O maior problema de TLoU 2 é justamente a sombra do primeiro jogo, infinitamente melhor em termos de roteiro.
Vamos relembrar um pouco a narrativa de The Last of Us: Joel, pai, perde a filha em virtude de uma organização (Governo) que acredita no sacrifício em prol do bem maior (quarentena e extermínio de infectados). Vinte anos depois, temos um homem que ainda carrega o relógio quebrado que a filha lhe deu, literalmente parado no tempo.
O tutorial de mira e tiro do jogo é para sacrificar um humano, e nisso vemos o primeiro entrelaçamento entre mecânica e narrativa. Tendo o paralelo da primeira pessoa que o Joel mata, em desespero, para a morte fria de agora, aprendemos o homem que se tornou junto do tutorial.
Precisamos escoltar a Ellie, e aqui reside o trunfo do jogo. De início, os dois não se batem. Mas, ao longo da história, a relação é desenvolvida em paralelo com as mecânicas. Ellie de início é totalmente inútil em combate. Após salvar a vida do Joel, matando um inimigo, a personagem passa a interferir nos encontros com inimigos. E essa é uma mudança progressiva, em que a personagem transita desde o momento do rifle, até o pico de sinergia máximo entre a dupla em que, no único momento inteiro do jogo, temos salto de gameplay entre os personagens.
Em termos de história, não só o desenvolvimento da relação dos principais é extremamente natural, como tudo que os cerca enriquece a visão do mundo. São 4 encontros principais:
Bill, que formava dupla com o par romântico. Ambos terminaram a vida amargurados um com o outro, levando ao suicídio do amante do Bill e sua findada solidão.
Os irmãos, em paralelo com o adulto cuidador e a criança que precisa de proteção. Após perder o irmão mais novo, o mais velho se mata.
O jogo reforça duas vezes como o efeito colateral da perda de um amado afeta aquele que restou. Logo após isso, Joel rejeita a foto de Sarah, rejeita os cuidados e escolta à Ellie. Por duas vezes ele é relembrado da dor da perda de alguém que nutre amor. E nisso temos o primeiro momento de aberto diálogo entre os personagens. Ellie é honesta, Joel a machuca - para assim admitir para si o lugar que a menina agora ocupa em seu coração. Resolve voltar a escoltá-la. Ambos saem em cavalos separados, e no próximo corte temporal estão juntos, no mesmo cavalo. Novamente o jogo reforça a aproximação não só por cutscenes, mas em jogabilidade.
Temos os outros 2 encontros, que reforçam o senso de comunidade:
Tommy e a esperança de um futuro coletivo para Joel e Ellie sobreviverem naquele mundo.
Os canibais, que reforçam a necessidade da existência em comunidade com o Tommy em contraponto à corrupção que pode atingir outros grupos sociais.
Temos o pico de sinergia entre os dois personagens após Joel quase morrer pelo ferimento e infecção, durante o inverno, e o salto de gameplays. Após o evento traumático de quase ser estuprada e morta, Joel abraça Ellie totalmente como filha, mas agora o pico de sinergia passou após a menina descobrir quão cruel o mundo pode ser. Mecanicamente isso é visto pela apatia nos diálogos opcionais, pelo chamado não atendido da personagem na progressão de cenário.
O jogo termina com uma rima narrativa. Novamente, Joel está no limiar de perder uma filha. Novamente, por conta de uma organização (Fireflies) que acredita no sacrifício de alguns pelo bem maior (Ellie morta para a possibilidade de uma vacina). Ele já passou por isso, e sabe do resultado. Joel não aceita.
Na tentativa de recuperar a sinergia, controlamos a Ellie pela segunda vez no jogo, em seu final. Ela precisa mentir para si, aceitando a mentira de Joel. E o jogo fecha magistralmente com dilemas: Ellie acreditou? Joel estava certo?
TLoU é um jogo tão, tão, tão sutil, que constrói tão bem a relação entre personagens, que converge todos os elementos de roteiro para o foco (Ellie e Joel), que casa todo o desenvolvimento narrativo em mecânica, e vice-versa. É um jogo que tem ali seu pequeno problema de ritmo no começo, mas é praticamente impecável nesse aspecto nos outros 80%. Mescla combate, exploração com momento de desenvolvimento entre os personagens pela travessia de cenário. Em todo momento, existe alguma progressão temática. O jogo não perde tempo. Cada coisa que ele mostra adiciona ou move a trama/relacionamento para frente.
Não acho o GotG do PS3. Não sou tão entusiasta como boa parte das pessoas do fórum. Mas é inegável que o projeto apresenta coisas únicas e uma sutileza narrativa que pouquíssimos, pouquíssimos MESMO, jogos conseguiram criar.
Comparar TLoU 2 com tudo isso é praticamente ofensivo. É diminuir tudo o que o primeiro jogo fez tão bem. Pretendo resgatar esse post no futuro para traçar os paralelos do primeiro com a sequência, e dizer no que considero que ela acertou, e apontar o que acho que ela errou (e errou muito).