O episódio mais emblemático, porém, foi a votação da reforma no
Imposto de Renda, que o presidente da Câmara tenta levar adiante como marca pessoal de sua gestão. No mês passado, deputados aprovaram o texto sem que o parecer final com as mudanças tivesse sido protocolado no sistema da Casa.
Resultado: só descobriram depois que a medida, em vez de aumentar a arrecadação, provoca um rombo de bilhões nas contas da União, Estados e municípios.
No dia da votação, o líder do Cidadania,
Alex Manente (SP), deixou claro que desconhecia o teor do projeto que estava sendo votado. "O Cidadania não conhece os acordos que foram celebrados. Eu estou conhecendo o acordo agora, aqui no plenário. Eu não fui consultado, nem notificado, e a reunião que fiz com minha bancada foi baseada no tema anterior", disse o deputado.
A redação final do projeto era desconhecido mesmo entre aqueles que fizeram parte do acordo que permitiu a aprovação. "Eu queria apenas tornar público aqui que circula um texto, que ainda não foi protocolado, com as mudanças acatadas pelo relator", disse a líder do PSOL, deputada
Talíria Petroni (RJ), no dia da votação.
Situação semelhante ocorreu na semana passada, na votação do projeto que muda a incidência de ICMS sobre combustíveis e estabelece um valor fixo por litro. O parecer do relator foi apresentado na segunda-feira, 11, véspera do feriado de Nossa Senhora Aparecida, e votado na quarta-feira, 13, sem que os deputados tivessem tempo hábil para discutir o assunto. "Como o parecer do projeto foi colocado apenas no dia 11, não pudemos discutir com a bancada", reclamou o deputado
Hildo Rocha (MDB-MA).
Poder acumulado
Como mostrou o
Estadão, Lira acumulou um poder inédito de influência nos rumos da Câmara. Diferentemente de seus antecessores no comando da Casa, o atual presidente controla, por exemplo, o
orçamento secreto para chefiar com mãos de ferro a Casa e turbinar a prática do “toma lá dá cá” a fim de segurar pedidos de impeachment do presidente Jair Bolsonaro. É o que afirmam pessoas próximas do próprio parlamentar alagoano ouvidas pela reportagem.
O esquema do orçamento secreto de distribuição de verbas sem transparência para garantir apoio político ao governo Bolsonaro foi revelado em maio pelo jornal. A prática se tornou possível após a criação das emendas de relator, ou RP9, pelo Congresso Nacional, no fim de 2019.
Lira rebate as acusações de "atropelo" nas votações e diz que os projetos são debatidos com os líderes de cada partido em reuniões semanais. "Nestes encontros, os relatórios são apresentados pelo próprio relator pessoalmente e discutidos com os deputados. O relator também é orientado por esta presidência a correr pelas bancadas, lideranças e partidos, o que vem sendo feito com regularidade. Uma gestão nunca terá apoio unânime e críticas são importantes. Mas creio que nunca tivemos uma relação tão próxima entre relatores e parlamentares", afirmou o o presidente da Câmara ao
Estadão. As conversas semanais, porém, são fechadas e líderes reclamam que, muitas vezes, não são chamados.
"O que a gente tem visto é que o presidente
(Lira) estabelece alguns debates com a base dele dentro da residência oficial
(da presidência da Câmara) e outros com os partidos de oposição", afirmou Ganime. "Partidos como o Novo, que são independentes, acabam ficando alijados dessa discussão com o presidente e o relator. Acaba que a gente não participa da discussão", disse.
Transparência
O diretor-executivo do Transparência Brasil,
Manoel Galdino, aponta que a maneira de Lira conduzir estas votações deixa pouco espaço para o debate. "É um processo bem atropelado, um trator mesmo para aprovar", afirmou.
Galdino também chamou a atenção para o fato de Lira usar manobras regimentais para acelerar as votações, com a preferência do uso de grupos de trabalho em vez de discutir os projetos em comissões."Ele tem aproveitado algumas brechas regimentais para reduzir a transparência e a possibilidade de participação da sociedade civil", disse. "Tem criado grupos de trabalho porque eles não têm regimento específico e aí não existe a possibilidade, por exemplo, de um deputado pedir vista (adiamento da votação), como existe em uma comissão", completou.
Para o diretor da entidade, o fato de Lira restringir as discussões e não dar ampla publicidade para o teor dos textos atrapalha o poder da sociedade de fazer a fiscalização adequada. "Ele cria um grupo de trabalho e apresentam (o texto) na hora que querem, fazem articulação nos bastidores. De uma hora para outra tem um texto ou o texto é modificado por articulação de bastidor e de repente vai para o plenário", disse Galdino.
Um outro exemplo do "atropelo" promovido por Lira é a discussão sobre o projeto que legaliza os jogos de azar. A intenção do presidente da Câmara é votar o texto diretamente em plenário em novembro, logo após o deputado
Felipe Carreras (PSB-PE) apresentar seu relatório em um grupo de trabalho formado no mês passado.
Veja abaixo detalhes dos casos citados:
Lei da Improbidade Administrativa
O projeto afrouxou as punições a políticos. O texto inicialmente tramitava em uma comissão especial, mas foi levado diretamente ao plenário sem que fosse votado pelo colegiado. O relatório final do deputado Carlos Zarattini (PT-SP) só foi conhecido no dia em que a urgência foi aprovada. Foram oito minutos entre a apresentação do parecer e a aprovação da tramitação mais rápida.
Mudanças no CNMP
Proposta de Emenda à Constituição (PEC) amplia a influência do Congresso sobre o CNMP, órgão encarregado de fiscalizar o Ministério Público. Lira tentou votar a PEC na última quinta-feira, 14, mesmo dia em que o deputado Paulo Magalhães (PSD-BA) havia apresentado um novo relatório. O presidente da Câmara só desistiu de tentar analisar a medida depois de perceber que ela ainda não tinha os 308 votos necessários para ser aprovada. O texto não passou por comissão especial e foi levado diretamente a plenário.
Reforma do Imposto de Renda
O relator Celso Sabino (PSL-PA) fez um acordo com a oposição durante a sessão que analisou o projeto. As mudanças no texto impactaram significativamente na proposta e, em vez de provocar um aumento na arrecadação, agora resulta um rombo de R$ 41,1 bilhões nas contas da União, Estados e municípios. Não passou por comissão e teve o texto apresentado diretamente em plenário. Hoje se encontra sobre a análise da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado.
'PEC da Blindagem'
Proposta que amplia a imunidade parlamentar. O deputado Celso Sabino apresentou a PEC no dia 23 de fevereiro e a admissibilidade já foi votada no dia seguinte, mesmo dia que a deputada Margarete Coelho (Progressistas-PI) apresentou o relatório. Lira desistiu de votar por falta de apoio e fortes críticas da sociedade. Não passou por comissão e teve o texto apresentado diretamente em plenário.
Código Eleitoral
Lira tentou votar a iniciativa no dia 2 de setembro. No mesmo dia, a relatora, Margarete Coelho, fez mudanças importantes, como as que retiram as punições para os partidos que não cumprirem cotas de candidatos negros e mulheres. Apesar disso, não houve acordo para a votação naquele dia e a aprovação aconteceu na semana seguinte, no dia 9 de setembro. O Senado não analisou a iniciativa a tempo das mudanças serem aplicadas nas eleições de 2022.
Mudanças no ICMS
Lira pautou diretamente em plenário, sem passar por uma comissão, o texto que muda o modo de cobrança do ICMS nos combustíveis. O relatório sobre o projeto foi apresentado no dia 11 de outubro, véspera de um feriado, e a votação aconteceu na quarta-feira, 13, sem tempo hábil para discussão do texto.