Um tempo atrás comentei em outro tópico quais seriam os meus cinco jogos favoritos e o The Legendo of Zelda: Ocarina of Time ficou em primeiro. Desde então decidi jogá-lo novamente para reviver a nostalgia por fazer muitos anos que o terminei.
Há um tempo atrás tentei jogar o remake do 3DS mas não consegui, longe de ser ruim, o problema tinha mais a ver comigo, a minha nostalgia pela versão do Nintendo 64 é muito grande e a forma como mudaram alguns aspectos, ao menos pra mim, descaracterizou a versão original. O remake tem uma arte mais colorida e cartunesca dos Zeldas atuais enquanto o original, dentro das limitações da época, parecia querer tentar ser mais sóbrio e realista, acho que a essência do visual moderno dele ficou naquela tech demo do Game Cube.
Então jogando novamente a versão do Nintendo 64 até o fim eu pude lembrar de todos os motivos pelos quais considero o The Legendo of Zelda: Ocarina of Time o meu jogo favorito: possui uma das histórias mais épicas da história dos videogames, a direção narrativa era incrível na época, possui um pacing excelente sempre introduzindo novas ideias e foi um jogo que introduziu muitos elementos da jogabilidade e level design modernos.
1. História e direção narrativa:
Algo que é pouco lembrado quando as pessoas vão comentar sobre o Ocarina of Time é do quanto a história e a direção narrativa eram incríveis para a época, quando esse tema é abordado geralmente sempre citam Metal Gear Solid,
Final Fantasy VII ou Half Life. Não sei se o motivo disso acontecer tem a ver com o fato da Nintendo ao longo dos anos ter dado cada vez menos importância para esses dois aspectos, então parece que as pessoas foram deixando de valorizá-los mesmo quando ofereceram uma das melhores experiências para a época.
O Playstation 1 foi marcado pelas incríveis cutscenes de CGI, já o Nintendo 64 por não ter muita capacidade interna de armazenamento nos seus cartuchos não podia fazer o mesmo, porém hoje é possível ver que o fato do Ocarina of Time ser um jogo totalmente tridimensional ajudou muito a construir excelentes cutscenes em real time que tornaram-se padrão atualmente.
Logo na primeira cena do jogo a Nintendo já brinca muito com os diferentes ângulos de câmera para dar um tom mais cinematográfico a aventura, por exemplo colocando a perspectiva da Navi em primeira pessoa para o jogador conhecer Kokiri Forest.
Mas vamos começar do início, ao dar boot no jogo a primeira cutscene que vemos é a do Link adulto andando a cavalo nos campos de Hyrule ao som de uma linda música bem calma já nos preparando para a aventura que está por vir. Na época só essa cutscene já despertou uma grande pergunta “eu vou poder explorar esse campo enorme andando a cavalo?” Essa era uma mecânica completamente nova na época, não existiam tantos jogos que traziam a possibilidade de andar a cavalo em ambientes tridimensionais como atualmente.
Depois, quando realmente iniciamos o jogo, vemos o Link tendo um foreshadow em um sonho e a Árvore Deku faz o chamado do nosso herói “kokiri” para a aventura. É aqui também que acontece a cena da Navi em primeira pessoa:
Depois de terminar a primeira dungeon a Árvore Deku conta que um grande mal se levanta sobre Hyrule na figura do Ganondorf. Também explica como o triforce criou todo aquele mundo para depois repousar no Reino Sagrado e que se cair em mãos erradas poderá espalhar o terror sobre a terra. Então ela pede para o nosso herói encontrar a princesa Zelda a fim de tentar impedir Ganondorf de encontrar o triforce.
O encontro do Link com a Zelda é outro momento do jogo em que a Nintendo brinca muito com os vários ângulos de câmera graças aos ambientes completamente tridimensionais, chega até a ser engraçado os closes que dão as vezes nas flores que são bem feias para os padrões atuais, mas não deixa de ser um tom cinematográfico bem acima da média para os padrões da época.
A Link to the Past trouxe de forma inteligente a ideia do jogador explorar dois mundos paralelos e souberam fazer muito bom uso dessa mecânica para fins de level design, porém foi apenas no Ocarina of Time que fizeram bom uso dessa mecânica para fim narrativo.
A função da primeira parte com o Link criança é a de fazer o jogador se conectar com as pessoas que vivem em Kokiri Forest, Hyrule Castle, Kakariko Village, Death Mountain e Zora’s Domain para depois na segunda parte da aventura, com o Link Adulto, o jogador se importar em querer salvar essas mesmas pessoas depois que o Ganondorf espalha o terror sobre o mundo. Também é interessante ver a reação delas em relação ao seu personagem depois de sete anos. Realmente a Nintendo acertou em cheio com essa abordagem por dar um tom ainda mais épico para a aventura apresentando dois momentos, um antes da conquista do Ganondorf e outro depois.
Após terminada as três dungeons iniciais Link precisa voltar para Hyrule Castle para ir ao Temple of Time e então acontece uma das cenas mais legais da história dos videogames graças a sua construção. Até aquele momento estamos acostumados a encontrar os portões de Hyrule Castle abertos durante o dia e fechados durante a noite, mas esse é o único momento do jogo que os encontramos fechados durante o dia, cada vez que nos aproximamos o céu começa a ficar mais escuro pela vinda de uma tempestade, então ao chegarmos mais perto finalmente assistimos na íntegra o foreshadow do início do jogo e entendemos o que estava acontecendo.
Toda boa história em um jogo de videogame tem que ter bons plot twists e Ocarina of Time não é diferente. Ao pegar a Master Sword no Temple of Time o tempo avança e se passam 7 anos, então o Link já está adulto e é informado que ao abrir as portas do Reino Sagrado deu a oportunidade para o Ganondorf colocar as mãos no triforce e dominar o mundo, assim descobrimos que quando crianças Link e Zelda foram ingênuos e cometeram um erro, cabe agora ao nosso herói amadurecer e tentar consertar o problem. Também encontramos Sheik, um novo personagem misterioso que irá ajudar o Link nas próximas dungeons.
Outra cena incrível acontece logo quando saímos do Temple of Time ao vermos Death Mountain ao fundo com um grande círculo de fogo no seu pico e Hyrule Castle todo destruído com zumbis espalhados pela cidade.
A aventura agora consiste em retornar aos locais que passou quando era criança para salvar as pessoas com quem criou lanços das garras do Ganondorf.
Depois de completar a primeira Dungeon em Lost Woods acontece um plot twist legal, pois no início do jogo dá a entender que o Link é um kokiri, logo não poderia crescer, mas é informado pelo broto da Árvore Deku que na verdade ele é um Hylian que perdeu o seu pai na guerra pela unificação do reino e foi deixado pela sua mãe, após ser gravemente ferida, na Kokiri Forest.
Uma cutscene legal que acontece nesse meio tempo é quando ao entramos em Kakariko Village (depois de terminar o Water Temple) e encontramos a cidade em chamas.
Finalmente depois de conseguirmos os cinco medalhões nas dungeons, somos informados para retornar ao Temple of Time para encontrar alguém importante. Ao entrarmos no local descobrimos que quem está nos esperando é o Sheik, esse é o momento da revelação que na verdade ele é a princesa Zelda. É também o momento que descobrimos o restante da lore que envolve o triforce: quando uma pessoa despreparada não consegue controlar seu poder ele se divide em três partes que são destinadas para as pessoas cujos corações refletem as suas propriedades, ou seja, Link (coragem), Zelda (sabedoria) e Ganondorf (poder). Então para tentar reunir todas essas partes novamente o Ganondorf rapta a Zelda e chama Link ao seu encontro.
Para encontrar-se com o Ganondorf é preciso subir de andar em andar no seu castelo. Parte da trilha sonora do castelo é feita com órgão e conforme vamos subindo os andares a música vai ficando cada vez mais alta, então finalmente quando chegamos ao topo acontece essa cena incrível:
Um detalhe que sempre achei interessante é que ao longo da batalha conforme você ataca o Ganondorf a sua capa vai sendo rasgada, isso na época era um detalhe impressionante, tanto que em vários momentos o fps deve cair pra menos de 10 do tanto que exige do hardware do Nintendo 64.
O jogo já poderia terminar ai que seria excelente, mas ao invés disso a Nintendo dobra a aposta e faz uma das melhores sequências finais da história do videogames. Após ser derrotado Ganondorf utiliza o restante das suas forças para derrubar o seu castelo e então temos a sequência da fuga com a Zelda.
Por fim, depois de saírem vivos do castelo desmoronando e estarem comorando a derrota do Ganondorf um barulho surge dos escombros e Link decide ir até lá para investigar, assim descobrem que Ganondorf ainda está vivo e na sua última tentativa de dominar o mundo se transforma no clássico Ganon culminando numa batalha épica.
Só então Ganondorf é derrotado restaurando a paz em Hyrule. Na cena final a princesa Zelda desabafa falando que foi ingênua quando criança e que isso trouxe grandes consequências, mas agora com o Ganondorf derrotado era a hora de reconstruir Hyrule. Como forma de gratidão envia Link ao passado para recuperar a sua infância perdida.
Que jogaço... A história é incrivelmente épica possuindo uma das melhores jornadas do herói da história dos videogames com uma direção narrativa incrível para a época graças as cutscenes em tempo real. É uma grande aventura que vale a pena ser lembrada e revisitada.
2. Jogabilidade:
Se o Super Mario 64 tem a sua importância histórica por apresentar várias mecânicas que visam tornar a jogabilidade em ambientes 3D no geral mais orgânica e intuitiva, The Legendo of Zelda Ocarina of Time fez o mesmo só que para jogos em terceira pessoa com foco em combate corpo a corpo.
É justamente por essa característica que a Nintendo na minha opinião é a maior desenvolvedora de todos os tempos e dificilmente será ultrapassada por seguirem essa filosofia de sempre tentarem simplificar problemas de grande complexidade relacionados a jogabilidade e level design. Não digo que ela é a única a fazer isso, temos vários exemplos de desenvolvedoras que lançaram jogos que ficaram marcados por mover a indústria para frente, mas nenhuma delas fez isso com tanta frequência como a Nintendo.
Ocarina of Time era um jogo com mecânicas muitos complexas para a época e, da noite para o dia, conseguiram resolver vários problemas relacionados a jogabilidade em terceira pessoa com foco corpo a corpo em ambientes 3D tornando a jogabilidade de vários outros jogos frustrante por não seguirem as mesmas regras. Por isso pode-se dizer que foi ele quem apresentou a jogabilidade moderna para os jogos do estilo que citei, como os recentes Dark Souls, God of War, The Witcher 3 etc.
Ele ficou muito lembrado principalmente por ter introduzido o Z-Targeting. Batalhar em ambientes 3D era muito frustrante por exigir muita movimentação de câmera que nem sempre acompanhava corretamente o jogador em relação ao inimigo. Foi então quando perceberam que a perspectiva nas batalhas deveria ser diferente da exploração, assim introduziram o lock-on que seria ativado apertando o botão Z facilitando as lutas contra os inimigos. Essa mecânica na época foi revolucionária e é utilizada até hoje em jogos modernos, porém com aprimoramentos e refinamentos, mas a base surgiu em 1998.
Uma mecânica refinada no Ocarina of Time foi a ideia do “botão de ação”, até pela limitação do controle do Nintendo 64. Antes era muito comum toda ação exigir o uso de um botão diferente, ao invés de seguirem no mesmo caminho a Nintendo simplificou fazendo com que o ”botão A” realizasse a maioria das ações necessárias do jogo. Com o “botão A” é possível fazer interações básicas como conversar com NPCs, abrir baús e portas, rolar, pegar e empurrar objetos, soltá-los e jogá-los, escalar, soltar de uma quina e mergulhar quando está na água. Além disso tudo no modo Z-Targeting o “botão A” ganhava novas funções, como “A” pra frente da ataque forte e quando combinado com esquerda, direita e para trás faz o personagem esquivar. Isso deixou a jogabilidade bem mais intuitiva fazendo com que várias ações cuja execução poderia ser complexa em ambientes tridimensionais fossem realizadas de forma simples.
Outra sacada que a Nintendo teve foi que em jogos em terceira pessoa com foco corpo a corpo a perspectiva deveria ser mudada caso houvesse a necessidade de usar um item que atirasse projéteis, por isso que ao usar o arco ou hookshot a câmera muda para primeira pessoa facilitando a pontaria. Hoje esse conceito evoluiu graças a evolução dos third person shooters, então muitos jogos passaram a abdicar da câmera em primeira pessoa, mas o ensinamento que a câmera precisa ter uma outra perspectiva para atirar projéteis ainda persiste e é por isso que no God of War a câmera aproxima do ombro do Kratos ao jogar o seu machado.
A possibilidade de atravessar Hyrule a cavalo também deixou muitas pessoas boquiabertas na época e basicamente a jogabilidade simples de comandar a Epona se tornou padrão desde então em todos os jogos com montaria, como Shadow of the Colossus, The Witcher 3, Ghost of Tsushima etc.
Não necessariamente foi a Nintendo que criou todos esses conceitos sozinha, várias outras desenvolvedoras também ajudaram a fundar esses alicerces, mas foi ela quem reuniu todos em um único jogo atacando vários problemas de uma vez – é bom lembrar que nessa época o mundo não era tão conectado como atualmente com a internet e cursos profissionalizantes no ramo de criação de jogos, muitos dos avanços no início da era dos jogos tridimensionais aconteceram graças a pessoas extremamente talentosas, criativas e autodidatas. Por isso existe um grande respeito a desenvolvedores que ficaram conhecidos por moverem a indústria para frente, como Miyamoto, Kojima, John Carmack e John Romero, Alexey Pajitnov etc.
3. Pacing e level design
É surreal quando imaginamos que todo o conteúdo do The Legendo f Zelda Ocarina of Time está dentro de um cartucho com capacidade de armazenamento de apenas 32 MB.
Uma das características que torna a série Zelda a minha favorita é constantemente apresentar ideias e conteúdo novos para não deixar a aventura repetitiva. É um prazer explorar o overworld atrás de segredos e coletáveis, fico sempre apreensivo para saber qual será o tema da próxima dungeon e boss ou qual será o próximo item que irei ganhar que abrirá várias novas possibilidades, sem contar os inúmeros mini games que sempre estão presentes.
Ocarina of Time possui até partes de stealth que atualmente são muito utilizadas para quebrar um pouco o ritmo do jogo e ajudar no pacing, eu por exemplo adorava fazer a o estágio do Gerudo's Fortress. Além de também ser possível pela primeira vez na série cavalgar e, graças aos ambientes tridimensionais, mergulhar – quem não se lembra do fatídico Water Temple?
Outra característica que eu adoro na série é a forma como incluem os puzzles de forma orgânica, muitos jogos não conseguem fazer isso tornando esses momentos artificiais, por exemplo os que estão presentes nos jogos da Naughty Dog. Já nos Zeldas isso acontece com bastante naturalidade nas dungeons, as vezes resolvemos um puzzle nos darmos conta, e sempre gostei da sensação quando os jogos nos fazem parecer inteligentes ao resolver um problema.
Algo que sempre reclamam no Ocarina of Time é o fato de a todo momento surgirem alertas para lembrar o jogador de como realizar um determinado comando ou atingir um objetivo. Realmente é chato toda vez ter que ler o diálogo da coruja (sempre atento para não selecionar a opção errada que faz ela repetir o que já foi falado) e a Navi a todo momento gritando “hey, listen!”. Mas isso tudo é compreensível pelos desenvolvedores terem uma preocupação legítima de se os jogadores iriam entender como navegar naquele universo tridimensional tão grande, porém, ao contrário dos jogos atuais, as informações dadas eram apenas dicas, nunca tratam o jogador como um incapaz por exemplo utilizando GPS e vários marcadores no mapa. Para resolver a maioria dos problemas exige-se atenção, exploração dos ambientes e um pouco de lógica.
Por isso tudo dificilmente o jogador fica entediado, a todo momento o jogo te apresenta novas ideias e conteúdo, porém reconheço que a partir do Twilight Princess a estrutura apresentada no A Link to the Past e Ocarina of Time começou a ficar um pouco maçante, por isso foi incrível ver a Nintendo tentando uma abordagem completamente diferente com o Breath of the Wild, realmente a série estava precisando de ar fresco para não se tornar esses jogos anuais extremamente repetitivos.
Agora no Ocarina of Time tudo apresentado era novidade por ser a primeira vez que a série se aventurava em ambientes tridimensionais, logo na primeira tentativa a Nintendo acertou em cheio, tanto que repetiram a mesma fórmula inúmeras vezes em jogos subsequentes.
4. Conclusão
Fazendo uma análise atualizada, o The Legend of Zelda Ocarina of Time tem problemas? Claro que tem, por exemplo é difícil voltar a um jogo tridimensional sem poder usar o direcional direito para comandar a câmera, o framerate baixo de 20 fps, apesar da trilha sonora ser maginífica a qualidade delas é ruim por conta da limitação do cartucho, hoje é um jogo relativamente fácil por termos acostumado com a jogabilidade em ambientes tridimensionais, os combates são simples para os padrões atuais e constantemente repetem as mesmas por naquela época os jogadores não terem tanta intimidade com jogos assim.
Mas apesar disso tudo, mesmo sendo um jogo tão ambicioso e complexo para a época, é incrível como Ocarina of Time continua sendo um dos poucos jogos tridimensionais daquela época que são bons ainda hoje, muito graças aos problemas que a Nintendo atacou em relação a jogabilidade e level design.
Além da Nintendo naquela época, por incrível que pareça, ter entregado uma das melhores histórias de jornada do herói já feitas com vários plot twists cativantes e uma direção narrativa incrível aproveitando dos ambientes tridimensionais.
É por isso tudo que eu tenho um grande carinho pelo The Legendo f Zelda: Ocarina of Time. É o meu jogo favorito e pessoalmente, pela importância histórica, considero o melhor jogo de todos os tempos.
Quem nunca o jogou recomendo que jogue, nem que seja a versão do 3DS, e tenha em mente que esse jogo foi lançado em 1998 em um cartucho com apenas 32 MB de armazenamento, só com esse raciocínio vai conseguir compreender a genialidade que existe por trás dele e entender o motivo de ser tão enaltecido pela indústria dos videogames.