Em geral não gosto de remakes, tem uns que eu gosto (como o do primeiro Resident Evil), mas o ponto não é bem esse.
Um game tem que nascer de uma ideia, e de uma ideia própria de um game. Por isso também não gosto de adaptações, game desse filme, daquela série, daquela HQ, anime ou qualquer coisa assim. Já fico com um pé atrás com esse tipo de game embora também tenham exceções.
Quando vejo um game novo a primeira coisa que me pergunta é qual é o conceito de videogame que esse game me traz? Existem alguns games que dão exemplos mais claros. Jogos da Platinum se explicam muito bem pelo seus conceitos, Vanquish é um tps baseado em cover, porém, com um twist, você pode deslizar rapidamente para sair de uma bancada de cover a outra, ou então para ir atrás das bancadas de cover adversárias pegando seus inimigos pelas costas. Esse deslizar mais a câmera lenta com um trade off definem o que é Vanquish. Exemplo bem elucidativo, mas se não servir, vamos a outro, Metal Gear Rising. Novamente, um hack'n'slash que aparentemente deveria ser como qualquer jogo do gênero, mas tem seu twist, que é o parry e possibilidade de dilacerar com a espada em vários pedacinhos os inimigos, mas fácil de ser executado que em outros games do gênero. Mas se seguirmos, tem um game que define melhor a filosofia da Platinum, que é Astral Chain.
A princípio, para quem não sabe Astral Chain deveria ser uma adaptação de um anime. Mas conforme se deu o desenvolvimento do jogo e ideias que deveriam servir a jogos diferentes foram unidas num só, nasceu então uma nova propriedade intelectual. E o que define Astral Chain são as legions que lutam sinergicamente com o jogador amarradas à uma corrente. Porém, legions servem pra que precisamente? Legions servem para combater chimeras, pois somente as legions conseguem enxergar chimeras e dão poder aos usuários de legions de também vê-las. Assim no mundo de Astral Chain uma equipe policial foi montada para fazer uso desses que conseguem obter afinidade com suas legions para combater as chimeras. Agora então você é um policial, e como policial você tem que investigar casos, mas também ajudar criancinhas a pegar um balão que ficou preso num lugar mais alto, ajudar o pai que perdeu o seu filho a encontrá-lo, e também, quando for necessário, e será, adentrar o Astral Plane, mundo paralelo onde habitam as chimeras. Veja que todo um universo é construído em torno de um conceito de game. Japoneses gostam de criar games assim, eles criam um conceito de game e depois em torno desse conceito constroem um universo que melhor reflete aquelas ideias de gameplay criadas.
Agora imagine se os desenvolvedores da Platinum ficassem restritos a ideia de uma adaptação de um mangá (ou anime) como Appleseed. Alguns dos conceitos que são originários de Astral Chain não caberiam, a estrutura de jogo não caberia, as mecânicas de gameplay não caberiam. Basicamente seria o caso de tentar encaixar uma chave numa fechadura que não se encaixa. Você pode levá-la ao chaveiro e ele poderá fazer alterações para que aquela chave sirva, mas não será a mesma e provavelmente perderá a sua essência.
Então quando desenvolvedores querem fazer um remake eles se deparam com problemas semelhantes. Porque um universo foi anteriormente criado para um determinado tipo de jogo, com certas características, com uma certa estrutura. Mas como os gamers mais novos não gostam dos games originais por achá-los antiquados, eles querem o mesmo universo encaixado numa nova fechadura. Uma coisa que esses gamers mais novos, as vezes mais velhos também, não conseguem compreender é que uma história de um jogo tem um propósito específico que é de enriquecer aquele jogo e ela o faz servindo ao jogo.
Em Sekiro o protagonista do jogo é capaz de reviver uma vez durante as batalhas. Isso é antes de tudo uma mecânica de jogo. Os devs da From Software pensaram em algo como uma segunda chance, algo que faz sentido num jogo que envolve um sistema de quebra de posturas. Seria penoso demais deixar o jogador morrer logo que ele perde a postura uma única vez. Provavelmente essa foi uma ideia que veio no meio de desenvolvimento e não de ponto de partida. A princípio pensaram no sistema de deflexões de espada e a barra de postura a ser quebrada. Logo notaram que o jogo ficaria muito desbalanceado se tanto o jogador quanto demais inimigos morressem logo depois de uma única quebra de postura. Então decidiram que o jogador deveria reviver pelo menos uma vez (ou mais vezes, a depender de algumas condições específicas) e somente depois de tomada essa decisão decidiram criar uma história em torno desse conceito. Você joga como esse lobo imortal que já morreu várias vezes em batalha protegendo seu mestre, que aparentemente também é imortal. Porém, você enfrenta no jogo um mesmo chefe duas vezes, uma vez que é revelado que ele também possui essa imortalidade. E um homem mais velho que não seria mais capaz de lutar com sua vitalidade de jovem resolve ao final da história sugar energia de outro homem jovem só para ter a oportunidade de lutar mais uma vez em um combate mortal de altíssimo nível contra uma pessoa que lhe exerce um grande fascínio. Outros estão com inveja e querem correr atrás da imortalidade e alguns daqueles que são imortais estão cansados dela. É uma história que enriquece os sistemas de combate de Sekiro, tornam eles mais críveis, plausíveis, convincentes, imersivos e orgânicos. Em suma a história do jogo serve ao gameplay.
História de Sekiro pode até ser interessante por si mesma. Ela pode dar em filme, mangá, livro etc. Mas esse não é o ponto. Sua função é revestir aqueles conceitos de gameplay de Sekiro ( ressurreição, duelos travados com espadas que se defletem, e inúmeros outros) de significado. Contextualizam os locais e cenários por onde acontece o jogo. Não pense que isso é diferente em JRPGs porque muitos deles são também feitos primeiro em suas mecânicas e só depois pensados em sua história. Como, pra dar um exemplo,
Final Fantasy VII que tem as matérias.
Por outro lado, quando o desenvolvimento já parte dos universos pré-concebidos é mais difícil para os game designers pensarem nos conceitos de gameplay porque eles já estarão atados. Pior ainda quando tem a necessidade de modernizá-los, necessidade um quanto inerente de um remake.
Mas essas coisas pioram ainda mais quando é dada a tarefa a grupos diferentes, que não participaram da obra originária. Então essas novas equipes são incumbidas da tarefa de decifração de jogos antigos os quais não fizeram, de tentar entender qual é a essência daquela obra e numa ato interpretativo modernizá-la.
Sem um conceito de gameplay definido o trabalho acaba falhando em dois sentidos nesses casos. Primeiro que a chave não encaixa na fechadura, o universo e o novo gameplay não andam lado a lado. Em muitas vezes temos um gameplay genérico semelhante a outros games modernos do momento com sistemas parecidos, de modo que se o game antigo tinha uma identidade definida pelo seu gameplay, o remake moderno já não é capaz mais de ter essa identidade. E em segundo lugar as interpretações artísticas são ruins, pois são feitas por grupos menos talentosos artisticamente que embora tenham equipamento técnico mais sofisticado falham na recriação da estética, da direção, de tudo aquilo que envolve os aspectos artísticos. O caso mais claro disso é aquele remake do primeiro Metal Gear Solid.
Então como sou a favor de que os games nasçam das suas ideias de videogame, vejo mal a ideia de remakes. Porque eles são notoriamente casos que ferem esse princípio.
No mais depois de um post longo como esse eu acho que existem mais fatores psicológicos, afetivos, emocionais, que estão envolvidos nessas produções de remakes e nos seus sucessos. Rola uma espécie de fetiche dos rótulos, dos invólucros, dos revestimentos e não tanto das substâncias dos games. Até porque um game que é substancialmente bom não precisa de remake.
Ps: comprei nessa sale Resident Evil 2 Remake e achei inferior em tudo, em todos os aspectos em relação primeiro lá de 1998.