Eu não sei vocês, mas, de uns bons anos para cá, eu tenho sentido um tédio estranho - já não é mais aquele do "estou sem nada para fazer e quero me divertir", mas sim um tédio mais profundo, como se instintivamente eu já soubesse que nenhum entretenimento que seja já pode me dar aquilo que eu desejo. Acho que este foi provavelmente o ônus de vários anos de pirataria desenfreada, o ônus da crise da propriedade intelectual, onde os produtos meio que perderam a sua emergência, o seu senso de urgência, e com isto são danificados a partir de dentro.
Noutras palavras (e sendo um pouco pessimista), me parece que o problema já não reside mais apenas na maneira com que nós consumimos, mas no próprio consumo em si, que se desencantou um pouco fundamentalmente. O fato de que muitos de nós já se contentam, hoje, somente com um Netflix já deveria nos servir de indício o suficiente. O Netflix é uma espécie de agravamento do problema, pois ele nos retira o resto de encantamento que ainda ali havia. Ele adiciona aínda mais comodidade a um já módico preço baixo de acesso.
O resultado, principalmente depois de um certo tempo, é que o próprio afã consumidor progressivamente vai perdendo parte do seu encanto, do seu ingênuo senso de urgência. Por vezes, queremos consumir as coisas mais como uma escapatória da própria falha do consumo em si de nos entreter "como antigamente" do que propriamente porque estamos genuinamente excitados "como antigamente" por aquele produto. E tampouco eu acho que "é só porque já não somos mais crianças".
A instantânea comodidade atual de nós termos tudo aquilo que nós sempre desejamos (contanto que seja uma propriedade intelectual, é claro), quando somada ao crescente narcisismo, "esclarecido" cinismo e auto-suficiência atuais, me parece estar cada vez mais nos conduzindo a um fundamental impasse consumidor, a uma constante erosão do consumismo. Eu argumentaria que algo quase que imperceptível se modificou no consumo com o tempo. Já não é mais bem como era antigamente (nos anos 90 e 2000).