MP faz busca em endereços de Queiroz e de ex-assessores de Flávio Bolsonaro
Agentes se encontram em locais na capital e também em Resende, no Sul do Estado do Rio, onde mora parentes da ex-mulher de Bolsonaro
18/12/2019 - 06:55 / Atualizado em 18/12/2019 - 10:10
Equipe do Ministério Público faz busca e apreensão no apartamento onde morava a filha de Queiroz, Evelyn Foto: Pablo Jacob / O GLOBO
RIO — O
Ministério Público do Rio cumpre na manhã desta quarta-feira diversos
mandados de busca e apreensão em endereços de ex-assessores do senador
Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) tanto na capital como em Resende, no Sul do Estado do Rio. As medidas cautelares foram pedidas na investigação sobre
lavagem de dinheiro e
peculato (desvio de dinheiro público) no âmbito do antigo gabinete do senador quando era deputado estadual na
Assembleia Legislativa do Rio. São alvo das medidas cautelares os endereços de
Fabrício Queiroz, ex-chefe da segurança de Flávio, seus familiares e ainda parentes de Ana Cristina Siqueira Valle, ex-mulher do presidente
Jair Bolsonaro.
As medidas cautelares desta quarta-feira atingem sobretudo ex-assessores que também
tiveram sigilo fiscal e bancário quebrado pelo Tribunal de Justiça do Rio em abril. Ao todo, na ocasião, 96 pessoas e empresas foram alvo da decisão da 27ª Vara Criminal do Rio, cujo titular é o juiz Flávio Itabaiana de Oliveira Nicolau.
Especial:
Em 28 anos, clã Bolsonaro nomeou 102 pessoas com laços familiares
No Rio, uma equipe do MP esteve na manhã desta terça-feira no condomínio em Jacarepaguá, Zona Oeste do Rio, onde morava Evelyn Queiroz, filha do ex-assessor de Flávio. Ao chegaram ao local, porém, foram informados na portaria que "a pessoa (que mora atualmente) no apartamento não era o alvo da operação".
Áudio de Queiroz:
'Tem mais de 500 cargos lá, cara, na Câmara e no Senado. 20 continho caía bem'
A defesa de Fabrício Queiroz disse ter recebido a informação a respeito da recente medida de busca apreensão com "tranquilidade" e ao mesmo tempo "surpresa" e a classficou de "absolutamente desnecessária".
Equipe do MP faz buscas nas casas de Maria José de Siqueira e Marina Siqueira, tias da Ana Cristina Vale, ex-mulher de Jair Bolsonaro Foto: Fabiano Rocha / O Globo
Evelyn foi uma das funcionárias contratadas pelo gabinete de Flávio na Alerj. Após as denúncias do esquema de "rachadinha" - como é conhecida a prática de funcionários devolverem parte dos salários - e da existência de funcionários fantasmas no gabinete, Queiroz adotou discrição e se afastou dos holofotes para tratar um câncer. Ele tem se consultado no Hospital Albert Einstein, em São Paulo.
Nomeações:
Bolsonaro empregou ex-mulher e parentes dela no Legislativo
Em Resende, são alvo os nove parentes de Ana Cristina Siqueira Valle que foram lotados no gabinete de Flávio durante algum período entre 2003 e o ano passado - tempo de seus quatro mandatos. José Procópio Valle, ex-sogro de Bolsonaro, Andrea Siqueira Valle, ex-cunhada de Bolsonaro, além dos primos Francisco Diniz, Daniela Gomes, Juliana Vargas e Guilherme dos Santos Hudson, além da tia Ana Maria Siqueira Hudson.
Parentela:
Assessores de Flávio Bolsonaro recebiam salário, mas não tinham crachá e ficavam longe da Alerj
Equipes do MP também foram às casas de Maria José de Siqueira e Silva e Marina Siqueira Guimarães Diniz, tias da ex-mulher de Bolsonaro Ana Cristina Valle, mãe de Jair Renan. Após cerca de 1 hora nos endereços, o MP deixou o local com celulares e documentos. As duas, que estavam em casa, não quiseram se pronunciar sobre a ação desta quarta-feira.
Já o tio de Ana Cristina, Guilherme Hudson, falou ao GLOBO, o primo de Ana Cristina disse que o processo corre em segredo de Justiça e que não iria comentar a ação:
- Essa investigação transcorre em segredo de Justiça. O fato deles (MP) terem passado aqui e levado computador e celular é um ato administrativo normal. Levaram o que quiseram, praticamente nada - disse.
Questionado se havia trabalhado como assessor na Câmara de Vereadores, Guilherme afirmou que sim e que a informação é “mais conhecida do que bolacha Maria”.
- Eu não tenho nada a dizer sobre isso. Tem que achar é quem inventou essa história.
Guilherme Hudson foi lotado quando tinha 23 anos e ainda cursava Direito. Ele só concluiu o curso na Universidade Estácio de Sá no final de 2008 — o que o obrigaria a conciliar as tarefas no gabinete com o final do curso. Ao menos desde 2012, Guilherme possui residência fixa em Resende, onde casara em 2011 e abrira um escritório de advocacia, além de uma loja de decoração com a mulher, a professora Ananda de Menezes Hudson, de 31 anos.
Desde 2012, o site do Tribunal de Justiça do Rio mostra que ele atuou em 68 processos na região de Resende e em cinco na capital. Chegou a fazer concurso para a prefeitura de Barra Mansa, mas foi reprovado. Pessoas que o conhecem em Resende jamais souberam de seu cargo na Câmara Municipal do Rio, pois conhecem suas atividades na cidade no sul do estado.
Os sem-crachá
Fabrício Queiroz, ex-assessor do gabinete de Flávio Bolsonaro na Alerj Foto: SBT / Reprodução
Em junho,
O GLOBO mostrou que o vendedor aposentado José Procópio Valle e Maria José de Siqueira e Silva, pai e tia de Ana Cristina, jamais tiveram crachá funcional da Alerj. Ele ficou lotado cinco anos e ela, nove.
Já Andrea Siqueira Valle foi fisiculturista em Resende durante todo o tempo em que constou como assessora e Francisco Diniz chegou a cursar faculdade integral de Medicina Veterinária em Barra Mansa, também no Sul do estado, no mesmo período em que foi nomeado assessor de Flávio na Alerj.
Clã Bolsonaro:
dos 286 funcionários, 13% têm indícios de que não trabalhavam
Foto: Reprodução/Facebook
Fabrício Queiroz, ex-chefe da segurança de Flávio Bolsonaro, é investigado por suspeita de praticar a chamada rachadinha - prática de devolução dos salários de funcionários - no gabinete do então deputado estadual. Foi citado pelo Coaf por movimentações financeiras suspeitas de R$ 1,2 milhão e teve o sigilos fiscal e bancário quabrados
Foto: Reprodução
Filha de Queiroz, Nathalia Queiroz também apareceu na lista do Coaf e teve os sigilos bancário e fiscal quebrados pela Justiça. Ela trabalhou na Câmara com Jair Bolsonaro e no gabinete de Flávio na Alerj. No mesmo período, também atuava como personal trainer de diversas celebridades.Funcionária por 10 anos, nunca teve crachá da Alerj.
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Foto: Reprodução
A mulher de Queiroz, Marcia Aguiar, foi nomeada no gabinete de Flávio em 2007 e lá ficou até 2017, com salário bruto de R$ 9.835,63. Mesmo lotada como consultora especial para assuntos parlamentares, ela declarou-se "cabeleireira" em um processo para a Defensoria Pública em 2008. Nunca teve crachá na Alerj.
Foto: Reprodução
Enteada de Queiroz, Evelyn Mayara de Aguiar Gerbatim, foi nomeada para o cargo de assessora em 2017, na vaga da mãe, Márcia Aguiar. O pai de Evelyn, Márcio Gerbatim - que também trabalhou no gabinete de Flávio - informou desconhecer que a filha tenha trabalhado lá. Segundo ele, Evelyn cursava faculdade e trabalhava em uma farmácia
Foto: Divulgação / Polícia Civil
Raimunda Veras Magalhães e Danielle Mendonça da Costa da Nóbrega, a mãe e a mulher do capitão Adriano Magalhães da Nóbrega, foragido da Justiça por suspeita no caso Marielle Franco, ocupavam cargo com salário de R$ 6.490,35. Raimunda é uma das servidoras que fizeram repasses para Queiroz. Nunca tiveram crachá da Alerj.
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Foto: Reprodução/TV GLOBO
O tenente-coronel da Polícia Militar do Rio Wellington Servulo Romano da Silva, de 48 anos, passou 248 dias fora do Brasil durante o período de um ano e quatro meses em que trabalhou no gabinete de Flávio na Alerj e, ainda assim, recebeu os salários e as gratificações. Ele é um dos servidores que transferiram recursos para Queiroz. (
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Foto: Arquivo pessoal
O veterinário Francisco Siqueira Guimarães Diniz é primo da ex-mulher de Bolsonaro e foi lotado inicialmente no gabinete de Flávio quando tinha 21 anos, em 2003. Em 2005, ele começou a cursar a faculdade de Medicina Veterinária em Barra Mansa, a 140 quilômetros do Rio. Funcionário por 14 anos, nunca teve crachá na Alerj.
Foto: Juliana Dal Piva/Agência O Globo
Irmã da ex-mulher de Bolsonaro, a fisiculturista Andrea Siqueira Valle, de 47 anos, foi nomeada para cargo em 2008 e por 9 anos jamais teve identificação funcional. Apenas em 2017 foi pedido um crachá da Alerj em seu nome. Nesse período, ela sempre viveu em Resende. Tinha salário bruto de R$ 7.326,64, além de receber auxílio educação de R$ 1.193,36.
Foto: Reprodução
O vendedor aposentado José Cândido Procópio da Silva Valle, de 76 anos, é pai de Ana Cristina Valle, ex-mulher do presidente Jair Bolsonaro. Ele foi nomeado no gabinete de Flávio em 2003. Lá, teve um salário bruto que chegou a R$ 6.322,28 em 2007. Ele foi exonerado um ano depois. Durante todo o período jamais teve crachá da Alerj.
A professora aposentada Maria José Siqueira e Silva, de 77 anos, também nunca teve crachá funcional da Alerj, apesar de ter sido lotada no gabinete de Flávio de outubro de 2003 até maio de 2012. Tia da ex-mulher do presidente, ela chegou a receber um salário bruto de R$ 4.400,06.
A investigação foi instaurada em 31 julho do ano passado, meses depois que o antigo Conselho de Controle de Atividades Financeiras enviou espontaneamente um relatório ao MP com movimentação atípica de Queiroz num total de R$ 1,2 milhão entre janeiro de 2016 e janeiro de 2017.
O caso ficou parado de julho até novembro aguardando decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a legalidade do compartilhamento de informações sigilosas por órgãos como a Unidade de Inteligência Financeira (UIF, antigo Coaf) e a Receita Federal com o Ministério Público e órgãos policiais sem autorização judicial. O STF aprovou no mês passado a tese para o compartilhamento.