Como youtubers bolsonaristas ganham R$ 100 mil mensais com informações privilegiadas do Planalto
O presidente discursou, em 19 de abril, em frente ao Quartel General do Exército em Brasília GABRIELA BILÓ/ESTADÃO
Patrik Camporez, Breno Pires e Rafael Moraes Moura, O Estado de S.Paulo
04 de dezembro de 2020 | 05h00
BRASÍLIA - O sigiloso
inquérito dos atos antidemocráticos aberto em abril para apurar a organização e o financiamento de manifestações contra a democracia revela que um negócio muito lucrativo estava por trás dos protestos contra o
Supremo Tribunal Federal (STF) e o Congresso. Mas o que mais causou surpresa foi a descoberta de que informações usadas por uma rede de canais no
YouTube, investigados por promover esses atos no País, saíram de dentro do
Palácio do Planalto.
A conclusão consta de inquérito com 1.152 páginas, ao qual o
Estadão teve acesso. Após sete meses de diligências, as apurações mostraram os elos e a convivência harmoniosa da
Secretaria de Comunicação da Presidência (Secom) com os youtubers do “
gabinete do ódio”, núcleo palaciano que adota um estilo beligerante nas redes sociais.
A existência desse grupo, com essa denominação, foi revelada pelo
Estadão, em setembro de 2019. Trabalhando a poucos metros do gabinete do
presidente Jair Bolsonaro, o assessor especial da Presidência da República
Tércio Arnaud Tomaz e o
Coronel Mauro Cesar Barbosa Cid, ajudante de ordens, são os interlocutores do blogueiro bolsonarista
Allan dos Santos, dono do
canal Terça Livre, dentro do Planalto.
Tércio é apontado no inquérito dos atos antidemocráticos como elo entre o governo e os youtubers, que possuem acesso privilegiado a Bolsonaro e informaram
faturamento de mais de R$ 100 mil por mês. Integrante do “gabinete do ódio”, Tércio repassa vídeos do presidente e participa de grupo de WhatsApp com os blogueiros para “discutir questões do governo”, segundo disse em depoimento à Polícia Federal. Cid, por sua vez, admitiu que, como “mensageiro” de Bolsonaro, leva e traz recados de Allan para ele. O blogueiro atua como uma espécie de representante das demandas dos demais canais.
A investigação feita pela Polícia Federal em inquérito conduzido pelo ministro
Alexandre de Moraes, do STF, ainda não terminou, mas já atormenta Bolsonaro por fechar o cerco sobre a militância digital bolsonarista. Até agora, foram ouvidas mais de 30 pessoas, entre as quais o vereador
Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), apontado como comandante do “gabinete do ódio”, e o deputado
Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filhos do presidente.
“A propaganda de conteúdo extremista no campo digital culmina, de fato, em ações subsequentes: as manifestações reais contra o Estado Democrático de Direito, criando um ciclo que se realimenta, com a difusão das manifestações pelos canais de internet dos produtores, que, por sua vez, são alardeados e replicados em perfis pessoais de redes sociais de agentes do Estado, gerando mais visualizações
(difusores)”, constatou a Polícia Federal, em relatório de 9 de julho.
Não passou despercebido dos investigadores que, no período dos protestos antidemocráticos, alguns com a presença de Bolsonaro, vídeos com títulos apelativos pipocaram nas redes sociais. Nessa lista estavam “
Bolsonaro rebate conspiradores”, “
Bolsonaro dá ultimato para sabotadores e intromissões”, “
Bolsonaro invade STF”, “A Força de Bolsonaro é maior que Congresso e STF”, “Bolsonaro e Forças Armadas fechados em um acordo para o Brasil” e “STF decidiu eliminar Bolsonaro”, como registrou a
Procuradoria-Geral da República (PGR).
“Com o objetivo de lucrar, estes canais, que alcançam um universo de milhões de pessoas, potencializam ao máximo a retórica da distinção amigo-inimigo, dando impulso, assim, a insurgências que acabam efetivamente se materializando na vida real, e alimentando novamente toda a cadeia de mensagens e obtenção de recursos financeiros”, disse o vice-procurador-geral da República, Humberto Jacques, em manifestação ao STF.
Com atos contra democracia, canais bolsonaristas aumentaram inscritos e lucros
Levantamento do Estadão identificou que o número de inscritos de onze canais sob investigação aumentou 27% no total, de 6,7 milhões para 8,5 milhões, entre 1º de março e 30 de junho. O período coincide com o das manifestações antidemocráticas. De julho até o fim do mês passado, quando já não havia mais protestos, os canais cresceram apenas 6%.
Nos interrogatórios, a PF tem questionado se os donos de canais são “laranjas” de terceiros. Foi o que ocorreu no depoimento prestado por Anderson Azevedo Rossi. O criador do canal
Foco do Brasil respondeu que não repassa dinheiro recebido de monetização do Youtube a outros. Rossi afirmou, porém, que recebe ajuda de Tércio Tomaz para abastecer a sua página.
Por meio do WhatsApp, disse ele, o assessor repassa vídeos de Bolsonaro. Tércio está sempre ao lado do presidente. Filma suas conversas de forma imperceptível e procura flagrar situações que possam constranger quem o incomoda.
Com 2,3 milhões de seguidores no Youtube, Rossi teve uma guinada na carreira desde a ascensão de Bolsonaro. Recebia um salário de R$ 3,5 mil como técnico de informática em sua cidade, Canela, no Rio Grande do Sul. Agora, com os recursos da
monetização – a remuneração que o YouTube paga por anúncios publicitários nos canais – faturou com o Foco do Brasil
US$ 330.887,08 entre março de 2019 e maio de 2020, o equivalente a
R$ 1,7 milhão na cotação atual de câmbio. É um valor aproximadamente 33 vezes maior do que ganhava na função anterior. Rossi chegou a instalar uma sala física do canal em Brasília.
Em depoimento à PF, Tércio negou dar tratamento diferenciado aos donos de canais no Youtube que orbitam em torno de Bolsonaro. Admitiu, porém, ter participado de um grupo de WhatsApp com Allan dos Santos para discutir questões do governo federal. Allan, por sua vez, disse que recebe R$ 12 mil por mês, na condição de “sócio” do
Terça Livre, também obtidos por meio de monetização, segundo depoimento prestado à PF.
Já Fernando Lisboa, do
Vlog do Lisboa, fatura de R$ 20 mil a 30 mil por mês. Emerson Teixeira, do canal “Professor Opressor”, informou que tem rendimento mensal de R$ 11 mil. Foco do Brasil, Terça Livre e Vlog do Lisboa veicularam
propaganda da reforma da Previdência, paga pela Secretaria de Comunicação (Secom). Exibiram, respectivamente, 57.044, 1.447 e 2.081 inserções publicitárias no YouTube, de acordo com informações enviadas pela Secom à CPMI das Fake News no Congresso, no período de 6 de junho a 13 de julho de 2019.
A lista de canais que difunde o discurso do “gabinete do ódio” inclui ainda a
Folha Política, de Ernani Fernandes Barbosa e Thaís Raposo, que informaram rendimento no YouTube de R$ 50 mil a 100 mil por mês. Ao todo, 11 canais, incluindo também o
Direto aos Fatos, de Camila Abdo, e o
TV Direita News, de Marcelo Frazão, continuam sendo investigados por disseminação de conteúdo contra as instituições. Um deles, da extremista
Sara Giromini, foi excluído do YouTube por ferir normas. Outro, do jornalista
Oswaldo Eustáquio, não está mais disponível para acessos no Brasil. Os números de inscritos dos canais que seguem ativos, somados, atingem 9,1 milhões.
Desde a última sexta-feira (27) o
Estadão tem pedido uma manifestação da Secom. A reportagem perguntou também se os assessores Tercio Arnaud Tomaz, José Matheus Sales Gomes, Mauro Cesar Barbosa Cid e Mateus Diniz gostariam de se manifestar, já que são citados no inquérito do STF. Três e-mails foram enviados à Secom, mas não houve resposta.
Em mais de um depoimento tomado no
inquérito dos atos antidemocráticos, a
Polícia Federal questionou se o filho 02 do presidente, o vereador do Rio
Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), e integrantes do governo estavam por trás dos canais do
YouTube que disseminaram discurso antidemocrático. Os investigadores procuraram saber, também, se os proprietários desses canais repassaram recursos de monetização a terceiros e se atuam como “
laranjas”. As respostas foram negativas.
Também foram feitos questionamentos sobre eventual “
dissimulação da identidade” e criação de perfil em nome de terceiros “para qualquer fim”. As perguntas indicam que a PF busca comprovar se os milhões arrecadados pela “rede do ódio”, por meio dos vídeos que divulga no YouTube, são divididos com servidores do governo e agentes políticos, que alimentam esses canais com vídeos e informações de dentro do Palácio do Planalto.
O inquérito que apura o caso em tramitação no
Supremo Tribunal Federal (STF), que reúne mais de mil páginas sigilosas, mostra que o apoio do governo a canais no Youtube investigados vai além do acesso privilegiado ao presidente
Jair Bolsonaro e das orientações trocadas com funcionários da
Presidência da República por aplicativo de mensagem. O inquérito revela que o “gabinete do ódio” garante musculatura à
rede de sites bolsonaristas.
Depoimentos coletados pela
Polícia Federal indicam que os donos dos canais demonstram interesse pelo acesso aos “bastidores do poder”. Isso ajuda a fidelizar o público e aumentar a audiência, além do lucro das páginas. As próprias transmissões ao vivo de Bolsonaro nas redes sociais, executadas com as imagens recebidas de forma privilegiada pela EBC, ajudam a atrair milhares de internautas e impulsionam os lucros das plataformas.
Segunda franquia mais rentável entre os canais bolsonaristas, a
Folha Política tinha 1,65 milhão de inscritos no início de março. Hoje está com 2,19 milhões, um salto de 32%. Proprietário do canal, Ernani Fernandes Barbosa Neto disse à PF ter faturado entre
R$ 50 mil e R$ 100 mil por mês.
Ao lado da mulher, Thais Raposo Chaves, ele opera os negócios, que incluem uma espécie de incubadora de novos perfis. A dupla também é dona da Novo Brasil Empreendimentos e da Raposo Fernandes Marketing Digital, que já prestaram serviços de marketing a políticos alinhados a Bolsonaro.
Antes do sucesso no YouTube, o casal teve 68 páginas e 43 contas derrubadas pelo
Facebook, durante a
eleição presidencial de 2018. As páginas faziam parte de uma rede de disseminação de desinformação, que violou políticas de autenticidade ao criar endereços falsos e múltiplas contas.
Bolsonaristas contaram com ajuda da EBC e da TV Brasil
Já o
Foco do Brasil contou com a ajuda de um funcionário da
Empresa Brasil de Comunicação (EBC) para obter, como se fosse uma emissora de televisão, as imagens de Bolsonaro e de eventos oficiais gerados pelo satélite Amazonas 3.
Anderson Rossi disse à PF que “recebeu as informações técnicas, de como acessar o satélite”, do gerente de operações da rede pública, identificado por ele apenas como “Bill”. Rossi também relatou ter recebido, por meio de outro funcionário da
TV Brasil, as senhas de acesso às imagens feitas pela emissora pública.
Com a transmissão em tempo real de imagens do presidente, Rossi ampliou a base de inscritos do canal, principalmente em março, abril, maio e junho, quando se multiplicaram as manifestações de apoiadores bolsonaristas pedindo o
fechamento do Congresso,
intervenção militar, com ataques ao Supremo Tribunal Federal (STF).
Procurada pela reportagem, a EBC disse, em nota, que o Satélite Amazonas 3 é um canal de serviço disponível de forma aberta aos veículos de imprensa. A empresa pública, no entanto, não deu acesso à lista de canais do Youtube que utilizam o satélite.
04 de dezembro de 2020 | 05h00
O vereador
Carlos Bolsonaro (Republicanos/RJ) é citado 43 vezes no
inquérito dos atos antidemocráticos. Ao longo dos depoimentos de testemunhas e investigados, os agentes da
Polícia Federal deixam transparecer um cerco ao filho 02 do
presidente Jair Bolsonaro. Eles levantam a possibilidade de o parlamentar estar “ajudando” e “cooperando” com os canais suspeitos de ataques às instituições e ao regime democrático.
No dia 31 de julho deste ano, o dono do
Foco do Brasil, Anderson Rossi, foi questionado sobre uma possível ajuda de Carlos na estruturação do canal, que chega a faturar
R$ 140 mil por mês.
O empresário respondeu não ter recebido ajuda do vereador, mas admitiu auxílio de
Tércio Arnaud Tomaz, amigo de Carlos e integrante do
“gabinete do ódio”, a ala ideológica do
Palácio do Planalto. Essa ajuda se dava com o repasse de imagens exclusivas do presidente. Assim, Rossi abastece e impulsiona sua página com um conteúdo que a mídia convencional não tem acesso.
Meses depois, a 16 de setembro, a PF voltou a perguntar sobre um possível envolvimento de Carlos com o Foco do Brasil, agora na tomada do depoimento de
Cleitomar Basso, funcionário do canal. Basso também negou participação do vereador no negócio.
A polícia investiga também se, durante a
campanha presidencial de 2018, assessores do gabinete de Carlos na Câmara do Rio atuavam no impulsionamento de páginas do pai dele nas redes sociais.
Confrontado pela PF, o assessor Tércio Arnaud Tomaz admitiu ter trabalhado para Jair Bolsonaro durante o período em que esteve empregado no Legislativo Municipal, mas alegou que a atuação era “voluntária” e fazia por “iniciativa própria” a gestão das páginas do candidato.
Mesmo recebendo pela Câmara, Tércio disse que “continuou a cuidar do Blog ‘
Bolsonaro Opressor’” como uma forma de ajudar”. A página chegou a ter 1,5 milhão de seguidores e foi “derrubada” pelo Facebook por infringir as regras da rede.
Outro assessor especial da Presidência,
José Matheus Sales Gomes confirmou à PF que trabalhou na campanha eleitoral do candidato a presidente. No dia 11 de setembro, ele alegou também ter atuado "voluntariamente” e sem “remuneração” nas estratégias de rede social.
PF quer saber se Carlos dá ordens para ‘gabinete do ódio’ do Planalto
A PF ainda investiga se os assessores do Palácio do Planalto vinculados ao “gabinete do ódio” têm recebido ordens de Carlos. Por sua vez, José Matheus admitiu que auxilia de “forma eventual” o vereador, por este ser o administrador de contas de redes sociais do pai. Já Mateus Matos Diniz, um terceiro integrante do gabinete, disse, a 22 de setembro, que “nunca” trabalhou para o filho do presidente.
Em setembro, o jornal
O Globo divulgou que os agentes apuravam se Carlos Bolsonaro e integrantes do “gabinete do ódio” se reuniram, no Palácio do Planalto, para combinar detalhes dos depoimentos que seriam prestados no âmbito do inquérito.
José Matheus foi um dos questionados: “Indagado quando foi a última vez que conversou com Carlos Bolsonaro, respondeu que na data de hoje no período da manhã”, mas, ainda segundo o depoimento, “não conversaram sobre o detalhes da oitiva de Carlos Bolsonaro”. O próprio Tércio também admitiu ter se encontrado com o vereador no dia do depoimento. “Indagado quando foi a última vez que conversou com Carlos Bolsonaro, respondeu que almoçou com ele na data de hoje”, destaca trecho do inquérito.
A 10 de setembro, Carlos Bolsonaro prestou depoimento na Superintendência Regional da Polícia Federal no Rio. Conforme revelou o
Estadão à época, o vereador disse que nunca utilizou verba pública para manter canais e perfis em redes sociais
nem é “covarde” ou “canalha” para contratar “robôs”.
BRASÍLIA - Dono do canal
Foco do Brasil, o técnico de informática
Anderson Rossi disse em entrevista ao
Estadão que o acesso a áreas restritas do
Palácio da Alvorada se deve à “simpatia” do
presidente Jair Bolsonaro por sua equipe. O canal dele, que se declara apoiador do chefe do Executivo, faturou US$ 330 mil (o equivalente a R$ 1,76 milhão na cotação atual de câmbio) em monetização entre março de 2019 e maio de 2020, segundo relatório da PF obtido pela reportagem.
Para ter acesso exclusivo ao presidente e às
dependências do Palácio da Alvorada, dois funcionários de Rossi se identificam junto aos seguranças e em seguida seguem para áreas internas da residência oficial em que Bolsonaro conversa com apoiadores, longe do espaço reservado à imprensa tradicional.
"Simplesmente entramos e nunca fomos bloqueados. Inclusive, como todos sabem, também somos apoiadores. Ali é local de apoiadores”, afirma Rossi, referindo-se ao espaço, dentro de um cercadinho, onde a
militância bolsonarista costuma aguardar o presidente. “Nós gravamos com o celular o Alvorada desde quando começaram os apoiadores
(a irem até a porta do Palácio para conversar com o presidente), já faz bastante tempo”, completou.
Em vídeo exibido no dia 2 de dezembro, pelo canal Foco Brasil, Bolsonaro deixou claro que é dele a ordem para que a imprensa não acompanhe suas entrevistas, garantindo que apenas seus apoiadores possam acessar o conteúdo de suas falas. "Eu não respondo a perguntas
(da imprensa). Aqui já é particular, por assim dizer, minha propriedade. Lá fora, imprensa", disse referindo-se ao Palácio do Alvorada, residência oficial dos presidentes da República.
Rossi disse, ainda, que o Foco do Brasil costumava participar das entrevistas coletivas na área da imprensa, externa ao Palácio da Alvorada. “Mas devido ao tipo de perguntas de alguns jornalistas parece que o presidente ficou nervoso e decidiu não falar mais nada ali”, frisou. Quando o presidente passou a receber apoiadores do lado interno do Alvorada, o Foco do Brasil aproveitou o acesso obtido e passou a fazer vídeos exclusivos.
“O Foco do Brasil é o único que aparentemente o presidente Jair Bolsonaro tem simpatia por ali e até agora não nos bloqueou para fazer as filmagens e perguntas”, observou o dono do canal, que tem 2,3 milhões de seguidores.
Ao explicar por que tem acesso à área interna do Palácio da Alvorada, Rossi observou: “temos cautela quando queremos fazer perguntas pelo respeito ao momento”.
Questionado pela reportagem se ainda recebe ajuda do assessor especial da Presidência
Tércio Arnaud Tomaz, integrante do "
gabinete do ódio", Rossi disse que as conversas com o assessor presidencial têm acontecido com “pouca frequência”. À PF, no entanto, o youtuber havia afirmado que não tinha mais contato com o assessor. “Fiquei inclusive um tempo sem nenhum contato, depois voltei a ter contato novamente com pouca frequência. Ele parece ser uma pessoa muito reservada que não é muito de conversa. Mas, com razão, por ser um assessor de confiança do presidente”.
Ao responder às perguntas do
Estadão, Rossi admitiu que, diante do sucesso de seu canal, vislumbra ampliar sua equipe em Brasília. “Como estou iniciando minha empresa jornalística, tenho no momento dois ‘jornalistas’ e estou contratando um terceiro. Tenho a matriz aberta em São Bernardo do Campo (SP) e a filial em Brasília, onde ali é uma sala que pode ser utilizada para reunião e uma pessoa que atende telefonemas para recados."
Desde a última sexta-feira, 27, o
Estadão tem pedido uma manifestação da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom). A reportagem enviou à Secom três e-mails desde então, mas não havia obtido uma resposta do governo federal até a publicação desta reportagem.
O
Estadão indagou a Secom se os os assessores Tercio Arnaud Tomaz, José Matheus Sales Gomes, Mauro Cesar Barbosa Cid e Mateus Diniz gostariam de se manifestar, já que são citados tanto no inquérito do STF quanto na reportagem. A Secom também foi indagada se Tercio gostaria de se pronunciar sobre a sua relação com os canais investigados.
Três perguntas para Anderson Rossi, dono do canal bolsonarista Foco do Brasil
Como foi o acesso ao satélite que lhe garantiu acesso a imagens do presidente da República?
Verifiquei que o
(Portal) G1 transmitia, ao vivo, algumas cerimônias e solenidades do presidente com o logotipo da TV Brasil. Liguei na TV Brasil para perguntar como eles têm o acesso, e me passaram, na época, para o Bill, que me explicou que o acesso era público. Era só apontar a parabólica e colocar a frequência. Então comprei uma parabólica e coloquei na frequência informada. (...) Me informou também que a TV Brasil disponibiliza e, se a imprensa ou qualquer pessoa quiser, retransmitir ou publicar qualquer conteúdo. Basta manter o logotipo da TV Brasil.
E o acesso às senhas da TV Brasil?
Houve um vídeo que passou, na TV Globo, de uma entrevista coletiva do presidente Jair Bolsonaro nos Estados Unidos, com o logotipo da TV Brasil. Eu procurei e não achei em outros locais. Liguei para a TV Brasil, onde me passaram para Daniel, que era coordenador ali. Eu me apresentei e expliquei o caso. Daniel então me informou que são arquivos que são disponibilizados para acesso à imprensa. Como temos credenciamento, ele me informou o acesso da imprensa em geral. Há uns meses não tem mais esse acesso. Apareceu a informação que, a partir daquela data, os vídeos se tornariam públicos, não só para a imprensa.
O senhor já financiou, com dinheiro próprio ou de terceiros, caravanas de apoio ao presidente Jair Bolsonaro?
Nunca financiei, com dinheiro próprio ou de terceiros, nenhuma caravana de apoio ao presidente. Inclusive nunca financiei nada, na verdade, e nunca recebi nenhum financiamento, também. Meus custos são com a equipe de jornalistas e cinegrafistas, equipamentos, e imposto todo mês. Eu forneci, tranquilamente, acesso à PF da minha conta física e jurídica. Tranquilamente isso será provado.
BRASÍLIA - Mesmo com o avanço das investigações no
Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a engrenagem de ataques a instituições democráticas, os blogueiros que difundem o discurso do
“gabinete do ódio” continuam arregimentando seguidores.
A fidelização do público desses canais na mira da
Polícia Federal aumentou justamente no período de maior tensão política no País, com as
manifestações pró-intervenção militar e contra o STF e o
Congresso no primeiro semestre. Os blogueiros atuam em consonância com auxiliares diretos do presidente Jair Bolsonaro e contam, até mesmo, com um “leva e traz“ para atender suas demandas.
Levantamento do
Estadão identificou que onze
canais no YouTube sob investigação, por suspeita de propagar
atos antidemocráticos com o objetivo de auferir lucros, cresceram 27% no número de inscritos, de 6,7 milhões para 8,5 milhões, entre 1º de março e 30 de junho. Foi nesse período que se concentraram as manifestações contra o Supremo e a favor de uma intervenção militar — parte delas com a presença e o discurso belicoso de Bolsonaro.
Nessa época, pipocaram nas redes sociais muitos vídeos com títulos apelativos. Nessa lista estavam
“Bolsonaro rebate conspiradores”,
“Bolsonaro dá ultimato para sabotadores e intromissões”,
“Bolsonaro invade STF”, “A Força de Bolsonaro é maior que Congresso e STF”, “Bolsonaro e Forças Armadas fechados em um acordo para o Brasil” e “STF decidiu eliminar Bolsonaro”, como registrou a
Procuradoria-Geral da República (PGR).
“Com o objetivo de lucrar, estes canais, que alcançam um universo de milhões de pessoas, potencializam ao máximo a retórica da distinção amigo-inimigo, dando impulso, assim, a insurgências que acabam efetivamente se materializando na vida real, e alimentando novamente toda a cadeia de mensagens e obtenção de recursos financeiros”, disse o vice-procurador-geral da República,
Humberto Jacques, em manifestação ao STF.
Depois que os atos antidemocráticos arrefeceram, os canais cresceram apenas 6%, de julho até o fim de novembro. O período coincide com um tom mais cauteloso por parte do presidente. Apesar da diminuição dos episódios de ataques a instituições, os canais que orbitam em torno da figura de Bolsonaro se “institucionalizam” como uma rede de veículos de mídia que o exaltam.
Coronel Cid: 'leva e traz' de Allan dos Santos e Bolsonaro
O inquérito sigiloso de mais de 1,1 mil páginas revela os elos e a convivência harmoniosa da
Secretaria de Comunicação da Presidência com os
youtubers do “gabinete do ódio”. Trabalhando junto ao gabinete de Bolsonaro, o assessor especial
Tércio Arnaud Tomaz e o
Coronel Mauro Cesar Barbosa Cid, ajudante de ordens do presidente, são os interlocutores do blogueiro bolsonarista
Allan dos Santos dentro do
Palácio do Planalto.
Cid admitiu que, como “mensageiro” de Bolsonaro, leva e traz recados de Allan para o presidente. Dono do
Canal Terça Livre, Allan atua como uma espécie de representante das demandas dos demais canais. Para aumentar a audiência e a monetização das franquias, os empresários do YouTube reivindicavam maior acesso aos “bastidores do poder” e ao próprio presidente.
Em um grupo de Whatsapp criado por Allan, Tércio e Coronel Cid, além de políticos bolsonaristas, combinavam reuniões na casa do blogueiro, em área nobre de Brasília, para tratar dos temas de seus interesses.
As
franquias do “gabinete do ódio” contam com acesso livre em áreas da Presidência que são restritas à imprensa tradicional. De lá podem gravar vídeos exclusivos e de grande apelo ao eleitor bolsonarista. Um vídeo do
Foco do Brasil, transmitido de dentro do Palácio da Alvorada, com Bolsonaro falando da possível
prorrogação do auxílio emergencial, somou 253 mil visualizações nos últimos dias. O acesso ao local é restrito a apoiadores.
Os youtubers militantes carregam credenciais de imprensa, mesmo admitindo, em depoimentos, que atuam com o objetivo de promover a imagem do presidente. Bolsonaro também aparece em fotos informais ao lado dos donos desses canais, que ostentam proximidade com ele nas vinhetas dos programas e, dessa forma, conseguem arregimentar mais seguidores, visualizações e, consequentemente, maior monetização.
“Gengis House”: o grupo de WhatsApp de Allan dos Santos
Nos depoimentos, parlamentares bolsonaristas admitiram participação em reuniões na casa de Allan dos Santos e no grupo de WhatsApp chamado “
Gengis House”, criado pelo blogueiro para organizar esses encontros. Paulo Eduardo Martins (PSC), por exemplo, disse que o espaço servia para abordar “temas políticos, de comunicação, além de acontecimentos e assuntos de interesses gerais que tinham repercussão”.
Responsável pela “execução da agenda oficial e privada do Presidente da República, bem como pelo atendimento de suas necessidades diretas e imediatas”, o ajudante de ordens Cid, por sua vez, disse em depoimento à PF que, na sua função, é comum intermediar contato de terceiros com o Presidente da República, já que as pessoas reconhecem sua função como sendo a “de um mensageiro”.
Para o ajudante, trata-se de uma via de “
mão dupla”, ou seja, ele também repassa mensagens a outras pessoas a mando de Bolsonaro.
À PF, no entanto, Cid afirmou que não produz qualquer relatório desses contatos, diante da “dinâmica da sua função” e “da grande quantidade de demanda de mensagens, não é viável a confecção de relatório ou documento similar”. Dessa forma, os investigadores não teriam como saber detalhes das conversas e contatos intermediados pelo mensageiro.
A troca de mensagens entre o coronel e o blogueiro é frequente, segundo a interceptação da PF. No dia 6 de maio, por exemplo, Allan cita decisões do STF que intimam ministros militares a depor (sobre a acusação de interferência de Bolsonaro na PF) e afirma: “Não dá mais...”. Cid respondeu: “Ta difícil”. À PF, o mensageiro justificou que foi uma manifestação pessoal sobre a forma como os generais foram intimados, pois, segundo ele, o fato causou um desconforto no meio militar.
O
inquérito dos atos antidemocráticos foi aberto em
21 de abril deste ano por decisão do ministro
Alexandre de Moraes, do
Supremo Tribunal Federal (STF), a pedido da
Procuradoria-Geral da República (PGR). A investigação mira a organização e o financiamento de atos antidemocráticos por todo o País.
A decisão de Moraes foi tomada após o presidente
Jair Bolsonaro participar de protesto em Brasília, marcado por faixas e palavras de ordem contra o Congresso e
a favor de uma intervenção militar. Ao determinar a abertura do inquérito, Moraes concluiu que o episódio é “gravíssimo”, pois atenta contra o Estado Democrático de Direito brasileiro e suas instituições republicanas.
Qual o atual estágio das investigações do inquérito dos atos antidemocráticos?
Segundo fontes que acompanham o caso, a maior parte das atividades de investigação já foi concluída.
Não há previsão de quando o relatório do inquérito será finalizado pela PF.
O presidente Jair Bolsonaro é investigado neste inquérito?
Não. Ao pedir ao Supremo a abertura de investigação, o procurador-geral da República,
Augusto Aras, disse que os atos antidemocráticos foram cometidos “por vários cidadãos, inclusive deputados federais”, mas não mencionou a participação de Bolsonaro. O envolvimento de parlamentares foi utilizado por Aras para justificar que a investigação, que corre sob sigilo, seja mantida no
STF.
O que Bolsonaro disse, em 19 de abril, ao participar de ato antidemocrático na frente do quartel general do Exército, em Brasília?
Bolsonaro elevou o tom do confronto com o Congresso e o Supremo Tribunal Federal e,
diante do Quartel- General do Exército, pregou o fim da “patifaria” em uma manifestação que pedia intervenção militar no País.
Com microfone em punho, Bolsonaro subiu na caçamba de uma caminhonete e fez um discurso inflamado para seguidores que exibiam faixas com inscrições favoráveis a um
novo AI-5, o mais duro ato da ditadura (1964 a 1985), e gritavam palavras de ordem contra o STF e o presidente da Câmara,
Rodrigo Maia (DEM-RJ).
“Nós não queremos negociar nada. Queremos é ação pelo Brasil”, disse Bolsonaro, aplaudido por centenas de manifestantes. “Chega da velha política! (...) Acabou a época da patifaria. Agora é o povo no poder. Vocês têm a obrigação de lutar pelo País de vocês”.
Por quais crimes os nomes no inquérito dos atos antidemocráticos podem ser condenados?
Os proprietários de canais que orbitam em volta do Planalto, deputados bolsonaristas e empresários podem vir a ser denunciados por
crimes previstos na
Lei de Segurança Nacional (LSN), como fazer propaganda de “processos violentos ou ilegais para alteração da ordem política ou social” ou incitar “à subversão da ordem política ou social” e “à animosidade entre as Forças Armadas ou entre estas e as classes sociais ou as instituições”.
Por que o ministro Alexandre de Moraes é o relator dos três inquéritos que atormentam o Planalto: o dos atos antidemocráticos, o das fake news e o que investiga a interferência indevida de Bolsonaro na PF?
É uma coincidência. Aberto a pedido da PGR, o inquérito dos atos antidemocráticos foi distribuído a Alexandre de Moraes por sorteio eletrônico. Nas palavras de um integrante da Corte, foi a “mão de Deus”.
O mesmo ocorreu com o inquérito que apura a
interferência de Bolsonaro na Polícia Federal – o caso foi redistribuído a Moraes após a aposentadoria de
Celso de Mello, que deixou o tribunal em outubro.
Já o
inquérito das fake news, é um caso à parte: foi autorizado (antes dos outros dois casos) por determinação do então presidente do STF, Dias Toffoli, que escolheu a dedo Alexandre de Moraes para conduzir o caso. Esses três processos são os que mais atormentam o Palácio do Planalto, por fechar o cerco sobre aliados do presidente, o
gabinete do ódio e a militância digital bolsonarista.