Nitro FD
Habitué da casa
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Um dos principais argumentos usados pelos liberais é afirmar que monopólios e oligopólios só existem por causa do Estado ou que são favorecidos por estruturas de governo. Os liberais dizem que o agente que realmente impede a “livre concorrência” e a proliferação de negócios é o Estado. Ou seja: sem governo, surgiriam inúmeras empresas dos mais diferentes ramos, todas competindo entre si para oferecer o melhor produto e/ou serviço pelo melhor preço. Seria o paraíso para o consumidor: milhares (ou milhões) de marcas para escolher desde o que você vai comer até aquilo que você vai vestir, assistir, jogar, ouvir, etc. Para eles, o Mercado e o capitalismo são, em si mesmos, marcados pela difusão, diversidade e proliferação de negócios. Mas a realidade é outra e, para além desse discurso, vamos aos fatos.
Em primeiro lugar, é preciso desmentir o discurso de “livre concorrência”. A concorrência não é livre: você só compete de verdade com quem está no seu nível. Entretanto, para o Mercado, uma mega-corporação pode muito bem anular concorrentes não só reais, mas hipotéticos. Por exemplo: uma grande empresa de roupas pode muito bem comprar as ações ou mesmo pagar todo o valor de uma pequena estamparia. Assim, o negócio é ampliado e a própria marca se livra de um provável concorrente. Não importa se o segmento é outro, se a empresa é menor: o que importa é consolidar o mercado. A característica de expansão sem limites e de crescimento “infinito” é própria do liberalismo, do capitalismo. Não é algo “de Estado”, é algo do próprio mercado: se você pode eliminar seus concorrentes ou simplesmente agregá-los, você vai fazer isso. Ponto.
É possível mostrar inúmeros exemplos de monopólios ou oligopólios. Nos Estados Unidos, por exemplo, mais de 90% das empresas de mídia estão concentradas nas mãos de apenas 6 corporações: Walt Disney (DIS), Time Warner (TWX), CBS Corporation (CBS), Viacom (VIAB), NBC Universal e Rupert Murdoch’s News Corporation (NWSA). São mega corporações de mídia que crescem simplesmente comprando, agregando e/ou eliminando outras empresas do ramo. Isso não é “estatismo”, é mercado. Lógica capitalista: ampliar, aumentar lucros, cortar gastos, expandir, eliminar concorrência - indefinidamente. Isso significa uma grande concentração na produção de informações – nada parecido com a diversidade pregada pelos liberais. E, mesmo que a internet tenha dado espaço para canais alternativos, o público que eles atingem ainda é ínfimo comparado ao dessas corporações.
Os sistemas operacionais de smartphones do mundo inteiro são dominados por praticamente duas empresas: Apple (iOS) e Google (Android). Os sistemas operacionais de computadores também se dividem praticamente entre Apple e Microsoft (Windows). São apenas três empresas (Apple, Google e Microsoft) dominando quase que um mercado inteiro. Novamente: isso é mercado, isso é capitalismo. Quem impede outras empresas de crescer no ramo? Essas corporações, é claro. Elas criam gadgets e dispositivos “travados” para aceitar seus próprios produtos, tornando sistemas alternativos incompatíveis (um exemplo é o “boicote” criado contra o sistema gratuito e aberto, Linux – que inclusive tornaria os aparelhos muito mais baratos, além de ser um sistema operacional mais seguro e funcional). Isso sem falar no setor de telecomunicações dos EUA, praticamente dominado por apenas 4 empresas: Verizon, Sprint, AT&T e T-Mobile.
Outro grande exemplo de oligopólio é a gigante Google. Longe de ser um simples buscador online (que sozinho corresponde a 67% das pesquisas na internet), a empresa agrega serviços de e-mail, mapas online, sistemas GPS, arquivamento virtual e telefones móveis. No setor, as únicas concorrentes sérias contra a Google são a Microsoft e a Yahoo, mas ambas detêm “apenas” 18% e 11% da fatia de mercado, respectivamente. A empresa também praticamente controla toda a publicidade online: é o principal serviço para pesquisas, divulgação e promoção de marcas em ambientes virtuais, inclusive fornecendo dados de usuários para as empresas (não é à toa que, ao pesquisar sobre carros, você começa a “coincidentemente” ver anúncios do tipo nos mais variados sites, mesmo que não tenham nada a ver com o tema).
Outro bom exemplo de atividade expansiva similar à de um monopólio é a fabricante de armações de óculos Luxottica. Ela produz, sozinha, cerca de 80% de todas as armações do mundo. A empresa cresceu comprando inúmeras pequenas fabricantes de armações. Só em 2013, a Luxottica lucrou mais de US$9.7 bilhões. Marcas de óculos simples e óculos de luxo como Sears, Target, The Sunglass Hut, Prada e Pearle Vision são produzidas com armações feitas pela Luxottica. Ou seja: uma só origem, cinco “escolhas”. A doce ilusão da concorrência!
A indústria musical também é outro exemplo de como os oligopólios são o caráter do próprio capitalismo: o setor é praticamente dominado por 5 grupos: Universal Music Group, Sony, BMG, Warner e EMI Group. A Netflix é outro exemplo de empresa que está consolidando um verdadeiro oligopólio: praticamente domina o mercado de streaming. A rede já tem mais de 50 milhões de usuários no mundo todo e já começa a praticamente concentrar todo o conteúdo de filmes, séries e demais produções numa só plataforma. É impossível dizer se algum dia a Netflix será um “monopólio”, principalmente pelo próprio caráter da internet, mas é inegável que essa será, em pouco tempo, a principal plataforma de conteúdo audiovisual online - a principal, a mais usada e a mais expansiva. Há análises de que a Netflix planeje até mesmo comprar concorrentes como HBO (em seu serviço de streaming), Hulu, Comcast, Vudu e o próprio iTunes – agregando não só vídeos, mas também conteúdo musical. É provável que a indústria de cinema, praticamente concentrada em torno de sete estúdios (Warner Bros. Entertainment, Walt Disney Studios, NBCUniversal, 21st Century Fox, Sony, Paramount e MGM), passe a disponibilizar seus conteúdos online por meio da Netflix. É quase impossível dimensionar quanto poder e dinheiro estarão concentrados nas mãos de uma única empresa.
A Unilever praticamente domina o mercado de produtos de conveniência. Ela abrange desde indústrias de alimentos até produtos de limpeza e medicamentos. A Unilever cresceu seguindo a mesma fórmula de qualquer oligopólio de sucesso: comprar ou eliminar empresas menores. Só a Unilever é dona de mais de 400 marcas ao redor do mundo (novamente, a ilusão capitalista de “escolha” e “concorrência”), incluindo Dove, Axe, Becel, Knorr, Lipton, Hellman’s, Magnum, Sunsilk, Persil, Omo – e centenas mais. A empresa abrange 190 países e lucrou U$5.26 bilhões só em 2013. A Unilever divide o mercado com outros conglomerados como Pepsico, Kraft, Kellogg’s, P&G e Kraft. A YKK é um gigante da moda. Você provavelmente nunca viu nenhuma roupa com essa marca, mas o grupo produz sozinho cerca de 50% dos zíperes (fechamentos) de todas as peças de roupa de praticamente todas as grifes e marcas do mundo.
O setor de alimentos para animais era praticamente dominado pela empresa Menu Foods, que, depois de escândalos envolvendo a morte de milhares de animais domésticos, foi “fechada” – na verdade, foi adquirida pela Simmons Food Inc. A Simmons quase domina o setor inteiro e é dona de marcas como Strongheart, Fit&Active, Kitty, Healthy by Design e Twin Pet. A Simmons, aliás, usa ingredientes comprados dos mesmos fornecedores que supriam a Menu Foods. Ao que parece, a retórica de que más atividades no negócio geram “boicote” por parte do próprio mercado, “punindo” os maus empreendedores, não funciona tão bem assim.
A famosa Monsanto praticamente domina o mercado agrícola, mas não só ele: o conglomerado também produz medicamentos, talco, pasta de dente, álcool, papéis, tinta, tecidos, graxa de sapato, baterias e porcelanas – e vários outros tipos de produtos. Sozinha, domina mais de 80% da produção de milho só nos EUA (eles alteraram geneticamente as sementes impedindo a reprodução natural das plantas; assim, o agricultor é obrigado a comprar outras sementes a cada safra). A empresa tem tentado empurrar uma legislação permitindo que seus produtos recebam a etiqueta “produto natural” para “não assustar os consumidores”. O ramo de bebidas é quase totalmente dominado pela AB InBev. Provavelmente, você nunca tomou uma cerveja com esse nome, mas o grupo é dono de marcas como Budweiser, Corona, Stella Artois, Leffe, Beck’s, Hoegaarden, Skol (famosa no Brasil) e Michelob Ultra. Aliás, a AB InBev é resultado da fusão entre duas gigantes: Anheuser-Busch e InBev.
Um último exemplo, só pra fechar: a própria rede Facebook. Sozinho, esse monstro online abrange 71% dos usuários online (quase que o mercado inteiro, praticamente um monopólio). Os maiores concorrentes (Twitter, Google+, MySpace e VKontakt) não chegam perto da dimensão do Facebook: sozinho, o grupo tem mais de 900 milhões de visitantes mensais (o Twitter tem 310 milhões e o Google+ tem 120 milhões – 430 milhões no total, menos da metade do Facebook). Anualmente, o lucro aproximado do Facebook é de US$1.5 bilhões. A empresa comprou a Oculus Rift por US$2 bilhões – e também já comprou o WhatsApp, o principal aplicativo de mensagens de aparelhos móveis. Além disso, o grupo já adquiriu também o Instagram: sozinho, o Facebook detém a maior rede social online (Facebook), a maior rede de fotos (Instagram) e o maior aplicativo de mensagens móveis (WhatsApp).
Todos esses oligopólios tendem a gerar monopólios. Pode parecer que há competição entre esses gigantes, mas eles não raramente fazem parcerias entre si, determinam seus próprios nichos e fazem joint ventures (parcerias entre empresas que incluem colaboração ou mesmo fusão para ampliar os ganhos) e até se fundem em um só grupo. É bastante difícil identificar monopólios e oligopólios porque todos esses grupos mantêm a falsa sensação de que há várias empresas competindo no ramo. Eles compram, criam ou tomam centenas de marcas. O capitalismo cria várias faces para um mesmo rosto. Quando você entra num supermercado, shopping ou loja qualquer, as prateleiras cheias de centenas de produtos “diferentes” são, na verdade, mantidas por poucos grupos – e não raramente esses grupos fazem fusões entre si.
O Estado ou a regulação não são pré-requisitos para monopólios e oligopólios. Eles podem ser usados (e realmente são) por essas corporações para seus interesses, mas elas não dependem do Estado que, no máximo, é a ferramenta para esse processo (e nem de longe a ferramenta principal), e não a origem do processo em si. Sem governo, sem regulação e sem legislação nenhuma, o “mercado livre” seria exatamente o que é hoje: gigantes dominando setores inteiros com pequenos “concorrentes” marginais que nem de longe esbarram em seus interesses. A concentração de renda e poder em torno de pequenos grupos (alguns dominados por uma mesma família) é uma característica do próprio mercado e do próprio capitalismo com sua lógica de crescimento indefinido e expansão de lucros a qualquer custo.
Oligopólios e monopólios formados por eles são parte da natureza intrínseca da lógica de mercado. São os filhos bastardos que os liberais não querem aceitar. Falar em “metacapitalismo” é negar dar nomes aos bois. E esse boi tem nome: capitalismo.
Fonte: https://www.facebook.com/AcaoAvante/