Pelos posts do tópico todo vejo que vocês talvez não tenham entendido a situação. Acho que vale uma explicação mais detalhada.
A primeira coisa é entender é onde atuam os cubanos do programa. Não estamos falando de hospitais. O programa trouxe gente de fora pra atuar exclusivamente na atenção primária, mais especificamente na Medicina de Família. É o "médico do postinho", que tem como principal objetivo prevenir doenças e complicações e regular o sistema de saúde. É essa a função de 100% dos cubanos do programa, ele foi criado pra isso, eles só podem atuar ali.
É um trabalho muito importante e difícil de fazer corretamente... mas talvez seja a área da medicina onde é mais fácil enganar. É muito simples usar um jaleco branco, fazer um teatrinho pros pacientes, escrever o nome de uns remédios na receita, pedir alguns exames, encaminhar pra especialista se tiver cara de ser grave e sair de lá como se soubesse o que estava fazendo. As consequências desse trabalho ser mal feito (ou simplesmente inventado por um leigo que não tem a menor idéia do que estava fazendo) só seriam sentidas se analisassem a população como um todo e muitas vezes só depois de muitos anos. É muito fácil simplesmente fingir que se sabe o que está fazendo.
Explico:
Imaginem um postinho de saúde com um cubano completamente leigo, de jaleco branco, enganando o tratamento de pessoas. Imaginem que ele não tenha a menor idéia do que está fazendo com as maiores demandas dos pacientes da atenção primária: faz tudo errado ao tratar doenças comuns como hipertensão, diabetes, doença renal crônica, prescreve remédios completamente errados, pede exames completamente desnecessários, deixa de pedir exames necessários, deixa de fazer diagnósticos precoces, inventa diagnósticos completamente errados, encaminha casos sem indicação aos especialistas... faz tudo que um leigo completo faria se dessem a ele um jaleco e talvez aí uma semana pra ensaiar. Faz o que você, leigo, faria se tivesse que fingir ser médico por um dia.
O que vocês acham que a população perceberia? Absolutamente nada.
Já tentei explicar aqui e sei que pode ser uma coisa difícil de entender, mas é muito difícil, quase impossível, pro paciente leigo perceber a qualidade do atendimento médico. Isso vale pra todas as áreas, mas é ainda mais difícil na saúde da família.
Vamos pensar nas consequências de cada um desses atos.
Todos os pacientes mal tratados para doenças comuns e silenciosas como hipertensão e diabetes não vão sentir nada de diferente. Terão um risco aumentado de complicações. Como se sente um risco aumentado? Não se sente. Na prática aquela população pode acabar tendo, dez, quinze anos mais tarde, um número maior de infartos, de AVCs, de pernas amputadas, de mortes por câncer, de gente largando o trabalho e ficando dependente pro resto da vida. Só que ali, na hora, ninguém vai sentir nada de diferente. E dez anos depois? Ninguém vai perceber do mesmo jeito. Ninguém olha pro lado um belo dia e pensa "minha população teve 15% mais AVCs do que o esperado nos últimos anos, algo está errado!"
Se o cubano atender sorrindo e o paciente sair dali com um risco maior de morrer dali a 10 anos, o paciente vai dizer que foi bem atendido.
O mesmo vale pra medicamentos. O que se sente quando se deixa de tomar um medicamento que vai reduzir em 10% o seu risco de ter um AVC nos próximos dez anos? Nada. O que se sente se o médico deixar de prescrever? Nada. O que se sente se ele prescrever sem motivo (aumentando o gasto do sistema e do paciente, possivelmente aumentando o risco de outros problemas de saúde pro paciente)? Nada. Cada pessoa atendida que sai do postinho com riscos maiores por ter uma receita errada não sente absolutamente nada de diferente. Dez anos depois aquela população vai ter tido mais infartos, mais AVCs, mais gente dependente, cega, amputada, com câncer, mais gente morta... mas ninguém nunca vai saber que foi porque o cubano gente boa do posto só sabe sorrir e não sabe o que está fazendo.
E exames? E encaminhamentos pra especialistas? É a mesma coisa, ninguém sente nada. O médico de família atua como regulador do nosso sistema de saúde. Se os cubanos pedem exames completamente desnecessários ou encaminham pacientes de maneira desnecessária sobrecarregam o sistema de saúde. Tenham certeza absoluta que uma parte GIGANTESCA do dinheiro do SUS é muito mal gasta (por cubanos ou não), praticamente dinheiro jogado pelo ralo. Se o desperdício de dinheiro fosse zero teríamos dinheiro pra ter a melhor saúde do mundo com folga (sim, esse é o tamanho do desperdício). E quem regula o dinheiro gasto em saúde no Brasil hoje são, em parte, os cubanos de jaleco branco. (não vou nem falar de como um exame errado traz riscos porque é um conceito mais difícil de entender)
Mais uma vez: o que sente o paciente quando o cubano leigo pede um monte de exames desnecessários? Absolutamente nada. Muita gente até acha bom, quanto mais exames mais se sente bem atendida. E enquanto isso o sistema de saúde está falido. O que ele sente se foi encaminhado de maneira errada a um especialista? A mesma coisa que sentiria se fosse encaminhado corretamente. Não tem como o paciente saber se foi encaminhado a um cardiologista porque tem uma doença que requer acompanhamento especializado ou se foi porque o cubano do posto não sabe interpretar um eletrocardiograma. O paciente mal encaminhado é só mais um a entrar na fila e atrasar o atendimento de quem teria indicação de verdade de ser visto por um especialista (já ficaram na fila pra ver um especialista? vocês têm noção que a maioria das pessoas na fila talvez nem devesse estar ali?).
E se for o contrário? E se o cubano não pedir ou não realizar um exame que era necessário? E se deixar de encaminhar alguém que deveria ser encaminhado ao especialista? O que o paciente sente? Nada. Uma mulher que deixa de fazer uma mamografia ou um diabético que deixa de fazer um exame de fundo de olho não sentem nada. Se o cubano não souber indicar esses exames e encaminhamentos os pacientes não irão perceber. Sairão do postinho sem saber que seu risco de complicações ou morte aumentou. Se o cubano sorrir e olhar nos olhos deles, dirão que foram bem atendidos.
Entendam que não é "melhor do que nada" pra população ter um cubano leigo fingindo que sabe o que está fazendo. É tão ruim quanto ou pior do que nada.
Em todos esses lugares que vão ficar sem cubanos o que vai acontecer é que a população vai deixar de ser enganada pelos cubanos. Conheci esses caras do Mais Médicos, cubanos ou não, que atuam no país sem Revalida (tem muito brasileiro formado na Bolívia e na Venezuela que aproveitou o programa... depois falo mais sobre isso). É assustador. São leigos. Animadores de festa vestidos de jaleco branco fingindo que são médicos. E ninguém percebe, nem os enfermeiros e agentes de saúde dos postos, nem a população, ninguém. Todo mundo tratando os caras como se fossem médicos e soubessem o que estão fazendo. Lembra aquele filme Prenda-me se For Capaz.
Não é que esses lugares vão passar a ficar sem atendimento médico. Eles já estão sem atendimento médico. A diferença é que agora o SUS vai deixar de pagar animadores de festa fingindo que são médicos e talvez invista em trazer médicos de verdade pro lugar deles.