A matemágica começa a ruir
Ao divulgar estimativas equivocadas e lançar mão de estratagemas ao estilo da nova matriz econômica, o governo não engana ninguém e põe em risco o crescimento da economia
Reza a lenda que um criminoso de nome Procrusto teria uma cama em medidas perfeitas. Aos viajantes que passavam pela floresta em que habitava, ele oferecia o móvel irretocável para descanso.
Durante a noite, no entanto, o criminoso decepava cabeças e pés que, porventura, ultrapassassem as medidas exatas ou esticava os membros do convidado para manter a perfeição da cama. É assim que o governo Lula tem tratado as contas públicas do país. Uma forçosa adaptação da realidade (o convidado) ao plano de governo (a cama).
Não é de agora que a
Crusoé alerta sobre a ficção que a equipe econômica tenta impor sobre a sociedade.
A matemágica de Fernando Haddad, no entanto, começou a ruir mais cedo que o imaginado.
Recentemente, uma nota técnica do TCU (Tribunal de Contas da União) alertava para receitas superestimadas e despesas subestimadas no Orçamento.
A economista-chefe do Banco Inter, Rafaela Vitória, concorda com o levantamento, mas em vez dos 12,5 bilhões de erro apontados pelo tribunal, estima que os gastos com a Previdência devem ficar 20 bilhões de reais acima do previsto no Orçamento da União.
“Isso sem contar, com os benefícios de prestação continuada, o chamado BPC, que deve crescer mais uns 5 bilhões de reais”, diz.
Mas esse é só o problema mais aparente.
Como do lado das receitas ninguém sabe exatamente o que virá, isso vai levar a uma de três opções. Ou o governo não vai cumprir a meta fiscal de déficit zero; ou terá de mudar a meta; ou terá de alterar a realidade como o PT já fez no passado, com as pedaladas fiscais.
O economista e ex-diretor do Banco Central Alexandre Schwartsmann lembra que uma alteração da meta fiscal está longe de ser inédita. Em 2015, por exemplo, Dilma Rousseff conseguiu aprovar uma mudança em dezembro, ou seja, menos de um mês antes de acabar o prazo para a medição dos resultados.
A meta passou de um superavit de 55 bilhões de reais para um déficit de 119,9 bilhões reais.
“A gente mudou o teto de gastos, que precisava de quórum qualificado. Esse negócio, a meta fiscal, não vale o papel em que está escrito”, adiciona Schwartsmann.
Em 2023, primeiro ano do governo Lula 3, Haddad apresentou pelo menos duas metas de déficit diferentes e vai encerrar o período muito acima de ambas. No primeiro semestre, o matemágico previu cerca de 50 bilhões de reais de déficit. No segundo semestre, dobrou a meta negativa para 100 bilhões de reais. Agora, se sabe que o déficit das contas públicas deve ficar perto de 230 bilhões de reais.
E os perigos não param por aí.
Há outras bombas-relógio preparadas pelo governo Lula. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, BNDES, está sendo reconduzido ao papel de megafinanciador com juros subsidiados, inclusive para obras no exterior. A recém-anunciada Nova Política Industrial trabalha com a velha lógica dos créditos camaradas.
O presidente do BNDES Aloízio Mercadante apresentou a ilusão durante a reunião mais recente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial, CNDI.
“O BNDES quer emitir títulos para financiar a indústria. Isso não vai afetar a dívida pública”, afirmou o petista.
De fato, a dívida contraída pelo banco de fomento não será computada na dívida pública. Em vez de receber aportes dos cofres da União (que permanecem, no entanto, como garantidores últimos de todo o negócio), o BNDES vai competir com o Tesouro Nacional na captação de recursos no mercado. Por que isso não é tão bom quanto parece?
Há muito o mercado utiliza a métrica de dívida bruta sobre o Produto Interno Bruto, PIB, para inferir o quanto cobrar para emprestar dinheiro para o governo em prazos mais longos. Logo, fazer de conta que uma parte da dívida não existe dá uma falsa impressão sobre a solvência do país.
É a pedalada 2.0.
O indicador de que o mercado pode estar atento a essa encenação são os juros reais, ou seja, os juros cobrados além da inflação. Atualmente, os títulos com essa característica (os famosos IPCA+ no site do Tesouro Direto) estão com taxas acima de 5% ao ano. Basta lembrar que, em 2019, essas taxas pairavam próximas a 3% ao ano, para notar que algo não cheira bem.
“O mercado ‘esquece’, tem a memória da Dory, mas cobra caro para esquecer”, explica Alexandre Schwartsmann.
“Isso afeta todo o custo de crédito da economia e, por consequência, o nosso crescimento”, diz Rafaela Vitória.
Conforme o governo perde credibilidade com estimativas nitidamente equivocadas e estratagemas ao estilo da nova matriz econômica, essas taxas de juros tendem a ficar maiores.
A sociedade não percebe imediatamente, mas as bombas estouram mais tarde. A crise de 2015/16 começou a ser plantada em 2008, da mesma forma. Um personagem do romance
O Sol Também se Levanta, de Ernest Hemingway, explica assim como faliu:
“De duas formas, gradualmente e, então, de repente”.
As armadilhas e truques em desenvolvimento pelo governo são embalados à perfeição. Veremos se, mais uma vez, o país aceitará o convite de Procrusto.
Ao divulgar estimativas equivocadas e lançar mão de estratagemas ao estilo da nova matriz econômica, o governo não engana ninguém e põe em risco o crescimento da economia
crusoe.com.br