Fazendo aqui um longo e insano aparte filosófico que tenta explicar a questão do que um objeto é "em si"...
Em filosofia, esta é a típica tentação kantiana, em que um transcendente "Além" (o que Kant chamou de coisa-em-si) é sempre postulado como o garantidor supremo do "sentido cósmico profundo", por assim dizer. Isto dito, não ocorreu a Kant que a nossa limitação epistemológica (isto é, do nosso finito e sempre parcial conhecimento humano) pode coincidir também com uma condição ontológica (como condição transcendental a priori da existência das coisas).
Noutras palavras, o nosso conhecimento sempre parece esbarrar em inconsistências conceituais e classificatórias não porque a "coisa-em-si" é uma misteriosa perfeição divina para todo o sempre além do espaço-tempo, mas sim porque ela é imperfeita, inconsistente e (constitutivamente) incompleta. Não há realidade "puramente objetiva" para além do filtro da experiência humana. Tudo tem que perpassar antes esta distorção primeva.
E o que a filosofia (de Hegel) faz? Leva, até as suas últimas consequências, a "participação" da consciência (ou "espírito") do sujeito no objeto que ele observa como se este fosse um direto dado objetivo, autossuficiente e independente. Onde vemos isto também? Sim, na física quântica.
As consequências lógicas de ambos os experimentos de dupla fenda são, em sua essência, bastante hegelianas. Há, sim, uma realidade "em-si", mas ela sempre-já se nos aparece como "para-nós", e a verdadeira ilusão está na fantasia de um absoluto "Além" redentor da distorção presente no fenômeno empírico. Fazendo uma analogia tosca (porém ainda efetiva), podemos pensar nisto como a ilusão da máscara feminina.
A típica fantasia inconsciente masculina sobre as mulheres consiste em fantasiar nelas um misterioso e inebriante "Além-da-feminilidade", um "Segredo" que nos seduz, de novo e de novo, com o tal "canto da sereia", mas o verdadeiro "segredo" dos encantos da sereia já se encontra na sua própria máscara, e não naquilo que a nossa imaginação desavisadamente fantasia que ela esconde, os seus "insondáveis mistérios para além da nossa compreensão", etc e etc.
É por conta disso que, para Lacan (assim como para Hegel), a "Essência" de uma coisa nada mais é do que a "aparência como aparência", a "pura aparência", a aparência que, em seu próprio ato de aparecer, gera consigo o espectro daquilo que ela verdadeiramente aparenta ser (como é novamente o caso do eterno charme feminino, que nos enfeitiça com a sua enigmática aparência, mas que é, na verdade, apenas um "blefe" da pura aparência já em seu próprio aparecer-a-si).