Pra quem não sabe as circunstâncias desse caso, vou tentar explicar.
O que vou falar aqui não se baseia no documentário da BP, pois não o pude ver ainda, mas no que pesquisei sobre o caso, por exemplo, lendo a sentença ( lembro que fiquei curioso porque estava aquela comoção de " estupro culposo" e etc).
Pois bem, essa foi uma acusação de um suposto estupro de vulnerável feita por uma influencer. Estupro de vulnerável acontece quando ocorre ato de sexo com alguém que é incapaz de dar consentimento ( não necessariamente precisa ser penetração, pode ser um boquete por exemplo, como no caso do anestesista agora).
Essa incapacidade de consentir seria ou porque a pessoa estaria inconsciente, ou porque completamente dopada- a ponto de eventual consentimento não ter valor( por exemplo, se sob efeito de alucinógeno, ou hipnose); ou mesmo para as pessoas com menos de 14 anos, quando a impossibilidade de consentir é presumida.
Ocorre que essa circunstância de a vítima não ser capaz de consentir precisa estar dentro da previsibilidade da pessoa que estaria comentando o crime. Ou seja: ela precisa saber que a pessoa com que vai transar é menor de 14 anos;ou que está completamente chapada a ponto de estar delirando; ou que está hipnotizada; ou mesmo inconsciente. Acaso as circunstâncias não apontem isso claramente, como em hipóteses, por exemplo: se a pessoa tivesse corpo de mulher com 14 anos ou mais e tivesse dito ter mais; ou se a pessoa não aparentasse para ele incapaz de dar consentimento; ou aparentemente a pessoa estivesse consciente; ainda que houvesse de forma concreta uma dessas situações ( transa com menor de 14, com pessoa hipnotizada ou delirando), você não poderia condenar a pessoa acusada, pois estaria presente o chamado " erro de tipo".
Então, se uma mina vem numa balada e me dá uma condição, e ela está ali conversando comigo, reagindo de forma que me parece minimamente consciente, ainda que ela na realidade esteja hipnotizada ou drogada a ponto de nem saber onde está, eu não estarei cometendo crime algum, se nós transarmos, porque a representação do comportamento dela não sugeria essa ausência de consciência.
Pois bem, a acusação no caso dela, que ela levou à polícia e depois foi alvo de denúncia pelo MP, é que ela teria sido chapada por alguma substância, e teria tido atos sexuais ou libidinosos, sem qualquer consciência ( ou seja, teria ocorrido um estupro de vulnerável).
Circunstâncias do fato ( conforme foi denunciado): alguém teria colocado uma substância no copo dela, e ela teria em determinado momento sido levada por um cara , subindo uma escadinha até um banheiro numa balada, onde teria acontecido o fato.
Dai começou a apuração, que é a produção das provas.
Em primeiro lugar, havia uma câmera filmando exatamente naquele ponto que subia a escadinha. O que a câmera demonstrou: ela subindo, com o cara do lado e sem a ajudar, de salto, sem nem segurar no corrimão; 15 minutos depois, ele descendo primeiro, logo depois ela descendo, sozinha, sem tropeçar, sem se desequilibrar, de salto ainda, sem qualquer sinal de algum fato influenciando na coordenação motora.
Depois, apurou-se que ela, que teria sido estuprada, teria saído dessa balada, caminhado, de salto, em ruas de paralelepípedo, até uma outra balada, que ficava a uns 500 metros de distância da primeira balada, aonde foi atrás dos amigos.
Das mais de 10 testemunhas que depuseram em juízo, a maior parte as amigas dela ou conhecidas dela, e pessoas que tiveram contato com ela, nenhuma delas referiu que ela parecia ter qualquer comprometimento na consciência, por exemplo, que parecia estar drogada, muito bêbada ou perturbada; tampouco qualquer delas referiu que alguém teria oferecido um copo para ela, droga, ou qualquer coisa do gênero.
Para além disso, sobreveio exame toxicológico feito com ela, em um momento em que ainda teria sido possível buscar em seu sangue resquícios de substâncias tóxicas, exame pesquisando a possível existência de mais de 200 substâncias, das mais corriqueiramente ministradas que podem levar alguém a perder a consciência, como álcool, maconha, lsd, etc: NENHUMA apareceu no sangue dela, nem mesmo álcool.
No depoimento do acusado, ele admitiu que teve a relação com ela; mas disse que a todo momento ela aparentava consciência; ele disse que ela o chamou ali para cima e ele foi, mas inclusive não conseguiu sentir muito tesao, porque ele botou o dedo, e ela estava com cheiro de bacalhau ali nas partes íntimas.
Enfim, nesse contexto, o próprio Ministério Público, que é o agente detentor da titularidade de processar alguém por um crime ( na maior parte das vezes), exercendo uma espécie de papel como se fosse um representante da sociedade, em busca de responsabilizar alguém que tenha cometido um crime, o próprio MP requereu ao juiz que julgasse pela absolvição. Para o Ministério Público chegar a esse ponto, ele, que esta no papel de acusador, geralmente é preciso que haja muito, muito pouco elemento sequer sugerindo remotamente a existência de um crime, pois é como se eles tivessem admitindo que erraram, por terem oferecido a denúncia ( eles imaginavam que existia indícios do crime, mas se convenceram de que não houve crime, depois da apuração).
A juíza ( ou juiz, não lembro), diante de tudo isso, absolveu o cara, com o fundamento de que, na dúvida, deveria prevalecer a absolvição ( in dubio pro reu). A juíza sustentou que, ainda que pudesse estar presente alguma circunstância impossibilitadora de consentimento ( o que nao foi provado igual, já que não havia substâncias no sangue da suposta vítima, nem qualquer respaldo testemunhal a respeito), seria o caso de erro de tipo, porque a circunstância de ela ter capacidade de consentir foi a que pareceu se apresentar para o acusado, quando do fato. A juíza sustentou que não poderia haver o estupro culposo, já que a lei não que haja estupro apenas por culpa ( negligencia ou imprudência ou imperícia), exigindo a forma dolosa ( a consciência de estar cometendo o crime, e vontade deliberada nesse sentido).
Daí como foi que esse caso chegou a público, gerando toda a repercussão? Foi noticiado que uma mulher teria sido estuprada, humilhada, e etc por um riquinho,fato que teria sido acobertado por uma casa noturna frequentada por riquinhos, e e que essa vítima teria sido desamparada pelos envolvidos no processo de suposto estupro contra seu algoz, inclusive com o Ministério Público ficando contra ela, e que a juíza teria protegido o riquinho sustentando que teria havido um estupro culposo. Soltaram até uma parte específica da audiência, na qual a terrível vítima teria sido humilhada ( o que aconfeceu: foi tratada de forma ríspida pelo advogado da defesa, quando, ao ser ouvida, ela começou a se enrolar) .
Somado aa tudo isso, a imprensa reproduziu com a corriqueira narrativa da " sociedade misógina e opressão às mulheres", invariavelmente cumulado isso à forma como noticiaram o fato, que eu descrevi no parágrafo anterior, e levantando alguns dados de violência contra a mulher ( omitindo a circunstância de a violência contra homens ser sempre maior em todos os crimes que noticiam contra mulheres; afinal, a intenção não é demonstrar que os crimes contra as mulheres podem decorrer de uma sociedade que violenta as pessoas, independente de sexo; mas de uma sociedade contra mulheres).
Depois, passaram a ser levantadas publicamente outras circunstâncias, como que a senhora Mariana teria imaginado que esse cara com que transou seria filho de uma figura de alta patente e cheia da grana; além de a moça ter processado a boate no âmbito civil, atrás de tirar uns trocos deles.
Bem, vcs vejam, esses dias mesmo toquei fortuitamente sobre esse assunto com a esposa de um grande amigo meu, e a postura dela era assim " Absurdo oque aconteceu com Mariana Ferrer", eu perguntei por que, " ao sei exatamente, só sei que foi um absurdo", eu esclareci tudo isso, e ela falou o seguinte " Bah, eu nem sabia exatamente o que tinha acontecido, vou ler melhor sobre o caso".
Obs: esses dias foi aprovada uma lei, levando o nome dessa vítima/ não vítima " Lei Mari Ferrer". Busca " evitar que mulheres sofram constrangimento em audiência ". Risos.