Se eu fosse psicólogo eu talvez quisesse pesquisar a tendência humana de repetir algumas afirmações como se verdades absolutas fossem, de forma seletiva
Eu tava me perguntando aqui sobre a ultimamente tão repetida afirmação de que a arte sempre foi para questionar e instigar, que a arte é em sua essência transgressão e tal. será? tipo, não sei muito de história da arte, entao talvez alguem com mais fontes possa demonstrar o por quê desta afirmação, mas quando eu parei para pensar a respeito me pareceu q esta definição é puramente moderna e arbitrária
quero dizer, podemos voltar alguns milhares de anos até as pinturas rupestres, que podemos considerar formas primitivas de arte, e se os primeiros humanos tiveram uma palavra para "arte" me parece coerente acreditar que para eles a arte deveria retratar algo que ocorreu ou que foi visto. a arte para questionar dogmas e paradigmas nao parece me fazer sentido nesse contexto
mas ok, isso é mto primitivo. vamos avançar bastante, para as primeiras grandes civilizações. do que sei dessa arte me parece que seu intuito era contar e retratar historias, tanto reais quanto mitológicas, ou ser feita em homenagem a alguem, ou simplesmente para ser bonito e bem feito. voce via pinturas e esculturas para os deuses e para grandes herois, poemas idem, mas tambem via poemas, ceramicas e obras de ourives cujo intuito era ser bonito. as ideias referentes a política, ideologia e moralidade me pareciam mais confinadas aos textos filosóficos
entao voce pode avançar mais um bocado, pular varias etapas centradas em arte sacra e chegar na renascença, iluminismo e etc. havia um contexto de mudança de paradigma e de maior foco no homem e menor na religiao. talvez seja possível dizer que a arte entao serviu seu proposito de questionar a sociedade ao colocar em xeque a predominancia do religioso? talvez, mas será? será que quando os artistas deixaram de pintar santos e cenas bíblicas para pintar paisagens e retratos de nobres e burgueses ricos eles estavam sendo transgressores, ou simplesmente seguindo as preferências da sociedade? havia um tabu a ser rompido quanto a isso? ou será que simplesmente começou a haver mais pessoas dispostas e capacitadas e pagar por arte, de forma que a Igreja deixou de ser a patrocinadora predominante? além disso, nao me parece haver questionamento ou crítica alguma à religiosidade e à sociedade, nenhuma intenção de chocar ou insultar os conservadores de então. e se havia, a crítica nao era a arte em si, apenas mais um elemento dela. deve ser claro a todos a diferença enorme entre voce fazer uma escultura belíssima e de grande qualidade que tenha como objetivo o questionamento social, e uma pedra com as palavras "f**a-se a Igreja" entalhadas.
nao duvido que de fato tenham existido obras e artistas que era fortemente críticos a monarquias e às instituições vigentes, mas tambem nao duvido que sua arte precisava ter técnica e qualidade para ser apreciada.
assim, esse negocio de escrever "cu" numa hóstia e isso ser considerado arte me parece algo puramente moderno e sem precedentes. o que nao é argumento para invalidar o conceito, claro: tempo nao eh criterio. a questao é justamente questionar o argumento dado de q arte é transgressora e para romper paradigmas sociais e tem sempre sido assim. nao tem. isso é um conceito moderno e voce nao pode dizer que arte se equivale a essas coisas e que sempre foi assim, pq nao foi.
as pessoas gostam entao de citar picasso, pintores surrealistas, jackson pollock e cia como exemplos de que a arte sempre foi transgressora. bem, primeiro q relativamente falando esses pintores e esses movimentos sao bastante recentes. segundo que eles transgrediram no âmbito da técnica e do estilo, nao no conceito de arte ou nos questionamento sociais. "ah, mas guernica é uma crítica à guerra civil espanhola". oras, claro, mas retomo o que disse anteriormente: a arte foi usada para criticar alguma coisa, não foi a crítica a alguma coisa que foi usada como arte. me parece ser uma diferença óbvia e importante.
as pessoas tambem tentam mostrar que o fato de a arte ter mudado tanto ao longo dos séculos demonstra seu caráter transgressor e rompedor de paradigmas. isso me parece misturar a ideia de transgressão com aprimoramento. voce inventar novos métodos para pintar e escrever e utilizar diferentes estilos com o intuito de criar algo bonito e inspirador que possa, eventualmente, questionar algum aspecto da sociedade, é muito diferente de questionar algum aspecto da sociedade do modo mais bizarro que for possível imaginar e tentar considerar isso como sendo arte.