Sobre o Salenko e os russos.
E se eu disser para vocês que a Rússia detinha à época uma grande geração de ótimos jogadores, e que, por desavenças com a Federação e problemas de resoluções de nacionalidade, as estrelas deixaram de jogar a Copa dos EUA? O Salenko, aliás, era um jogador de segundo ou, quiçá, terceiro escalão. Digamos que, mal comparando, seria como o Brasil convocasse o Careca Bianchesi para a Copa de 94.
Pensando egoisticamente, exclusivamente em termos futebolísticos, foi um golpe ao futebol a URSS ter sido desfeita em 1991, a propósito, às todas as seleções dos países associados ao comunismo soviético. O futebol mundial já era dominado pelo quarteto fantástico de seleções (Brasil, Argentina, Itália e Alemanha), e com a queda do programa esportivo dos países soviéticos, o número de talentos no futebol mundial reduziu drasticamente no porvir. Já explico isso.
Pois bem, lembrem-se que parte daquela geração foi finalista da Euro de 88 contra a Holanda de Van Basten, deixou de jogar a Euro 92 em razão da queda do regime comunista e, claro, como todos já sabem, foi campeã das Olimpíadas de 88 sobre o Brasil de Romário, Bebeto, João Paulo, Neto, André Cruz, Jorginho e Mazinho (jogando de lateral esquerdo, sua posição de origem no Vasco; ele era ambidestro).
Naquela altura da Copa de 94, muitos dos jogadores ucranianos, georgianos, russos, enfim, já tinham saído dos estados soviéticos e se instalados nas várias ligas europeias.
Dos talentos que compuseram a seleção de 94, lembro de cabeça de Onopko, grande zagueiro e líbero; Mostovoy, meia-atacante de extremo talento e reputado como o maior jogador da história do Celta de Vigo (CRAQUE! E o próprio Djalminha lhe pagava um pau tremendo); o Karpin, que fez sucesso nos finais dos anos 90 por aquele vencedor Real Sociedad; o Kulkov e o Yuran, ambos do Porto; e o finado Tsymbalar. Quatro desses jogadores, tirando os do time português, eram muito bons. Na conjuntura desequilibrada do futebol Europeu atual, esses caras estariam no atual octopólio de clubes que concentram os talentos do futebol europeu e dominam as ligas nacionais e continentais.
Mas quem ficou de fora daquela Copa?
Zavarov, o craque do time da Euro de 1988; Dobrovolskiy, o principal jogador da equipe Medalha de Ouro de 1988 e que, apesar de ucraniano, ao fim, optou por jogar pela Rússia; Kanchelskis, uma das principais estrelas do Manuted de Cantona e Hughes, cujo sucessor foi Beckham; Shalimov, um todo-meia russo da Inter de Milão; Kolyvanov, jogador habilidoso e principal jogador do Bologna (Bologna? Sim! Pode vir alguma coisa boa de lá? Recorde-se que naquele tempo TODOS os clubes do Calcio tinham ao menos três talentos estrangeiros compondo o time titular - o limite permitido antes das regras comunitárias da UE e da Lei Bosman).
Ainda, se não bastasse, a URSS-Russia perdeu o Mikhaylichenko, volante de muita qualidade, quarto lugar na Bola de Ouro de 1988, que optou por jogar pela Ucrânia. Kinkladze, georgiano habilidosíssimo, que jogou e foi deus no City nos anos 90, mas optou por jogar pela Georgia. E, o bom e regular Alenichev, que vocês já devem ter ouvido falar, que foi ídolo no Porto no princípio dos anos 2000 e que perdeu a titularidade para o jovem Deco.
O Brasil poderia, sim, ter muitas dificuldades se a Rússia viesse com força máxima, principalmente, se jogasse contra a Suécia de Brolin e Andersson mais pressionado na terceira partida, com as três equipes disputando as duas vagas.
Para finalizar, explicando a situação do futebol dos países comunistas. Acho que já falei isso por aqui anos atrás.
Reflitam que no período que vai do pós-Segunda Guerra, com o ápice do regime comunista nas décadas de 60 e 70, e até meados dos anos 90, os times e as seleções dos Leste Europeu eram muito bons e, uma ou outra, chegavam sempre às fases finais dos torneios de clubes e de seleções. Algumas seleções, inclusive, disputando finais e vencendo títulos continentais, como a própria URSS de Netto e Voronin, a Checoslováquia de Masupost e depois de Panenka (lembram do pênalti?), e os clubes como o Steaua Bucareste de Hagi, Lacatus e Belodedici e o Estrela Vermelha de Savicevic, Mihaijlovic e, de novo, Belodedici. A Polônia, aliás, era uma seleção que fez bonito e terminou em terceiro lugar em duas Copas, 74 e 82.
Tal desempenho coincide com as gerações de futebolistas que foram produzidos dentro da atmosfera daquele funesto regime.
Veja quantos talentos, rapidamente, CINCO de cada país:
Bulgária: Bonev, Kotkov, Yakimov, Shalamanov e Asparuhov;
Romênia: Raducanu, Dobrin, Stefanescu, Boloni e Balaci;
URSS: Yashin, Blokhin, Dasayev, Belanov e Kipiani;
Checoslováquia: Masopust, Panenka, Adamec, Kvasnak e Popluhar;
Polônia: Deyna, Lato, Boniek, Lubanski e Zmuda;
Hungria: Kubala, Puskas, Kocsis, Albert e Detari;
Iugoslávia: Djazic, Susic, Sekuralac, Skoblar e Buljan.
São muitos nomes, talentos talhados no período da Guerra Fria. E ainda há outros. Basta se aprofundar sobre a historiografia do 'futebol científico' e da 'Escola de Danúbio'.
Essa profusão de talentos é facilmente explicada porque era um dos únicos caminhos pelos quais os cidadãos desses países poderiam crescer financeiramente, ora fazendo carreira no Serviço Público, ora se dedicando integralmente ao esporte para, ao fim da carreira, conquistar um premiado cargo no Estado, se já não eram como Puskas, que era major das FFAA, e o revolucionário técnico (que estabeleceu as bases táticas do nosso futebol brasileiro: 4-2-4 de Feola), Béla Guttman, fã confesso de Zizinho, que era chefe de um setor do Ministério do Esporte da Hungria só para se estudar futebol. Outros, mais sortudos, conseguiam desertar e fugir do pais, conseguindo asilo político, como o então capitão do exército romeno Marcel Raducanu, que foi ídolo no Borussia Dortmund nos anos 80.
Enfim, politicagem à parte, percebam que o futebol mundial, sim, tinham muito mais jogadores talentosos e, em parte, isso é em função dos grandes nomes do futebol europeu que estavam sob a cortina de ferro comunista e o seu programa político-esportivo. Claro, sem deixar de mencionar que os principais clubes europeus não poderiam contratar mais do que três jogadores estrangeiros, incluindo nesta restrição os europeus não nacionais. Isso facilitou a lapidação de promessas e o desenvolvimento de talentos, oferecendo-lhes constantes oportunidades de jogo, responsabilidade de protagonismo e, principalmente, a manutenção do equilíbrio das equipes.
Hoje, pergunto: onde estão esses talentos da Europa Oriental? Lewandovski, Vidic, Oblak, Ivanovic, Milinkovic, Cech, Arshavin, Mutu, Chivu, Berbatov, Mkhitaryan (escrevi certo?), Modric e Rakitic.
Ok! Que mais?
Hagi, Popescu, Petrescu, Lacatus, Munteanu, Belodedici, os romenos; Stoichkov, Lechkov, Balakov e Kostadinov (citado pelo Rodrigo), os búlgaros; Shevchenko e Rebrov, os ucranianos; Berger, Nedved, Pobosky, Koller, Moravcik, Kubik, os checos e os eslovacos; Petkovic, Mijatovic, Zahovic, Mihajlovic, Stoijkovic, Savicevic, Adenor Tite, Djukic, Suker, Boban, Boksic, os antigos iugoslavos, enfim, uma cacetada de ótimos e craques jogadores, todos lapidados na infância e adolescência durante aquele programa soviético.
Reitero: onde estão os romenos, os checos e os búlgaros atualmente que nos enchem os olhos?
A quantidade é muito menor.
É isso. Desculpem-me o texto enorme. Tempo sobrando.