de sono, até então, tem sido aqui.
Então, e embora e não recomende a compra de imóveis, no meu caso em particular eu tive uma série de condições muito favoráveis e determinantes para a minha tomada de decisão, e que praticamente me forçaram a inevitavelmente investir na aquisição. Na época, eu precisava converter o meu dinheiro porque eu não sabia o que aconteceria coma economia do Brasil. Precisava ficar mais perto dos clientes para economizar tempo e combustível. Eu queria parar de pagar aluguel por estar com ego inflamado (provocado pelo aumento descabido do valor do aluguel), e eu queria morar num espaço com o qual eu pudesse me identificar. Me sinto realizado e gosto muito desse AP. Gosto tanto (e sei que é um ótimo imóvel) que não tive dificuldades para achar comprador. Praticamente falei num dia com uma corretora e no outro o apartamento já estava praticamente vendido para um casal. Tem gente que leva anos para conseguir transformar imóvel em dinheiro e eu precisei de apenas 1 visita de 1 casal para conseguir uma oferta minimamente justa, e mais importante de tudo: a vista.
Em tempo: Só não vendi o imóvel porque a minha namorada/esposa acabou desistindo de ter filho esse ano. Mas a ideia era vender esse apartamento, e morar de aluguel. Eu alugaria outro imóvel com 3 ou 4 quartos, e investiria o dinheiro da venda do AP num negócio qualquer. Tá cheio de empresas falidas por aqui, por conta da pandemia. Uma ótima oportunidades de comprar alguma delas a preço de banana.