Infelizmente não é tão simples quanto parece...
Se 10% das pessoas do país parassem de pagar impostos, o governo quebrava e aí não teria mais quem cobrasse impostos de forma alguma.
Até onde eu sei, quase ninguém gosta de pagar imposto, se eu sair na rua e perguntar para um random qualquer "você gostaria de ser 100% isento de imposto?" provavelmente ele responderá que sim. Ainda assim, a maior parte da população não utiliza essa ação conjunta, eles continuam pagando impostos.
Da mesma forma, o seu José não vai para as ruas abrir o seu negócio, ganhar o seu sustento por medo de apanhar da polícia, ser levado para a delegacia ou mesmo porque não quer ser socialmente julgado como alguém egoísta que não pensa nos outros.
Acho que não é nem uma questão de quem está certo ou errado não. É só que a solução proposta para a situação é inviável.
É como se alguém fosse ficar preso em uma câmara de gás e em 20 minutos as portas se abririam e eu levantasse como solução ele prender a respiração por 20 minutos. Resolve o problema? Sim. Da para fazer? Não.
Não estou dizendo que esses cientistas estão errados, mas particularmente eu acredito que eles não levaram em consideração todos os desdobramentos socioeconômicos que ocorreriam ao aplicar a solução proposta.
Eu sei que existem vidas humanas em jogo e toda vida é importante, mas todos nós aprendemos a considerar riscos e a aceitar um determinado nível de mortalidade para que certa atividade seja feita. Por exemplo, quase 50 mil pessoas morrem por ano no nosso país por acidentes de carro. Esse é um custo que todos nós concordamos em pagar para podermos nos deslocar do ponto A ao ponto B de forma mais rápida. Até agora não vi ninguém pregar pararmos todos de dirigir para salvarmos vidas e ainda dar a cartada de que toda vida é importante. Da mesma forma a dona Maricota que é trabalhadora informal, Paulo que trabalha no Uber e a Madalena que é dona de empresa consideraram os riscos da doença e dado isso concluíram que para eles seria melhor voltar à atividade produtiva.
O desdobramento socioeconômico é péssimo. Mas ainda é mais seguro para a própria economia ficar parado do que entrar em atividade.
Nem vou entrar em colapso de sistema de saúde, consequência para as famílias, etc. Vou esquecer disso tudo e vamos falar de economia e empresas.
Uma empresa que tem 10 funcionários, parada, é um baita prejuízo. Aluguel, funcionários sendo mandados embora, pagamento de custas demissionais, manutenção de funcionários parados. Extrapolado a mercado, é uma recessão grave nas mãos.
Agora vamos manter essa empresa funcionando. Num cenário de transmissão normal do vírus, tem muitos assintomáticos, e estatisticamente você tem altas chances de algum de seus funcionários contraírem o Covid-19. E aí o cara abre a empresa, funciona cerca de 10 dias, vamos imaginar que o consumo dessa empresa continua normalmente. E aí um dos funcionários passa mal e está com o Covid-19. Todo mundo testado, vc descobre que 3 funcionários estão com o vírus, 2 assintomáticos e 3 assintomáticos. Agora tem 3 funcionários afastados, com atestado médico e salário integral. Haverá redução de atividade da empresa, vai ter que mandar gente embora, os clientes assustados vão evitar a empresa. E uma hora ou outra, a empresa vai quebrar pior do que quebraria se tivesse parado as atividades, se tivesse feito a demissão antes, além de tomar umas trabalhistas por ter exposto funcionários ao risco.
Situações como essa são dilemas clássicos em gestão administrativa. Quando algo está errado, e a empresa vai mal, mesmo em tempos tranquilos, ela tem que escolher entre parar ou reduzir atividade. Em muitos casos, ela só está adiando o inevitável.
Voltando ao cenárioo atual, vai haver desemprego e crise, e certamente vai, é melhor que as pessoas tenham saúde para se reerguer. Arrastar as pessoas até o limite vai exaurir qualquer capacidade de recuperação econômica.
Está longe do ideal, mas é o momento de negociar. É conversar com o cara que aluga o imóvel para a empresa, se for o caso. É pedir adiamento de impostos. É conversar com o funcionário para ver o quanto ele precisa para se recuperar sem esgotar a empresa e cair no desemprego, e se ele preferir ser mandado embora, é tb opção dele. E tb colocar as coisas na ponta do lápis; depois de uma situação que passamos, muito pode mudar no modelo de negócios, em termos de padrão de higiene, atendimento in loco x entrega, local de trabalho.
Eu assisti uma matéria sobre um cara que conseguiu colocar o call center 100% em home office. Cara, isso é excelente. Estamos vendo agora que existem modelos de negócios que não exigem mais aquela presença física massiva, aqueles salões cheios de gente, os custos de manter uma estrutura da empresa, aquele horário comercial que entope meios de transporte coletivo. Quando a atividade retornar, temos que ver que não é tudo que volta, não pode ser a mesma coisa. Temos que resolver vários problemas de aglomeração, que não podem mais acontecer, até pq o vírus dificilmente vai sumir em poucos meses.
Também não gosto do fechamento total das atividades, mas agora nessa fase, é necessário. Depois disso, lá pelo meio ou fim de abril, talvez seja necessário reabrir muita coisa, mas as empresas vão ter que se adaptar, as pessoas tb. O que não pode é falar "não dá para fazer nada, vamos continuar do mesmo jeito" e f**a-se. Uma situação dessas exige responsabilidade, e o presidente não está manifestando isso. Não é "o modo dele de falar" que está inadequado. É a resposta para um estado crítico desses. É a inépcia em gerir e resolver um problema. O cara está errado, não há nem como discutir isso. Agora se alguns julgam que é conspiração de esquerda, que é papo, que vai morrer mesmo, provem seu ponto, saiam, trabalhem, vivam como se não ocorre nada. Comprem sua liberdade de volta, e paguem o preço das consequências. Este é um preço que eu não estou disposto a pagar.